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Os esportes impossíveis
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Autora dos romances Turismo para cegos e Em plena luz, dentre outros títulos. É também fotógrafa e professora da Universidade Federal do Ceará. Adora gatos, viagens e acredita cada vez mais no poder da arte.

Os esportes impossíveis

Tipo Crônica
Ilustração por Carlus Campos (Foto: Carlus Campos/O POVO)
Foto: Carlus Campos/O POVO Ilustração por Carlus Campos

Se hoje gasto pouco tempo com exercícios físicos, houve uma época em que eu era sedentaríssima. Quando lecionava em colégios, tinha de trabalhar tanto, e num ritmo tão alucinado, que não me restavam forças para qualquer movimento nas horas vagas. Eu tentava me iludir, acreditando que o desgaste da profissão queimava calorias - mas o fato é que bater palmas (para pedir silêncio aos alunos), andar para lá e para cá durante as aulas, gesticular e escrever na lousa não são um programa de exercícios completo. Como resultado, constantemente eu adoecia, sentia-me exaurida e pálida, enquanto ativava a imaginação (ao menos, essa!) para pensar nas modalidades esportivas que jamais conheceria.

Via-me com equipamentos de alpinismo, esqui ou mergulho, e às vezes inventava a sensação de lidar com bolas de tênis, vôlei ou basquete. Nos dias mais cinzentos, desejava patins para dança no gelo. Gostava especialmente da ideia de me tornar amazona, galopando por hípicas intermináveis - ou, talvez, eu pudesse ter sido uma ginasta, flexível e rápida. Todas essas versões utópicas de minha identidade eram motivadas por atividades físicas que nunca tive.

Mas não pense o(a) leitor(a) que foram apenas esportes de inverno ou caros que me fugiram do alcance. Um simples passeio de bicicleta ainda é para mim algo inviável! Minhas intenções de equilíbrio são sempre vencidas pela atração gravitacional, e por mais que eu me esforce não há jeito. Já me conformei com a hipótese de um carma ou maldição - até porque outro dia sonhei que de novo nascia, e o médico segurava minhas perninhas de bebê e fingia dar umas pedaladas. Depois ele ria como um psicopata, dizendo: "Rá-rá-rá, essa aqui nunca vai aprender!" Classifiquei a imagem como sonho, mas agora estou pensando se não sofri uma regressão e recuperei uma incrível memória dos tempos de infância...

De qualquer modo, se hoje eu pudesse escolher, de imediato me entregaria à esgrima - pelo prazer de usar máscara, luvas e colete protetor. E erguer um florete, acima de tudo: palavra que é delícia e perfume desde os tempos em que li "O chamado", da Lygia Fagundes Telles. Nesse texto, a escritora (que se formou em Educação Física) fala da disciplina e da rapidez que o esporte lhe ensinou. Porque a esgrima - exatamente como a ficção - consiste em avançar veloz, para atingir um coração exposto.

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