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O que está mudando no jeito de gerir os hospitais públicos do Ceará
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O que está mudando no jeito de gerir os hospitais públicos do Ceará

Josenília Gomes, diretora-presidente da Fundação de Saúde do Ceará, detalha os eixos que baseiam o projeto de gestão de equipamentos da rede
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Josenilia Gomes, diretora-presidente da Fundação de Saúde do Ceará (Funsaúde), do Governo do Estado (Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Josenilia Gomes, diretora-presidente da Fundação de Saúde do Ceará (Funsaúde), do Governo do Estado

Parte central do plano de modernização da Saúde no Estado, a Fundação de Saúde do Ceará (Funsaúde) pretende mudar a gestão de hospitais e outros equipamentos da rede otimizando a utilização de recursos e focando nos processos técnicos. Contrato de gestão entre Governo Estadual e a instituição, criada em 2020, deve ser assinado em 1º de setembro. Inicialmente, a Funsaúde deve gerir os hospitais Geral de Fortaleza, Infantil Albert Sabin, Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (Messejana), além da Central de Regulação e o Centro de Especialidades Pediátricas. 

Em entrevista ao O POVO, Josenília Gomes, diretora-presidente da Funsaúde, destaca que outro eixo da gestão deve ser a humanização. O objetivo é promover um modelo de relação de trabalho horizontalizado, propiciando melhor desempenho das equipes. Além de maior vínculo entre equipes fixas de saúde e os pacientes. Cerca de 6 mil profissionais serão contratados como empregados públicos, na seleção a ser realizada em outubro. A médica, que atuou na expansão dos leitos no início da pandemia enquanto secretária-executiva de Atenção à Saúde e Desenvolvimento Regional da Sesa, fala também sobre como a Funsaúde deve atuar no processo de regionalização do atendimento no Estado.  

O POVO - De que forma a Funsaúde vai funcionar? O que muda na gestão dos equipamentos em relação ao ISGH (Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar)?

Josenilia Gomes - O ISGH é uma organização social que a Sesa contrata para a gestão de alguns equipamentos de saúde. É uma instituição privada e existe um contrato de trabalho entre a Sesa e o ISGH para fazer a gestão desses equipamentos. A Funsaúde não é uma instituição privada, é uma instituição pública criada pela própria Sesa, vinculada à Sesa, para fazer a gestão dos hospitais. Do ponto de vista prático, porque a própria Sesa não faz a gestão? Mesmo sendo pública, a Funsaúde, tendo o direito privado, transita dentro de uma esfera do governo que a gente chama de administração indireta. Que tem algumas facilidades principalmente do ponto de vista de aquisição para fazer os processos tramitarem de forma mais rápida do que na administração direta. A gente espera mais agilidade nos processos de gestão dos hospitais que, hoje, estão todos ligados diretamente à Sesa passando por todo um controle. Não que não exista um controle. A Funsaúde, como órgão público, vai ser controlado tanto pelo controle social, do Cesau (Conselho Estadual de Saúde do Ceará), como pelos órgãos controladores, o TCE (Tribunal de Contas do Estado), o Ministério Público. A gente tem que obrigatoriamente estar lá no Portal da Transparência com todas as ações, gastos, custos. É um órgão de controle público e social muito maior do que um órgão privado, uma organização social.

A gente espera agilizar os processos para evitar falta de insumos nos hospitais. O segundo é que, centralizando as compras, o fornecimento e a logística toda, a gente consiga economizar em escala. Ao mesmo tempo em que, tendo um processo mais ágil, diminui o custo operacional. Com isso, a gente espera ter recurso para investir mais na formação das pessoas que trabalham e no próprio hospital em si. Na parte de atualização de equipamentos, modernização da arquitetura, temos problemas de acessibilidade muito grande. Tem um trabalho que precisa ser feito e a gente espera que, conseguindo controlar o custo operacional, a gente consiga melhorar.

Outra coisa importante é o vínculo empregatício, nossos colaboradores são empregados públicos com vínculo firmado com a instituição. Com isso, a gente espera implantar um modelo de atenção à saúde voltado para a integralidade do cuidado e para a humanização. Integral no sentido que o paciente possa identificar o médico que está cuidando dele, quem é a enfermeira, que possa participar mais efetivamente do próprio cuidado dele e das tomadas de decisão. Um modelo bem moderno de avaliar a experiência do paciente como parte do processo de trabalho da equipe.

OP - O que muda para quem busca atendimento? De que forma a mudança vai repercutir na qualidade do serviço de saúde no Estado?

Josenilia - Hoje, você tem equipes não vinculadas e móveis, voláteis durante um mês em um hospital. O paciente é visto por médico plantonista, não tenho esquema de avaliação integral nem diarista dos pacientes. Ele é visto por um médico de manhã, outro à tarde e outro do plantão da noite. Muitas vezes, não consegue saber nem o nome do médico. Consequentemente, não existe vinculação nenhuma. O médico vê um paciente e depois vai estar de plantão em outra unidade. Esse modelo de plantonista, todo mundo trabalhando no formato de 12 horas favorece essa desintegração do cuidado. Um cuidado absolutamente fragmentado. Sem falar que o médico da manhã pede um exame e, às vezes, o da tarde não checa e pede de novo. Ou não concorda com o exame pedido, a prescrição. Porque não existe uma conversa, não trocam ideia. Ele prescreve e vai embora. Muitas vezes, tem esse retrabalho e essa resolicitação de exames. Isso também aumenta custos. Acabo pagando mais caro. Um custo que, muitas vezes, acabo não contabilizando.

Nem tô mensurando o intangível, que é o fato de não ter vinculação. Mas isso de não ter uma equipe fixa. Equipes com enfermeiros ou técnicos de enfermagem que às vezes não são treinados. Você consegue um treinamento e acabam mudando de hospital porque o salário é melhor do que o que a cooperativa paga. Esse tipo de precarização de vínculos que a gente vive nos hospitais que a Funsaúde vai assumir são com certeza um fator de problema para a segurança do paciente. Porque tem maior chance de erro se não tem vinculação da equipe e também de aumento de custo operacional.

OP - Como isso vai impactar na melhoria da questão da precarização dos trabalhadores? Qual a diferença entre o empregado público e o servidor público?

Josenilia - A cooperativa não tem nenhuma estabilidade do ponto de vista do direito trabalhista. Você ganha se você trabalhar. Se você tirar férias, não recebe. O 13º (salário) não existe. Se é jovem e tem muita disposição, pode ganhar muito. Mas, para quem não tá, fica mais complexo se manter. Os valores pagos de acordo com a classe em que você está trabalhando — temos cooperativas de médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem — os valores pagos por plantão são muito destoantes. Sem falar que parte fica com a cooperativa, a taxa de administração. Quando a gente faz análise de vínculo trabalhista, o mais precário é o vínculo com a cooperativa. Vínculo zero com o profissional. O Estado contrata a cooperativa, que tem os profissionais e disponibiliza. E é difícil conseguir treinar porque eles mudam muito. Como vamos pensar em um programa de educação permanente com essa variação tão grande de escala e de pessoas a cada mês?

OP - Como será feita a avaliação de desempenho e a qualificação dos profissionais?

Josenilia - Temos um grupo de trabalho chefiado pela diretora de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas, a doutora Juliana de Paula, que está à frente. Dentro da equipe tem uma coordenação específica para avaliação de desempenho. Eles estão fazendo um estudo, benchmarking, avaliações para pensar na avaliação de desempenho mais justa possível e que promova muito mais. Na verdade, que suscite na pessoa o desejo de melhorar a partir do momento em que se autoavalia. Principalmente focada na avaliação da equipe, já que estamos focando muito no trabalho em equipe como sendo um dos eixos estruturadores do nosso modelo assistencial. A gente acredita que, sozinha, nenhuma profissão de saúde dá conta da complexidade do cuidado. Quando conseguimos trabalhar de forma harmônica, não hierárquica, conseguimos melhores resultados e muito mais segurança para o paciente. Com um modelo de relação de trabalho horizontalizado.

OP - A fundação funciona como economia mista? O profissional tem estabilidade?

Josenilia - Fundação estatal de direito privado. Existem vários modelos no Brasil, tem no Espírito Santo, Niterói, Paraná, Bahia. Algumas estatais e outras municipais. Não tem a estabilidade do (servidor público) estatutário, que, aliás, é questionável. Mesmo um estatutário, se abrir um processo administrativo e realmente houver sérios indícios de que houve lesão, é colocado para fora. Existem regramentos e dispositivos. No caso do colaborador empregado público, tem vínculo empregatício formal. Para ser demitido também precisa passar por um processo administrativo que justifique. Diferente de trabalhar no privado. No empregado público, precisa de um processo administrativo que justifique e ele vai ter direito de se reportar, se explicar. Se existir motivo, vai ser substituído por outro concursado. A diferença é só o formato do processo. São ritos diferentes. Muitas vezes, é próprio do órgão. Você inicia, tem que ter sindicância e uma série de procedimentos para que a demissão venha a acontecer.

OP - Quais as metas objetivas da fundação no que se refere a demandas antigas, como filas de procedimentos e descentralização de serviços de alta complexidade nas regiões do Interior?

Josenilia - As metas são contratualizadas e colocadas pela própria Secretaria de Saúde no contrato de gestão. A secretaria não passa os hospitais e a Fundação resolve quais metas ela vai estabelecer. Existem metas já pactuadas no contrato que a gente deve assinar no dia 1º de setembro. São muito relacionadas com as metas do PPA (Plano Plurianual) e do planejamento estratégico da Sesa. Estão relacionadas com acesso, diminuição do tempo de permanência, aumento do giro de leitos, aumento do número de cirurgias. São as metas quantitativas. Além das metas relacionadas ao pessoal, substituição de cooperativas, redução de terceirizados, apresentação de um sistema de custos que vamos ter de implantar. Para saber quanto custa cada procedimento que acontece dentro dos hospitais. Hoje, a gente não sabe. Temos uma ideia. Essas metas de educação permanente, de humanização. São todas as metas relacionadas a políticas públicas do âmbito federal e estadual compõem o plano, que vai ser um anexo do contrato de gestão entre a Funsaúde e a Sesa.

OP - Quais as metas de forma mais específica? Por exemplo, qual a redução do tempo de permanência do paciente?

Josenilia - Varia de acordo com o hospital. Até porque, a cada ano, deve ser revista. Não posso, no primeiro ano, estabelecer uma meta de 50% de redução de tempo de permanência porque o tempo está linkado a uma série de processos de trabalhos que preciso revisar. Muito provavelmente, essa meta para o primeiro ano deve ser mais dentro da realidade. De quem vai chegar. A gente fez uma análise da situação atual dos hospitais e a gente sabe que os desafios são enormes. Diferente de pegar um hospital porta fechada, novo em que a gente vai colocar as pessoas dentro e vai instituir um modelo de gestão diferente e inovador. Outra coisa é pegar um hospital que funciona há mais de 50 anos, com uma cultura organizacional implantada e que você vai ter que trabalhar em cima dessa cultura. Respeitando as pessoas que já estavam lá e o trabalho que foi feito. O que esses hospitais produzem hoje não é irrelevante, são extremamente importantes para a sociedade. Não podemos dizer que o que esses hospitais produzem hoje não é relevante. São extremamente importantes para a sociedade. Para o SUS (Sistema Único de Saúde) do Ceará, são pedras fundamentais. Não posso dizer que tá tudo errado, não funciona e vamos fazer tudo novo, diferente. Não. Vamos chegar para somar, inovar, melhorar processos, trazer as pessoas para mais próximo, formar equipes, diminuir o burnout dos trabalhadores, deixar o usuário mais satisfeito. Tudo é processo e estamos de olho nas metas porque elas são operacionais, quantitativas, estão no contrato. Mas a gente entende que construir o processo para chegar na meta é que vale a pena. Isso que a gente vive no dia a dia, a gente trabalha as pessoas que fazem o processo.

OP - O objetivo é que todas as unidades de saúde sejam inseridas nessa gestão da Fundação. Em quanto tempo isso deve ocorrer?

Josenilia - O planejamento da Sesa é que, nesse primeiro momento, a gente incorpore os três grandes hospitais. Existe um outro grande hospital que está sendo construído, o da Uece, com 660 leitos. Possivelmente, vamos ter uma grande transformação no sistema. Esse planejamento mais a médio prazo ainda não se estabeleceu. Vamos receber esses três primeiros hospitais. Ao final de um ano, será feita uma avaliação comparativa inclusive entre o desempenho da Fundação e do ISGH para a Sesa resolver como será feito em relação aos hospitais do interior e de outros equipamentos de saúde. A gente também vai receber a regulação (Central de Regulação Estadual do Sistema Único de Saúde - Cresus) e o Centro de Especialidades Pediátricas, que a gente recebe quando terminar a reforma. Vamos receber as três Centrais, de Fortaleza, de Sobral e do Cariri. Depois de receber todos, vamos ver o que mais vai vir na sequência. Gestão da parte logística da Central porque a gente não pode fazer o papel da Sesa. A gente não pode regular, fazer política, nem fazer vigilância e fiscalização. Nada que tá ligado a essas secretarias executivas pode vir para a gente. A gente vai se responsabilizar pelos contratos da parte logística, os sistemas de regulação, os tarms (auxiliares da regulação médica). Para tirar a terceirização.

OP - De que forma a Funsaúde se insere no processo de regionalização nos serviços de saúde no Estado?

Josenilia - Nesse momento, ela vai se inserir apoiando as regulações. Foi criada para apoiar a regionalização. Em cada região, será montada uma agência regional. A ideia é que essa agência regional apoie também no suporte logístico às superintendências da Sesa. Não assumindo o serviço de atenção à saúde nesse primeiro momento. No futuro, podemos visualizar assumir provavelmente alguns hospitais polo. A Sesa está colocando UTIs (Unidades de Terapia Intensiva), aumentou a política de incentivo hospitalar também foi revista para esses hospitais. Existe um grande movimento dentro da secretaria fazendo a regionalização. Não apenas com o Hospital Regional, que é o hospital de alta complexidade. Se você não tiver uma rede de hospitais polo que dê conta da média complexidade bem feita, o regional vai viver sobrecarregado como é a realidade hoje. A ideia é que a gente apoie esse trabalho junto aos hospitais polo, consórcios, policlínicas, fortalecendo a média complexidade para ver se a gente consegue desafogar os regionais.

 

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