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Quilombolas do Ceará repercutem avanço do processo de regularização das terras
CIDADES

Quilombolas do Ceará repercutem avanço do processo de regularização das terras

Mais perto de conseguir a titularidade das terras, quilombolas nutrem a esperança de melhorar a vida de suas comunidades, envolvendo jovens e resgatando a agricultura familiar
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A luta por reaver as terras ocupadas por seus ancestrais aproxima há 15 anos 543 famílias quilombolas de Alto Alegre e da Base, localizadas nos municípios de Horizonte e Pacajus, respectivamente, na Região Metropolitana de Fortaleza. As duas comunidades estão entre as que, na última quarta-feira, 20, foram contempladas com a assinatura do termo que garante a propriedade da terra contestada.

Na iminência de, finalmente, ter a posse definitiva da terra, os quilombolas fazem planos para o novo momento. "Minha expectativa é nos jovens. Minha esperança é essa: tentar engajar os mais novos e fortalecer os projetos de agricultura familiar", projeta Sebastião da Silva, 43, presidente da Associação dos Remanescentes do Quilombo da Base (Arquiba). O principal objetivo do líder é não deixar morrer o resgate permanente da cultura do quilombo.

Uma das iniciativas destacada por ele é a Casa da Semente, inaugurada em 2018, que identifica sementes crioulas, guardadas por gerações e livres de modificação genética. "Fizemos o resgate das sementes que tinham sumido. Hoje, a gente tem sete tipos de milhos e quatro de feijão, por exemplo", conta Sebastião.

Até 2004, os moradores das comunidades-irmãs só conheciam a história do homem que deu origem ao local onde vivem. Trazido da África, o escravo Cazuza conseguiu fugir enquanto o navio que o trouxera atracava na Barra do Ceará. Porém, naquele ano, a chegada de pesquisadores "levando conhecimento sobre sermos um povo quilombola mudou o futuro dos remanescentes" , define Cícero da Silva, 49, presidente da associação de remanescentes quilombolas de Alto Alegre (Arqua).

E é justamente esse conhecimento que motiva desde então a luta dos quilombolas pela área. Em 2010, quando o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) demarcou o território, os povos originários foram expulsos.

"É onde precisamos para trabalhar a agricultura. Hoje, faz vergonha no quilombo. De primeiro, a gente plantava mandioca, o milho, o feijão, abóbora, amendoim, melancia. Hoje, a gente sobrevive como? A maioria das pessoas mais velhas planta fora, em outros territórios, porque até hoje não é nosso de verdade (o território). Alguns chegam a ir até Quixadá", comenta Cícero.

O presidente da Arqua espera apenas a liberação da verba federal para a saída dos fazendeiros. Ele confessa que não vê a hora de entrar no terreno da comunidade e voltar a trabalhar. Para além da agricultura, ele acredita ser possível pensar em outras perspectiva de utilização do local. Um dos sonhos é utilizar o espaço para um projeto de educação.

Por outro lado, a rendeira Liduina da Silva, 63, teme represálias depois de os quilombolas ocuparem as terras. Segundo ela, já houve caso de ameaça de morte. "Espero que a minha geração se comporte e saiba receber esse presente. Como eles desejaram muito, lutaram por isso, eu espero que saibam suar para ter boas coisas", deseja.

A reintegração do espaço às comunidades de Alto Alegre e Base é esperança, principalmente, para os jovens. Desempregados, Witallo da Silva, 23, e Sara Bento, 20, esperam que as atividades a serem desenvolvidas no local os ajudem. Para ele, é um momento histórico. Para ela, a oportunidade de afirmação de sua origem.

Sara Bento, 20

A jovem de fala firme reclama do preconceito perceptível por onde passa. Para Sara, é motivo de orgulho se dizer quilombola. Porém, o que mais a machuca é a falta de emprego e as condições da saúde pública.

 

Liduina da Silva, 63

A falta do estudo é um dos sentimentos mais latentes do pouco contato com Liduína. A senhora rememora a necessidade de trabalhar para sobreviver. Hoje, tem um quadro bordado que compõe mostra artística sobre a criação das comunidades-irmãs Alto Alegre e Base.

 

Aldeniza da Silva, 45

A mulher saiu da roça e aprendeu a se aventurar na costura. Aldeniza, também chamada de bonequeira, é uma das responsáveis por produzir bonecas negras de pano, uma das formas de sobrevivência das mulheres do quilombo.

 

Witallo da Silva, 23

É gratificante para Witallo ver seu povo e outros tantos pelo País serem reconhecidos como quilombolas. Ele destaca o momento como histórico. Mas espera uma oportunidade, já que amarga nas estatísticas do desemprego.

Vicente da Silva, 94

Pessoa mais velha em vida na comunidade de Base. Vicente arranja a memória com o pouco que dá, mas mantém a coragem de andar metros e metros até o pedaço de chão onde compartilha o plantio para colher o fruto da semente que ele mesmo enterra.

Cícero da Silva, 49

Da sexta descendência do negro Cazuza, Cícero, desde 2005, é quem lidera as lutas pelo reconhecimento, demarcação e titulação das comunidades-irmãs de Alto Alegre e da Base.

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