Logo O POVO+
Padre Fábio de Melo acredita no autoconhecimento e no olhar ao outro para superar conflitos
CIDADES

Padre Fábio de Melo acredita no autoconhecimento e no olhar ao outro para superar conflitos

Filósofo, escritor, professor universitário, artista e apresentador, o sacerdote encerrou a 10ª edição do Futura Trends ontem, 29
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Futura Trends, realizado online e transmitido do estúdio da TV O POVO (Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Futura Trends, realizado online e transmitido do estúdio da TV O POVO

A importância de autoconhecimento e de uma transformação pessoal para só então conseguir mudar o mundo foi um dos temas destacados pelo padre Fábio de Melo no último dia do seminário Futura Trends 2020, realizado virtualmente na noite de ontem, 29. Retomando os conhecimentos adquiridos com o padre Alírio Pedrini — autor do livro "Oração de amorização: A cura do coração" — o sacerdote aponta a necessidade de um processo de 'amorização' para a solução dos atuais conflitos.

"A meu ver, é um encontro pessoal que cada um de nós precisa fazer, uma busca de autoconhecimento que nos ensine nosso lugar no mundo. E, estando bem posicionados, de maneira solidária, de maneira fraterna, também tenhamos condições de compreender o lugar do outro e nunca construir um discurso, seja ele político, sociológico ou religioso, que expulse o outro do meu mundo ou que provoque nele a sensação de que não existe espaço para os diferentes", afirmou.

Filósofo, escritor, professor universitário, artista e apresentador, padre Fábio de Melo fechou a 10ª edição do Futura Trends com o tema "Pandemia da Covid-19: as vítimas, os indiferentes e o amor. Os efeitos espirituais e humanos do distanciamento". A mediação foi feita pela professora e doutora em Educação, Cristiane Holanda, e pelo frei Wilter Malveira, diácono da Arquidiocese de Fortaleza.

Essa consciência de si também é apontada pelo padre como o caminho para se conseguir uma reconciliação com o outro, com a natureza e com Deus. "Quando tenho consciência de mim, tenho consciência da natureza, me sinto integrado, parte de um todo. Eu não me sinto dono do terreno que tenho, me sinto administrador dele. Não me sinto proprietário do rio que passa na frente da minha casa, sou apenas um ser que convive com ele."

O sacerdote continuou apontando que, ao deixar "a pretensão de onipotência" e de controle sobre tudo, a pessoa volta-se para o que "de fato precisa ser controlado": ela mesma. "Tem muita gente querendo controlar o mundo sem antes ter controlado a si mesmo. Acho que um bom lider é o que se lidera antes, que se lidera bem, que tem controle dos seus impulsos agressivos, que tem controle de tudo que é primitivo em nós", complementa.

Abordando as mudanças de rotina vivenciadas por conta do distanciamento social adotado em diversos países para conter a Covid-19, o diácono questionou se, para Fábio de Melo, esse contexto foi tempo de as pessoas voltarem-se "para dentro". De acordo com o padre, o estilo de vida em que as pessoas não estão presentes nas atividades que realizam é um obstáculo à vida interior.

"As pessoas foram jogadas dentro de casa, (foram) retirados os disfarces que usamos no dia a dia para tentar fugir desse encontro pessoal — e cada um tem seus disfarces: um trabalha demais, o outro estuda demais, o outro anda muito à toa por aí. E, de repente, não tivemos mais, os disfarces não servem, os disfarces foram proibidos. Existe uma fiscalização, e eu preciso me encontrar nesse processo."

Ao longo dos últimos meses, muito se falou sobre uma possível transformação da humanidade pelo aprendizado com a experiência de passar por uma pandemia. O sacerdote afirma que não compartilha dessa visão "romântica". Exemplo disso, prevê o padre, será quando a vacina para a Covid-19 estiver disponível. "A vacinação terá que ser por escala de urgências. O que é de gente que vai passar na frente, que vai subornar, que vai fazer de tudo para ter o direito antes de chegar a sua hora. Já estou prevendo tudo. Seremos assim, lamentavelmente."

Por outro lado, ele reforça que acredita em propostas pessoais que posteriormente repercutem no coletivo. Um bom fruto da pandemia, para Fábio de Melo, pode ser a iniciativa de pessoas que queiram fazer a diferença por meio de atividades voluntárias.

"Depois de enfrentar tudo isso, que a gente fique louco para sair de casa, mas que não seja para dar uma volta no shopping somente ou para ir a um show. Isso também é bom, vamos fazer, mas vamos sair de casa para fazer visita a hospitais; aos asilos, onde existem tantos idosos abandonados; às creches; e para levar nossa contribuição a alguma associação voluntária na nossa cidade que esteja fazendo a diferença."

 

A importância do cuidado para a construção de vínculos familiares saudáveis

Uma mudança causada pela pandemia foi a maior convivência entre quem vivenciou junto o confinameto. As situações foram distintas nas diferentes casas do Brasil e do mundo: ao mesmo tempo em que pais e filhos tiveram mais tempo juntos, houve aumento da violência doméstica e de outros abusos.

Questionado pela professora e doutora em Educação Cristiane Holanda sobre como as famílias podem lidar melhor com os relacionamentos, padre Fábio de Melo destacou a capacidade humana de acolher e cuidar.

"A experiência de cuidado é aquela que nos retira da primeira indigência", afirma o padre, apontando a vulnerabilidade do ser humano nos primeiros anos de vida, até ter autonomia para suprir necessidades como fome e sede. É exatamente essa experiência do cuidado que, segundo Fábio de Melo, faz as pessoas serem família e as congrega em um contexto de convivência saudável.

"Acho que nunca estivemos tão necessitados de cuidar e de sermos cuidados", opina, em relação ao cenário da pandemia e à necessidade de pensar no outro. "Tenho boa saúde, não tenho doenças crônicas, mas dentro da minha casa existem pessoas que têm. Então, eu não tenho coragem de usar essa liberdade de ir e vir, como eu poderia usar, porque não posso pensar só em mim. Não tenho o direito de pensar só em mim", exemplifica.

O sacerdote aponta, ainda, a necessidade de ser capaz de perceber quando alguém ao lado está doente. "Não somos perfeitos, não estudamos para desenvolver os papeis que precisamos desenvolver. Ficamos pais e filhos acidentalmente, mas de repente estamos aqui, dentro de uma mesma casa, dentro de um mesmo lar, e com uma oportunidade de viver uma experiência de cuidado que pode nos fazer crescer, evoluir." (Gabriela Custódio)

Sobre o Futura Trends

A palestra do padre Fábio de Melo encerrou a programação da 10ª edição do seminário Futura Trends, que teve os "dilemas humanos pós-Covid-19" como tema central. O assunto foi abordado a partir de quatro dimensões: Saúde, Ciência e Política; Educação, Família e Ócio; Economia, Riqueza e Trabalho; e Vida, Natureza e Espiritualidade.

Também participaram do Futura Trends 2020 Boaventura de Sousa Santos, professor catedrático jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra; Rivadávia Drummond de Alvarenga Neto, professor Departamento de Gestão e Empreendedorismo da Arizona State University, e Domenico De Masi, professor de Sociologia e das Profissões na Universidade de la Sapienza.

O evento, que teve quatro dias de duração, foi totalmente on-line neste ano, por conta da pandemia de Covid-19. O seminário, realizado pela Fundação Demócrito Rocha (FDR), tem promoção do O POVO e coordenação do jornalista Nazareno Albuquerque.

O que você achou desse conteúdo?