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Denúncias de racismo no Ceará tiveram aumento de 259% em 2022
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Denúncias de racismo no Ceará tiveram aumento de 259% em 2022

Neste ano, o Estado registrou 79 ocorrências de janeiro a junho. Em comparação ao mesmo período no ano passado, o número foi de 22 denúncias de preconceito racial. O registro é a primeira alta em cinco anos
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Dados mostram que, de 2017 a 2022, este ano ocorreu a primeira alta em cinco anos sobre as denúncias dos crimes (Foto: Getty Images)
Foto: Getty Images Dados mostram que, de 2017 a 2022, este ano ocorreu a primeira alta em cinco anos sobre as denúncias dos crimes

Em 2022, o Ceará registrou aumento de 259% em denúncias de casos de racismo de janeiro a junho, com 79 ocorrências registradas. No mesmo período no ano passado, as ocorrências foram de 22. Mais de três vezes e meia, comparando os dois períodos. As informações foram divulgadas pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), por meio da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), ao O POVO, nessa quarta-feira, 3.

Ainda segundo o levantamento da pasta, um total de 111 denúncias de racismo foram registradas pela Polícia Civil do Ceará (PC-CE) em 2021 e 32 ocorrências em todo ano de 2020. Já em 2019, foram 30 denúncias de preconceito racial também no período de 12 meses. Em 2018, a quantidade foi de 25 denúncias e, em 2017, o total de 37. Os dados mostram que, de 2017 a 2022, este ano ocorreu a primeira alta em cinco anos sobre as denúncias dos crimes.

De acordo com Raquel Andrade, presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Ceará (OAB-CE), apesar do aumento de denúncias, é preciso ficar em alerta porque os dados não tratam do número geral de casos de racismo, ou seja, um alerta para as subnotificações.

“A gente tem a noção de que crimes que envolvem prática de racismo, como a injúria racial e o crime de racismo em si, podem ser considerados como os crimes com o maior número de subnotificação. Ela é um elemento fundamental e que precisa ser analisado se tratando de casos de racismo”, comenta Raquel.

Sobre o cenário, Raquel analisa o porquê de não haver, na maioria dos casos, um registro formal sobre o crime. “As pessoas negras não possuem um acolhimento coletivo. A sociedade não acolhe e não apoia as pessoas negras que estão em situação de violência racial. O que se tem é uma tendência a amenizar as condutas de agressão racial, como por exemplo: “você entendeu errado, não é bem isso”. Isso ocorre para não incentivar e encorajar as pessoas negras a irem à delegacia e a tratar a prática como crime,” explica.

Para exemplificar a situação, a presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial aponta dados do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) em que, em 2021, foram registradas apenas 23 ocorrências de processos de racismo no órgão. “Em todo o ano no Estado, de 10 milhões de habitantes, nós tivemos apenas 23 casos? É uma problemática extremamente grave essa da subnotificação, que é um reflexo de como a sociedade tende a amenizar e não acolher pessoas negras em situação de violência racial”, pontua.

Casos

No Ceará, em outubro de 2021, a delegada Ana Paula Barroso, diretora adjunta do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPGV) da Polícia Civil do Ceará, denunciou que foi alvo de racismo na loja Zara, do shopping Iguatemi, em Fortaleza.

O crime foi registrado no dia 19 de outubro do ano passado após relato da vítima de ter sido barrada na entrada do estabelecimento pelo gerente do local “por questões de segurança”. O suspeito do caso, Bruno Felipe Simões Antônio, envolvendo a delegada, virou réu do processo, em dezembro de 2021, pela Justiça do Ceará. O processo está em tramitação no poder judiciário.

Outro caso mais recente ocorreu no último sábado, 30. As crianças Titi e Bless, filhos dos atores Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso, sofreram racismo em um restaurante na Costa da Caparica, em uma praia de Portugal. Um vídeo mostra o momento em que Giovanna confronta a racista. As imagens foram compartilhadas nas redes sociais. A mulher, suspeita de cometer o crime, foi presa em seguida.

Segundo Raquel, o debate sobre racismo aumenta sempre após casos que viralizam na mídia, e que isso deve ir mais além dessa repercussão e ser inserido no cotidiano da sociedade, por meio de iniciativa coletiva, como forma de combater o crime através de informação.

“A construção de narrativas em fatos relevantes sobre o racismo. É a gente não falar de igualdade racial ou consciência negra só em novembro ou da gente não falar sobre as soluções em relação a esse problema só quando ocorrem grandes casos, por exemplo”, destaca.

Além dos dados da pasta de segurança estadual, outra alta nos registros de denúncias de racismo no Ceará chama atenção. Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que em 2020, foram registrados 45 casos de racismo no Ceará. Em 2021, o número saltou para 283, representando uma alta de 525,2% dos casos em um ano.

Combate

O principal meio de combate ao racismo, conforme Raquel, é por meio da educação antirracista, além da importância da inclusão de pessoas negras nos espaços de poder. Como exemplo, a presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB-CE, cita a importância de as empresas investirem em iniciativas antirracistas dentro das corporações.

O Governo do Ceará enviou, em junho deste ano, um projeto de lei à Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE) sobre a criação da Delegacia de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou de Orientação Sexual (Decrim).

No último dia 7 de julho, a Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) da Assembleia aprovou o projeto no âmbito da Polícia Civil do Ceará, que encontra-se em tramitação. O equipamento deve atender casos de discriminação religiosa, racial ou da população LGBTQIA+.

De acordo com a SSPDS, desde maio de 2021, as denúncias de racismo passaram a ser registradas também no formato virtual, por meio da Delegacia Eletrônica (Deletron), da Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE), que também mantém campos específicos para registros de homofobia e transfobia. Os crimes podem ser registrados em qualquer delegacia da Polícia Civil do Ceará.

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