O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) começou a dar os primeiros andamentos formais na investigação sobre possíveis irregularidades processuais no caso da guarda de uma criança de Fortaleza, que ficou aos cuidados exclusivos do pai mesmo ele sendo réu por estupro do próprio menino.
O POVO apurou que, na penúltima semana de outubro, o órgão de transparência e controle do Judiciário enviou as notificações a varas de Justiça e magistrados e ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), por meio da Corregedoria Geral do Poder Judiciário. Cobra explicações e fundamentos ao teor de decisões, consideradas controversas e polêmicas. Quem foi notificado deve responder no prazo de cinco dias, contados da data do recebimento.
Em Pedido de Providências instaurado dia 16 de outubro último, o CNJ apura a ação de magistrados que atuaram no caso em possível favorecimento ao pai do garoto. A provocação teria partido da defesa da mãe, que demandou o CNJ e a Corregedoria do TJCE, em 4 e 19 de setembro, respectivamente, solicitando medidas e acusando o suposto privilégio à parte contrária.
Na nota enviada ao O POVO, o CNJ confirma que “a investigação tem o objetivo de analisar as ações dos magistrados que atuaram no caso em que o pai – responsável legal pelo menino – é acusado de agredir a criança sexualmente. Há indícios de favorecimento por membros da Justiça ao pai, que é aposentado da Polícia Militar e tem vários parentes que trabalham no Poder Judiciário”.A defesa do pai nega as suposições de favorecimento.
O CNJ e a Corregedoria querem levantar se o suposto benefício indevido teria acontecido em decisões assinadas diretamente pelos juízes ou se teriam articulado nos bastidores para influenciar nos processos. Ainda não haveria definição quanto a servidores serem incluídos em sindicâncias administrativas. Mais três outros juízes e dois promotores se declararam suspeitos para atuação no caso, o que também foi considerado pelo Conselho.
"Não há prazo determinado para a apresentação de relatório, uma vez que o processo está em fase de instrução. Além disso, no momento, não é possível repassar mais detalhes sobre o caso", completou o CNJ.
A disputa judicial pelo menino, em Fortaleza, já passou pela 3ª Vara da Família, 9ª e 12ª Varas Criminais, 7º e 20º Juizados Especiais. E, quando a mãe se mudou para Parnamirim, no Rio Grande do Norte, onde morou por cerca de dois anos com a criança, a vara da infância local também entrou no caso e concedeu guarda para a mãe. Pelo menos três juízes precisaram ser convocados como substitutos para assumirem decisões dos que desistiram.
Um dos processos também já teve trâmite no gabinete do desembargador Carlos Augusto Gomes Correia, que concedeu liminar cassando o poder familiar da mãe. No próximo dia 8 de novembro, o caso estará na pauta da 1ª Câmara de Direito Privado do TJCE. O colegiado analisará agravo de instrumento para rever ou confirmar a decisão monocrática do desembargador Correia. A mãe pode voltar a ter contato presencial com a criança, hoje proibido até virtualmente.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também analisará o conflito de competência por causa de decisões semelhantes (guarda da criança) tomadas pelas varas de Fortaleza e Parnamirim. Ainda não há data agendada. O POVO também apurou que haveria um parecer da Procuradoria Geral da República (PGR), em Brasília, favorável a que o STJ indicasse a condução do caso por Parnamirim, mas a informação não foi confirmada pela assessoria da PGR.
O POVO não conseguiu confirmar o nome de magistrados notificados. Há sigilo na condução das providências, assim como em todo o processo da guarda da criança. Mas uma das situações, confirmadas na nota do CNJ, está relacionada "ao processo que tramita no 20º Juizado Especial, relativo à acusação de subtração de incapaz impetrado contra a mãe da criança". Pelo menos uma das varas já teria enviado relatório de retorno ao CNJ.
O caso é cheio de complexidades, com processos que correm tanto na esfera cível como criminal. Não é mais tão somente a mãe e o pai em litígio para se saber quem cuidará do filho. Pelas suspeitas, foi além da esfera familiar, saltou para redes sociais (inclusive com vazamento de dados sigilosos) e noticiário, até chegar ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Entidades de direitos humanos e de atenção aos direitos da infância passaram a monitorar cada novo episódio dos fatos.
Hoje estaria causando forte incômodo na cúpula da Corte estadual. Em nota ao O POVO, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) informa que “os processos envolvendo as partes tramitam em segredo de Justiça. Por essa razão, não podem ser repassadas informações”. Acrescenta que “está tomando as medidas cabíveis, por meio da Corregedoria-Geral da Justiça do Ceará, para apurar os fatos envolvendo os processos em tramitação, seja na esfera cível ou criminal, inclusive, já foram feitas intimações para os interessados”.
A mãe, que é advogada, hoje está impedida de ter qualquer contato com a criança, inclusive por meio eletrônico. No dia 6 de julho, foi cumprida ordem de busca e apreensão em Parnamirim e o menino foi retirado dela. No último dia 20, a 12ª Vara Criminal ordenou que a avó materna assumisse a tutela do menino.
Essa decisão deveria ter sido cumprida em 72 horas, mas o pai só entregou o menino no dia 27 de outubro — oficial de justiça chegou a cogitar arrombamento e força policial num endereços do pai. Na guerra de versões, os advogados do lado do pai acusam a mãe de forjar provas e induzir a criança em áudios e vídeos que descrevem como teriam sido os supostos abusos. A defesa da mãe aponta que as informações são lançadas para tumultuar o processo e que despachos e decisões foram sempre mais céleres a favor do pai.
O casal se separou em dezembro de 2018 após um episódio de violência doméstica denunciado pela mãe. Além da briga entre pai e mãe pela guarda da criança e do abuso sexual supostamente cometido pelo pai, são descritas a subtração de incapaz, violência doméstica, desobediência à ordem judicial, medidas protetivas contra o pai e perda de poder familiar da mãe.
O menino já esteve em guarda alternada ou guarda exclusiva tanto com o pai quanto com a mãe. A situação atual: nesta quinta-feira, 2, completa uma semana que o menino está com a avó materna. O pai poderá visitá-lo em sábados alternados, monitorado por uma pessoa de parte da mãe e outra de sua confiança. A mãe, ainda não.