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Bacharelado em Psicanálise gera reação de profissionais
Ciência e Saúde

Bacharelado em Psicanálise gera reação de profissionais

Comunidade psicanalítica afirma que a graduação foi criada sem diálogo com as instituições históricas da área
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Encontro do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras  (Foto: Reprodução Instagram / @movimentoarticulacao)
Foto: Reprodução Instagram / @movimentoarticulacao Encontro do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras

Incompreendida desde seu princípio e taxada, em vários momentos, como pseudociência, a Psicanálise permanece como alvo de discussões e modismos. Recentemente, a polêmica no Brasil passou a ser a formação dos psicanalistas, gerando um movimento de resistência de escolas de formação contra a criação de bacharelados.

A oferta de cursos de graduação para a formação em Psicanálise gerou uma reação em cadeia. O primeiro curso superior nessa modalidade foi aprovado e lançado pelo Ministério da Educação (MEC) no Brasil em 2021, pela Uninter. Antes disso, a formação em Psicanálise no Brasil era oferecida apenas como curso livre ou especialização de pós-graduação.

Atualmente, algumas instituições já disponibilizam a graduação, que tem duração de quatro anos e uma grade curricular de 3.200 horas na modalidade de Educação a Distância (EAD). A iniciativa é vista com surpresa e fortes críticas por entidades psicanalíticas tradicionais. A principal razão da polêmica é a total divergência com o modelo de formação psicanalítica consolidado há mais de um século.

Tradicionalmente, o caminho para se tornar um psicanalista não passa por uma graduação específica, mas sim por um tripé rigoroso, conduzido exclusivamente por sociedades de Psicanálise. A trajetória consiste em três pilares: análise pessoal, estudo teórico e supervisão clínica.

O psicanalista e professor titular em Psicanálise e Psicopatologia do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de São Paulo, Christian Dunker, explica que a medida desconsidera toda uma tradição e foi criada sem diálogo com as instituições históricas da área. "É um curso que não oferece atendimento clínico, supervisão, nem condições para verificar algo essencial. É uma graduação que está passando por cima de um consenso estabelecido no Brasil e no mundo há mais de 100 anos. Em todos os lugares, a Psicanálise, enquanto prática, acontece depois de uma faculdade, em algo chamado training, que é o equivalente a uma residência", afirma.

CHRISTIAN Dunker é psicanalista e professor titular em Psicanálise e Psicopatologia da Universidade de São Paulo(Foto: Gabriel Reis/Valor)
Foto: Gabriel Reis/Valor CHRISTIAN Dunker é psicanalista e professor titular em Psicanálise e Psicopatologia da Universidade de São Paulo

Christian explica que a Psicanálise é um método de tratamento do sofrimento psíquico, uma forma de investigar processos psíquicos sob condições específicas, e que ela está presente nas universidades há muito tempo, em cursos como Psicologia, Medicina, Sociologia, Ciências Humanas, Letras, Nutrição e Fonoaudiologia.

"Essa presença ocorre em dois níveis: na graduação e na pós-graduação, que formam pesquisadores, e existem também as especializações. Todas essas inserções não são habilitantes, ou seja, elas não promovem nem autorizam que a pessoa trabalhe como psicanalista. O que valorizamos, e que faz parte da história da disciplina, é que a formação possa vir de diversas áreas, não substituindo o que é uma especialização por uma graduação", justifica.

Christian Dunker explica que o novo movimento vem de uma história de tentativas de regulamentar a psicanálise, já que ela não tem um órgão como o Conselho Federal de Psicologia; ou seja, ela é controlada pelas escolas de psicanálise. "Há mais de 30 anos, essas escolas se reúnem para se posicionar contra iniciativas como a da psicanálise ortodoxa, de citação cristã evangélica, que queria se propor em um projeto de lei como a instância que iria gerir a prática psicanalítica. Hoje, já existem cursos de bacharelado em psicanálise funcionando de forma experimental e precária", comenta.

O psicanalista afirma que o futuro dos bacharelados em psicanálise ainda segue em debate. Uma comissão do MEC, após a realização de audiências públicas, irá decidir o destino dos cursos, que podem ser extintos, transformados em especializações (pós-graduação) ou mantidos como graduação. A decisão é aguardada.

 

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