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Brasil: um país negro e indígena com uma saúde pública branca
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Ciência e Saúde

Brasil: um país negro e indígena com uma saúde pública branca

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Bruno de Castro
Pesquisador de questões raciais, antropólogo e aluno do doutorado em Comunicação da UFC
bruno.castro.jornalismo@gmail.com  (Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal Bruno de Castro Pesquisador de questões raciais, antropólogo e aluno do doutorado em Comunicação da UFC bruno.castro.jornalismo@gmail.com

Um dos maiores intelectuais da história, o norte-americano James Baldwin certa vez disse: “ser negro e minimamente consciente é viver o tempo todo com raiva”. Trocando em miúdos: não ser branco é ter a saúde mental compulsoriamente posta à prova porque o racismo nos ataca o tempo todo. De uma simples ida ao supermercado, quando o segurança nos segue por achar que oferecemos perigo, a relacionamentos afetivos, quando quase sempre somos o(a) outro(a), o preconceito racial sempre nos alcança.

Mas ele não coloca apenas o psicológico da pessoa preta e parda em sofrimento. Também deixa a gente mais suscetível a sofrer um Acidente Vascular Cerebral, que é uma das principais causas de internação do Brasil. Estudos comprovam que a constância do stress do preconceito racial - que só pode ser sentido por pessoas não brancas - nos expõe ao risco de uma invalidez permanente ou mesmo ao óbito.

Além disso, no Brasil que mata um jovem negro a cada 23 minutos, o racismo tem impacto objetivo sobre a saúde pública. Sim, morrer mobiliza recursos (financeiros e humanos) dos governos neste setor. E este genocídio, muitas vezes causado pelo próprio Estado e evitável, custa caro quando sequestra recursos que poderiam ser destinados à Política Nacional de Saúde Integram da População Negra, instituída em 2009. Política essa, inclusive, que precisa ser observada pelos profissionais do SUS.

Muitos a desconhecem ou ignoram ao desconsiderarem que a mortalidade materna ocorre mais entre pessoas negras que gestam. São elas também que têm mais casos de eclampsia, doença falciforme e câncer de colo do útero. E é a população negra em geral que mais registra pacientes diabéticos e hipertensos. Entre as pessoas com próstata, são as negras as que mais recebem diagnóstico de câncer.

Se é a raça o fator determinante para a ocorrência dessas (e de tantas outras) enfermidades, a abordagem na saúde tem o dever de considerar isso. Não se pode tratar a questão racial como penduricalho. Ela precisa estar na base de qualquer política pública e chegar na ponta, onde o profissional está, para que se transforme em procedimento quando pessoas negras forem atendidas, bem em fluxo na gestão dos casos.

A raça precisa subir mais do que a rampa do Palácio do Planalto ao lado de um presidente. Deve estar na rotina de qualquer equipamento de saúde. Se o Brasil é um país de maioria negra e indígena, como pode ser aceitável tratarmos todos(as) os(as) pacientes tendo como referência o que se passa no organismo de uma pessoa branca? Essa conta não apenas não fecha. Ela mata.

*Bruno de Castro
Pesquisador de questões raciais, antropólogo e aluno do doutorado em Comunicação da UFC

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