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O suporte da arteterapia para vencer as dificuldades
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Ciência e Saúde

O suporte da arteterapia para vencer as dificuldades

Artistas relatam como o racismo, a violência e a falta de oportunidades impactam na saúde mental
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PRODUTORES culturais na Associação João Pedro, no Grande Pirambu (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal PRODUTORES culturais na Associação João Pedro, no Grande Pirambu

Para essa reportagem, O POVO visitou a Associação João Pedro, no Grande Pirambu, onde entrevistou produtores culturais negros de diversas idades. Eles, que vivem na maior favela de Fortaleza e relatam sobre a saúde mental e como a cultura e a coletividade vêm os mantendo resistentes à realidade que vivem.

Eles comentam que o bairro é retratado na mídia apenas como um lugar marcado pela violência e pela marginalidade, mas é do Grande Pirambu que diversos artistas saem, seja da moda, da música, do teatro, do audiovisual ou da dança.

O multiartista da cultura popular Roberto Vieira, de 35 anos, conhecido como Myster Sheyd, desde criança vivenciou questões de racismo e território.

"Aonde chego, apesar de já ser preto e periférico, o fato de ser do Pirambu faz com que a galera tenha um certo receio, e isso nos afeta", revela.

Ele comenta sobre um amigo que teve acesso a um curso gerido pelo Estado, mas teria que se deslocar para outro território, rival do seu. "O próprio equipamento, que deveria facilitar nossa educação, permanência e noção de pertencimento, acaba dificultando o acesso. Isso resvala na questão do desemprego, na falta de grana e, claro, na saúde mental", pontua.

Sobre o acesso a acompanhamento psiquiátrico, Xexéu, de 22 anos, fala que teve oportunidade de ter isso na infância devido a uma fundação, na qual tinha acompanhamento e fazia terapia através da pintura.

"A criança cresce em um ambiente com mazelas sociais e falta de saneamento, associadas à pobreza e à violência, o que a torna agitada. O contato com a arteterapia foi fundamental. Como eu não sabia expressar muito bem o que sentia, era mais fácil expressar numa tela", diz.

Sobre suicídio, eles afirmam que nunca foi nada concreto na vida deles, mas que, sim, pensamentos intrusivos de não pertencimento e não existência já foram algo constante.

"Acabamos tão viciados em fugir que entramos em um labirinto do qual não conseguimos sair. A cultura e minha família me salvaram e me salvam até hoje", diz Davi Lobo, conhecido como Lobin, de 26 anos.

Rute Jaguar, de 21 anos e fotógrafa, comenta sobre a dor da mulher negra, que desde cedo é colocada num lugar subjugado e sexualizado.

Precisei fazer terapia por quatro anos para recuperar a infância que havia perdido. Entendo que homens negros têm suas dores, mas a estrutura sistêmica e patriarcal sempre coloca uma mina preta em um lugar mais baixo, com a voz reduzida".

Nayma Lima, multiartista de 22 anos, comenta sobre a importância da cultura e do lazer no território, e que para trabalhar nesse incentivo sempre precisou conciliar várias atividades e uma rotina exaustiva.

"Hoje em dia corro menos porque minha saúde ficou debilitada. Eu amo e sempre vou trabalhar na cultura, mas a falta de incentivo ao nosso trabalho é marcante. Os lugares que ocupei tinham sempre uma tensão no ar de um espaço que não acolhe bem", revela.

O ator Iago Xavier, conhecido como Mazé, lembra que o processo de saúde mental exige uma rede de apoio, e sem esse espaço de coletividade é mais fácil se perder no processo.

"Com essa rede, você mantém os pés no chão e vê que não é uma experiência individual. O caminho é o que estamos fazendo aqui: estar juntos", diz. (Rafael Santana/Especial para O POVO).

 

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