Logo O POVO+
Politização da vacina: o símbolo de um país polarizado
DOM

Politização da vacina: o símbolo de um país polarizado

A busca por imunizantes supera a discussão científica, encontrando na política questionamentos que vão além da saúde pública
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Vacina contra covid-19
 (Foto: RUSSELL CHEYNE/AFP)
Foto: RUSSELL CHEYNE/AFP Vacina contra covid-19

O ano de 2021 traz consigo a esperança de dias melhores com a perspectiva da chegada das vacinas de combate à Covid-19. Entretanto, em um Brasil marcado nos últimos anos por uma polarização exacerbada, o assunto é motivo de discussão não só no âmbito científico, mas também na esfera política.

O presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) por diversas vezes bateu de frente com o atual governador de São Paulo, João Dória (PSDB), por divergências sobre a eficácia e a segurança da vacina adquirida pela gestão paulista. A discordância entre os dois pode ser vista também como uma prévia da disputa eleitoral que se aproxima em 2022 para o Planalto.

"Se a vacinação está sendo utilizada de forma equivocada, como uma estratégia para conseguir votos para as próximas eleições presidenciais, me parece que o caminho do Dória vai ser mais positivo. O presidente perde muito mais do que ganha. É triste a gente ver a vacinação, em pleno ano de 2021, ser colocada em xeque por uma questão de radicalização e polarização política", diz a doutora em Direito e professora de Ciência Política, Tainah Sales.

Em 2020, o governador de São Paulo parecia ter largado na frente quando, ainda em junho, fechou o acordo do Instituto Butantan com o laboratório chinês Sinovac Biotech, para iniciar os estudos clínicos de uma possível vacina. A CoronaVac.

Entretanto, os trâmites para regularização do imunizante no país acabaram freando a velocidade do processo. É o que explica Monalisa Soares, pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da UFC (Lepem-UFC) e professora do Departamento de Ciências Sociais da mesma instituição. 

"No ano passado existia uma situação em que se vislumbrava mais (o protagonismo do Dória), na medida em que tinha um tensionamento com o presidente, na qual o governador encampava mais essa operação, por meio da parceria que o Butantan já havia estabelecido com a agência chinesa. Mas, considerando a situação atual da vacina, essa dianteira e protagonismo que o governador tinha apresentado foi colocada em xeque".

Na última quinta-feira, 7, o Governo de São Paulo anunciou que a CoronaVac apresentou 78% de eficácia nos testes clínicos feitos no Brasil. Além de garantir 100% de proteção contra mortes e casos graves da doença. A expectativa é de que a vacinação tenha início no próximo dia 25 no Estado.

Do outro lado da balança política está o Governo Federal, representado por Bolsonaro. Em outubro, ele afirmou que não compraria "vacina da China" após o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ter dito no dia anterior que a União iria investir em 46 milhões de doses da CoronaVac.

O frequente negacionismo de Bolsonaro e a politização da vacina condiz com a postura adotada por ele ao longo de seu governo, é o que explica Monalisa.

O presidente Jair Bolsonaro durante solenidade no Palácio do Planalto
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O presidente Jair Bolsonaro durante solenidade no Palácio do Planalto

"O presidente age de forma negacionista quanto a temas que parecem óbvios, muito a partir de seu perfil de liderança que tem uma caraterística alinhadas a um perfil de populistas de extrema direita. Ele é o populista, dentro do cenário da pandemia, que mais tem se acomodado nesse papel com extremo alinhamento. Outros recuaram ou se acomodaram, tentaram fazer alguma negociação. Mas Bolsonaro não".

Para Soares, as atitudes do presidente não divergem do que a sua base eleitoral consolidada espera. "Ele faz isso porque há uma ressonância dessa sua postura, ela ecoa e tem algum tipo de ressoar nos seus apoiadores. Então, as ações do presidente não são completamente desconectadas dentro da sua perfomance", completa.

Em uma projeção para 2022, Tainah avalia que o comportamento de Bolsonaro pode ser um obstáculo na tentativa de angariar votos que vão além da sua base.

O governador de São Paulo, João Doria (C), o secretário de Saúde do estado de São Paulo, Dr. Jean Gorinchteyn (L), e o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas (R), posam para fotos ao lado de um contêiner com doses da vacina CoronaVac após o seu descarregamento. avião cargueiro que chegou da China ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, em Guarulhos, próximo a São Paulo, Brasil, em 03 de dezembro de 2020. - O Brasil recebeu nesta quinta-feira o segundo lote com 600 litros da vacina CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech. (Foto de NELSON ALMEIDA / AFP)
Foto: NELSON ALMEIDA / AFP
O governador de São Paulo, João Doria (C), o secretário de Saúde do estado de São Paulo, Dr. Jean Gorinchteyn (L), e o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas (R), posam para fotos ao lado de um contêiner com doses da vacina CoronaVac após o seu descarregamento. avião cargueiro que chegou da China ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, em Guarulhos, próximo a São Paulo, Brasil, em 03 de dezembro de 2020. - O Brasil recebeu nesta quinta-feira o segundo lote com 600 litros da vacina CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech. (Foto de NELSON ALMEIDA / AFP)

"Vemos a vacina sendo utilizada no Brasil, claramente, como uma barganha política com a briga entre Dória e o presidente. Me parece que se ele continuar nesse discurso antivacina seguirá um caminho bastante perigoso em termos de estratégia política para as eleições de 2022", aponta.

Monalisa afirma que as implicações negativas no Governo vão além da vacina em si. Para ela, "quanto mais tempo a pandemia durar, sendo a vacinação algo muito importante para atenuar os efeitos e diminuir a incidência dela no país, isso pode influenciar os setores da educação e da economia", um conjunto que pode gerar grande pressão sobre o Governo.

O que você achou desse conteúdo?