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"A moradia é central para vencer pandemias", diz geógrafa cearense premiada
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"A moradia é central para vencer pandemias", diz geógrafa cearense premiada

Sharon Dias desenvolveu projeto que discute a relação entre a insegurança de moradia de comunidades pobres e conjuntos habitacionais com a pandemia da Covid-19
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Sharon Dias é cearense e mora no Canadá, onde faz parte de seu doutorado na Universidade de Victoria (Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Sharon Dias é cearense e mora no Canadá, onde faz parte de seu doutorado na Universidade de Victoria

Pesquisando moradia desde 2018, a geógrafa cearense Sharon Dias, 33, não sabia que seu trabalho tomaria um novo e desconhecido rumo, quando a pandemia do novo coronavírus estourou no mundo em 2020. Doutoranda na Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro e na Universidade de Victoria, no Canadá, a fortalezense nascida e criada em um conjunto habitacional no Acaracuzinho, em Maracanaú, sentiu a necessidade de reformular sua pesquisa e discutir a relação entre pandemia e habitaçaõ em comunidades mais pobres. "A moradia é central para que a gente possa vencer pandemias", defende ela.

Em entrevista ao O POVO, a pesquisadora, que no último dia 5 de janeiro de 2021 foi a única brasileira a ter sua pesquisa de doutorado premiada pela International Development Research Center (IDRC), com o trabalho relacionando a Covid-19 e a moradia, fala sobre os desafios impostos pelo contexto pandêmico e sobre a importância de se levantar esse debate. O projeto de Sharon é intitulado de "Insegurança à moradia e direitos à moradia de minorias em tempos de financeirização e Covid-19: Lições de comunidades pobres do Nordeste do Brasil".

O POVO - Como foi receber o prêmio pelo International Development Research Center e ter o seu trabalho reconhecido a nível internacional?

Sharon Dias - Sobre o prêmio, ele é de pesquisa para estudantes de doutorado afiliados a universidades no Canadá, mas que podem ser de nacionalidades internacionais, como é o meu caso. Eu sou brasileira e é um instituto que apoia pesquisa em países em desenvolvimento. Então eu fiquei muito feliz com a indicação para receber o prêmio de pesquisa, que é voltado para financiar a coleta de dados, no meu caso, sobre a relação entre habitação e Covid, com foco nas comunidades que estão em situação de precariedade habitacional, conjuntos habitacionais e mulheres. Eu tive a notícia que o meu projeto foi finalmente aprovado, no dia 5 de janeiro e em 12 de janeiro eu tive a confirmação que vamos assinar o contrato em breve. E aí o prêmio vai ser disponibilizado pra mim diretamente para que eu possa fazer a pesquisa. Não teve uma cerimônia ou algo do tipo, mas você vai ver que meu nome já está lá no site do IDTR. É o reconhecimento de trabalhos, não só meu, mas de outros doutorandos que trabalham com pesquisa em países de desenvolvimento. É um prêmio que nós precisamos pra dar continuidade à pesquisa e realizar articulações comunitárias para também inspirar outros jovens pesquisadores que, como eu, estudaram em escola pública, que também tiveram algumas dificuldades na vida, mas muito apoio da família.

OP - É um momento importante para a pesquisa, né?

Dias - Então, é um reconhecimento muito importante que também coloca, eu acho o Ceará, o Nordeste e o Brasil, num outro patamar, porque a minha pesquisa não vai só trabalhar em identificar a relação e os impactos entre precariedade habitacional e a pandemia do coronavírus. Ela busca também as soluções de base comunitária que são importantes para serem reconhecidas como lição que a academia, que o conhecimento científico deve tirar para a formulação de políticas públicas para promover governança inclusiva e projetos comunitários de acordo com as realidades específicas de cada comunidade. Eu fico muito feliz com esse reconhecimento para a Sharon pesquisadora e geógrafa, mas também com esse reconhecimento da criatividade. Tem também os conhecimentos que nós vamos ter contato a partir do cotidiano das comunidades, das mulheres, chefes de família e de pessoas que vivem em situações de precariedade habitacional. São grupos que nós precisamos ouvir para poder formular e desenvolver a ciência e poder formular soluções para problemas de uma forma participativa.

OP - Como surgiu a ideia desse projeto?

Dias - Eu venho trabalhando no projeto desde 2018 quando eu terminei o meu primeiro ano na Universidade Federal Fluminense, no doutorado, e vim para o Canadá começar a cotutela com a Universidade de Victoria, onde eu também sou afiliada. Inicialmente, antes do contexto da pandemia, o meu projeto de pesquisa visava trabalhar com a experiência cotidiana de famílias em situação de precariedade habitacional e famílias em conjuntos habitacionais e como nós poderíamos melhorar novas políticas habitacionais, desenvolver programas habitacionais e comunitários a partir de suas vivências. Ano passado, quando nós fomos afetados pela pandemia, o meu projeto ele ganhou um novo caráter, ele incorporou também o olhar para essa relação entre moradia e pandemia, porque a moradia é fundamental para a saúde. Ela é onde, por exemplo, nós precisamos fazer o isolamento no contexto da pandemia, ela é onde nós lavamos as mãos, lavamos as roupas. E aí eu falo nisso no contexto assim, bem do cotidiano, né? Quando a gente precisa entrar em lockdown, a moradia de novo, ela é central, né? Vamos dizer assim, a moradia é central para que a gente possa vencer pandemias. Então, o meu projeto foi inteiramente reformulado para poder abraçar a temática dos impactos da pandemia nas comunidades. E a partir daí, em maio 2020 eu enviei meu projeto para esse edital e aí, fui premiada e agora em fevereiro nós vamos começar os processos de coleta de dados, formulação de banco de dados, entrevistas, disseminação de conteúdo etc.

OP - Detalha como a pandemia impactou a sua pesquisa e quais foram os principais desafios do processo.

Dias - A pandemia teve impacto muito grande na minha pesquisa, inicialmente porque a minha pesquisa não previa trabalhar com esse contexto. Estávamos todos vivendo nossa vida normalmente e houve uma paralisação mesmo dos trabalhos para que a gente pudesse se adaptar ao contexto da pandemia, produzir novos conhecimentos, realizar novas leituras, levantar novos dados, realizar o autocuidado de nós mesmos e das nossas famílias. Quando eu falo nós, eu falo como Sharon, mas também como pesquisadora, que faz parte de grupos de pesquisa. E nós tivemos que reformular completamente a metodologia do projeto agora para trabalhar de uma forma híbrida. Como ainda estamos sendo orientados a evitar viagens e viagens internacionais, a primeira etapa do projeto vai se dar de uma forma virtual, com coleta de dados estatísticos, articulação comunitária, mas tudo de uma forma virtual. E aí, à medida que o contexto da pandemia permitir, eu pretendo voltar ao Ceará, né? Quero também visitar a minha família para poder fazer coleta de dados em campo, mas no momento nós estamos focando em todas as possibilidades tecnológicas para fazer uma coleta virtual e evitar cada vez mais o contato com pessoas, porque ainda estamos no contexto pandêmico. E, claro, estou otimista com a possibilidade da vacina e que o quadro epidêmico melhore no decorrer de 2021 para que a pesquisa possa fluir no seu melhor. Um dos principais desafios foi adaptar toda a metodologia da pesquisa pra poder atender a questões éticas, né? Questões de seguir os protocolos internacionais com relação à pandemia e também receber financiamento, buscar o financiamento, né? Uma das motivações também de concorrer a esse prêmio internacional foi que a gente conseguisse financiamento pra realizar uma pesquisa sobre um assunto tão importante em um contexto tão difícil.

OP - Quais são os próximos passos da pesquisa?

Dias - Os próximos passos da pesquisa começam ainda nesse mês de janeiro. Estou fazendo articulações comunitárias e acadêmicas com possíveis parceiros e esperando a aprovação aqui na Universidade de Victoria, no Canadá. Então, a partir da aprovação do comitê de ética nós vamos, a partir de, possivelmente, fevereiro e março, começar o início de coleta de dados estatísticos a partir de uma plataforma virtual, onde as pessoas podem acessar e responder questionários, mandar informações, trocar informações e pedir dados sobre a pesquisa. E aí também nós vamos depois realizar entrevistas com representantes de comunidades, bairros, conjuntos habitacionais, do poder público e organizações não governamentais que de alguma forma interagem com o tema moradia e coronavírus. Um passo da pesquisa que vai ser tomado mais adiante é a publicação de conhecimento, de uma forma didática, para que todo mundo tenha acesso de uma forma mais específica, científica, como por exemplo a livros e artigos científicos. Vamos ter participações comunitárias para disseminar pesquisa e também para fazer coleta de dados qualitativos, entrevistas, grupos focais. Muito trabalho previsto para 2021, mas trabalho de uma forma positiva. Vou também atuar com estudantes de graduação, com bolsas de iniciação científica para estarem comigo na coleta de dados.

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