Logo O POVO+
As polícias e uma controversa alteração na ordem
DOM

As polícias e uma controversa alteração na ordem

Proposta de lei liga alerta de governadores sobre possibilidade de perda de autonomia sobre tropas estaduais. Politicamente, o fator Bolsonaro eletriza questão
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
pm (Foto: Ilustração: Carlus Campos)
Foto: Ilustração: Carlus Campos pm

O programa Roda Viva com o governador Camilo Santana (PT) esquentava naquele junho de 2020 e um dos tópicos explorados, era evidente, dizia respeito ao motim de fevereiro do ano passado no Ceará, mobilizado por parte das forças de segurança pública do Estado. Em especial por policiais militares, insatisfeitos com a tabela de salários que recém havia sido enviada à Assembleia Legislativa (AL-CE) pelo Executivo

Indagado algumas vezes pela bancada do programa, o petista denunciou o quanto pôde o processo de "partidarização da polícia", sublinhando que não anistiaria nenhum daqueles amotinados, o que disse considerar um erro de assembleias e do Congresso Nacional em episódios passados. 

Em dada altura, foi perguntado pelo jornalista Érico Firmo, do O POVO: "O senhor tem autoridade, hoje, sobre a Polícia do Ceará?" O petista respondeu: “Não tenho dúvida disso. Nós temos o comando da Polícia...”

O Ceará completa no próximo dia 18 de fevereiro um ano desde o início do amotinamento reivindicatório que transformou a rotina local por 13 dias.

É em meio ao simbolismo de quase um ano da data que deflagrou um movimento que atraiu holofotes nacionais e internacionais que, em Brasília, são dados os primeiros passos de uma movimentação que, via lei orgânica, pretende alterar a dinâmica de nomeações (ver infográfico) para os comandos da policias militares, dos corpos de bombeiros e da polícias civis. 

Definição de lista tríplice para que os governadores, só a partir disso, definam qual dos três escolhidos ocupará os cargos de comando. Este, por sua vez, seria destituído somente por meio de razões justificadas. Caso contrário, dois anos de mandato

No caso da Polícia Civil, o delegado-geral poderia ser nomeado pelo governador, cabendo a este último escolher entre os que estão em estágios mais altos na carreira. Contudo, para que haja dispensa, além da exposição de motivos, a escolha haveria ainda de ser submetida às assembleias legislativas, numa votação por maioria absoluta dos deputados.

A proposta de garantia de autonomias às tropas é, em evidentemente contrapartida, uma perda para os governadores no aspecto da autoridade constitucional que possuem sobre essas tropas, vinculadas aos Executivos estaduais.

É como se a pergunta feita ao governador cearense no Roda Viva, motivada por um fato específico, se voltasse para todos os outros governadores do País em forma de incerteza, no caso de a proposta prosperar.

Especialistas criticam

Para esta reportagem, O POVO ouviu dois pesquisadores em segurança pública que convergiram na análise de que as propostas comprometem a ascendência dos governadores sobre as tropas. A história recente mostra uma característica de insubordinação presente nos quartéis.

No Ceará, três motins foram levados a cabo: 1997, 2011-2012 e 2020. Há pelo menos 23 anos o Brasil todo assiste a eventos paredistas movidos pelas forças de segurança, numa mostra de que a relação delas com os Executivos é historicamente permeada de delicadezas.

"Eu acredito que a gente teria mais crises na relação das polícias com os governadores. É atribuição constitucional deles, da mesma forma que o presidente é o comandante em chefe das Forças Armadas, o governador é o estágio máximo das PMs", comenta Cleyton Monte, cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleição e Mídia (Lepem-UFC)

Para ele, que comenta outro ponto da proposta, criar nas PMs a patente dos generais resultaria numa tentativa de equiparação com as forças federais. Questionado se os quartéis virariam espaços de formação política, Monte responde que sim, pois, conforme indaga: "Quem o governador escolhe para comandar as tropas? Quem entende que tem lealdade ao governo."

"A partir do momento que você abre um processo de votação, o comandante é quem terá mais simpatia junto a tropa. Os comandantes eleitos dentro de uma lista tríplice já serão potenciais políticos, aquela figura com apoio dessa tropa já é potencial candidata a cargos públicos." 

Monte encerra com um questionamento: "A que tipo de Polícia a gente quer dar autonomia? No formato que a gente tem, sob controle, já é difícil. É a polícia que mais mata no mundo - e a que mais morre. Como você vai ter o controle dessas ações se o comandante-geral vai ter relações políticas?"

O papel de Bolsonaro

(Coribe - BA, 21/01/2021) Presidente da República Jair Bolsonaro, posa para fotografia com o policiais militares..Foto: Alan Santos/Presidência da República
Foto: Alan Santos/Presidência da República
(Coribe - BA, 21/01/2021) Presidente da República Jair Bolsonaro, posa para fotografia com o policiais militares..Foto: Alan Santos/Presidência da República

Pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em agosto de 2020 mostra que a adesão a Jair Bolsonaro (sem partido) nas fileiras das polícias militares é de 41%. Ciente disso, o presidente faz acenos a este segmento. Já no exercício do cargo, é comum que compareça a cerimônias de novos profissionais, num gesto de deferência.  

"Então, qualquer elemento que leve a diminuição do poder dos governadores em relação às polícias militares teoricamente vem favorecer o governo Bolsonaro, o próprio presidente Bolsonaro. Com relação a essa questão, eu duvido que o Supremo Tribunal Federal permita que essa mudança se consolide, porque ao que me parece, essa é uma questão constitucional", assinala o sociólogo Rodrigo Prando, cientista político pelo Universidade Mackenzie (SP).

O POVO tentou contato com o ex-secretário Nacional de Segurança Pública, General Theophilo. Ele foi titular da Senasp na gestão do ex-ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública). As ligações não foram atendidas.


O que você achou desse conteúdo?