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Ataques em Mariupol são crimes de guerra, diz relatório
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Ataques em Mariupol são crimes de guerra, diz relatório

| Guerra | Organização para Segurança e Cooperação na Europa conclui que ataques a maternidade e a teatro que servia de abrigo em Mariupol são "desumanidades"
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MULHER segura e beija uma criança ao lado de soldados russos em uma rua de Mariupol (Foto: ALEXANDER NEMENOV / AFP)
Foto: ALEXANDER NEMENOV / AFP MULHER segura e beija uma criança ao lado de soldados russos em uma rua de Mariupol

A Rússia violou o Direito Internacional humanitário ao atacar deliberadamente civis durante a invasão da Ucrânia, e os que ordenaram ataques a uma maternidade e ao teatro da cidade sitiada de Mariupol cometeram crimes de guerra. As afirmações constam do relatório publicado ontem da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).

O órgão de segurança com sede em Viena, criado para promover a democracia e os direitos humanos, acusou a Rússia de visar deliberadamente hospitais, escolas, prédios residenciais e instalações de água em suas operações militares, provocando mortes e ferimentos de civis.

A OSCE é a maior organização regional de segurança do mundo, abrangendo todos os Estados europeus, Rússia, países da Ásia Central, Mongólia, EUA e Canadá, num total de 57 membros, existindo ainda 13 "parceiros" da Ásia e do Mediterrâneo. Seus relatórios podem ser usados como base em processos por crimes de guerra.

"Tomado como um todo, o relatório documenta o catálogo de desumanidade cometido pelas forças da Rússia na Ucrânia", disse Michael Carpenter, embaixador dos EUA na OSCE. "Isso inclui evidências de ataques diretos a civis, a instalações médicas, estupros, execuções, saques e deportação forçada de civis para a Rússia."

O relatório conclui que o ataque aéreo que destruiu uma maternidade em Mariupol foi lançado pelos russos. "Com base nas explicações russas, o ataque deve ter sido deliberado", disse o texto.

"Nenhum aviso efetivo foi dado e nenhum limite de tempo foi estabelecido. Este ataque constitui, portanto, uma clara violação do direito internacional humanitário e os responsáveis por ele cometeram um crime de guerra", afirma o relatório.

Alegações

Embora o governo russo tenha alegado que o hospital era usado para fins militares, Carpenter disse que "a missão rejeitou categoricamente essas alegações". Os especialistas da OSCE não viajaram para a Ucrânia, mas selecionaram evidências de várias fontes, incluindo relatos de grupos de Direitos Humanos e sem fins lucrativos.

O relatório da OSCE também descobriu que o ataque ao Teatro de Mariupol, onde centenas de civis estavam abrigados, "foi uma violação flagrante do Direito Internacional humanitário" - os ucranianos dizem que cerca de 300 pessoas morreram no bombardeio.

No geral, a investigação encontrou "padrões claros de violações do Direito Internacional humanitário, mas não exclui a necessidade de obter mais detalhes, principalmente para estabelecer responsabilidade penal individual por crimes de guerra".

Autoridades ucranianas disseram que centenas de civis foram executados sumariamente em Bucha. Cadáveres com sinais de tortura, desmembramento e tiros à queima-roupa foram descobertos quando a Ucrânia recapturou o território.

O caso levou à suspensão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Moscou alegou que os assassinatos foram "encenados" ou "falsos".

Genocídio

Um dia depois de do presidente dos EUA Joe Biden acusar seu homólogo russo, Vladimir Putin, de "genocídio" na Ucrânia pela primeira vez, o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, também usou o termo se forma inédita.

"É absolutamente correto que cada vez mais gente fale e utilize a palavra genocídio em termos do que a Rússia está fazendo; do que Vladimir Putin fez", disse Trudeau a jornalistas em Quebec. "Temos visto esse desejo de atacar civis, de usar a violência sexual como arma de guerra. Isto é completamente inaceitável", completou.

O Departamento de Estado americano defendeu a acusação de Joe Biden de que a Rússia está cometendo um genocídio na Ucrânia, ao dizer que as forças russas buscam destruir o país e sua população civil.

"Vou prever que o que o presidente Biden chamou é, em última análise, o que provavelmente vamos encontrar quando conseguirmos reunir todas essas evidências", declarou Victoria Nuland, número três do Departamento de Estado, à CNN. "Porque o que está acontecendo no terreno não é um acidente", completou. "É uma decisão intencional da Rússia, de suas forças, de destruir a Ucrânia e sua população civil", emendou.

O Kremlin disse ontem que é "inaceitável" que Joe Biden acuse as forças russas de cometerem "genocídio" na Ucrânia. "Discordamos completamente e consideramos inaceitável qualquer tentativa de distorcer a situação dessa maneira", declarou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, à imprensa.

Líderes europeus mais cautelosos

Na Europa, o chanceler alemão, Olaf Scholz, e o presidente francês, Emmanuel Macron, preferiram ser mais cautelosos e não usar a palavra "genocídio". Questionado sobre o assunto em entrevista a uma emissora francesa, Macron disse que isso não se aplicaria, já que os russos e os ucranianos "são povos irmãos".

Em campanha eleitoral do 2º turno na França, Macron ressaltou o fato de que a Rússia declarou a guerra unilateralmente e disse que foram cometidos "crimes de guerra" por militares russos. "É preciso encontrar os responsáveis", enfatizou, reforçando o apoio da França à Ucrânia.

A recusa do presidente francês, Emmanuel Macron, a classificar como "genocídio" os abusos cometidos pelo governo russo na Ucrânia é "muito dolorosa", respondeu ontem o presidente ucraniano Volodimir Zelensky.

Como são definidos crimes de guerra, de lesa humanidade e genocídio

Crimes de guerra, crimes contra a humanidade, até mesmo "genocídio", como declarou na última terça-feira o presidente americano Joe Biden referindo-se aos atos da Rússia na Ucrânia, são noções muito precisas do Direito Internacional. Surgiram após a II Guerra Mundial, ao mesmo tempo em que o Tribunal Internacional de Nuremberg foi implementado para julgar os crimes nazistas.

Essas noções estão no centro dos poderes do Tribunal Penal Internacional (TPI), que abriu uma investigação sobre a situação na Ucrânia em 3 de março. Também podem depender de jurisdições nacionais quando possuem poderes em matéria de Justiça universal, como é o caso da Alemanha, Bélgica, Espanha, França ou Suíça.

Crimes de guerra

Os "crimes de guerra" são definidos como graves violações do Direito Internacional cometidos contra civis ou combatentes em um conflito armado, e que geram a responsabilidade criminal individual de seus perpetradores, segundo o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos. Esses crimes correspondem a violações das Convenções de Genebra, adotadas em 1949, após a II Guerra Mundial.

Sua codificação mais recente encontra-se no artigo 8º do Estatuto de Roma de 1998, fundador do TPI. Este artigo define mais de 50 exemplos de crimes de guerra, incluindo assassinato, tortura, sequestro, uso de crianças-soldado, deportações ilegais, ataques intencionais a civis, estupros, saques ou ataques intencionais a missões de ajuda humanitária ou manutenção da paz.

O uso de armas proibidas que "causam sofrimento inútil" ou atingem "indiscriminadamente" também é crime de guerra. O TPI, com sede em Haia, foi criado em 2002 e é responsável por processar esses crimes, bem como crimes contra a humanidade e genocídio.

Crimes de lesa humanidade

A noção de crime de lesa humanidade foi criada e definida em 8 de agosto de 1945 pelo artigo 6º dos estatutos do Tribunal Internacional de Nuremberg. É definido como "assassinato, extermínio, escravização, deportação ou qualquer outro ato desumano cometido contra qualquer população civil, antes ou durante a guerra, ou perseguição por motivos raciais ou religiosos".

Foi criado a posteriori para julgar os criminosos nazistas cujos crimes não haviam sido imaginados anteriormente. Agora essa noção foi codificada no artigo 7 do Estatuto de Roma, que determina que crimes contra a humanidade são atos como assassinato, estupro, perseguição e outros atos desumanos cometidos "no âmbito de um ataque generalizado ou sistemático lançado voluntariamente contra qualquer população civil".

Genocídio

O termo "genocídio" foi usado do ponto de vista legal pela primeira vez no julgamento de Nuremberg para designar o extermínio dos judeus. Tornou-se então parte integrante do Direito Internacional em 1948 sob a Convenção da ONU para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio. Descreve o genocídio como um "crime cometido com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso".

Exemplos de condenações por genocídio:

- Em novembro de 1994, a ONU criou o Tribunal Penal Internacional para Ruanda (TPIR) com sede em Arusha (Tanzânia) e quatro anos depois pronunciou as primeiras sentenças de prisão perpétua, que constituíram o primeiro reconhecimento do genocídio contra a minoria ruandesa tutsi.

- O massacre de Srebrenica no leste da Bósnia, durante o qual 8.000 meninos e homens muçulmanos foram mortos em 1995 por sérvios da Bósnia, foi reconhecido em 2007 como genocídio pelo TPI. Os ex-chefes político e militar sérvios-bósnios Radovan Karadzic e Ratko Mladic foram condenados à prisão perpétua.

Novo crime de agressão

Em dezembro de 2017, os 123 países membros do TPI (os que ratificaram o Estatuto de Roma, os EUA e a Rússia não) acrescentaram o "crime de agressão" ao âmbito da jurisdição internacional. Esse crime tipifica o ataque à soberania de um país por outro país, e permite o processamento de seus líderes.

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