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Submissão à brasileira
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

Submissão à brasileira

Tipo Opinião

Quando o escritor Michel Houellebecq lançou, em 2015, o livro Submissão, a França ficou furiosa. Grande parte dos intelectuais e leitores rejeitaram, mesmo numa ficção, a ideia de que o país pudesse eleger um governo que rompesse com seus valores democráticos envoltos no lema "liberté, igualité, fraternité".

O personagem central da obra é o professor universitário François, que vê chegar ao poder um presidente de extrema direita engendrado no Partido da Fraternidade Muçulmana. Ele narra a mudança radical no cenário parisiense que, pouco a pouco, molda a cultura francesa à islâmica. Deixa qualquer dúvida para trás quando o reitor da universidade na qual trabalha conta, feliz, ter "adquirido uma segunda esposa", a jovem que há pouco havia lhes servido taças com água e vinho.

Muita gente ficou chocada com o vídeo da reunião ministerial do último 22 de abril. Algumas pessoas reclamaram do baixo nível, da falta de um projeto para enfrentar a Covid-19, da fragilidade do Plano Pró-Brasil. Por minha vez, prestei atenção em algumas falas que confirmam que o País já vive numa guerra cultural.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, tem "ódio dos povos indígenas". Para ele é impossível pensar o Brasil como um país multicultural, fundado na diversidade. A homogeneidade amalgamada na cabeça do Weintraub não leva em conta processos históricos nem dinâmicas sociais e econômicas diversas que formaram essa imensidão que atende por "povo brasileiro". Weintraub não é um Heidegger. Ele só consegue pensar a partir da rasa dualidade com a qual interpreta o mundo em sua volta composta por "vagabundos" - os que criticam o governo - e "homens de bem".

Damares Alves fez um alerta ao então ministro da Saúde: prestar atenção nos "valores". "Todos os dias nascem crianças nos quilombos e elas já nascem com valores quilombolas", disse. As falas do casal Weintraub e Damares focam no que é imperioso nesse governo: destruir a cultura brasileira no que ela tem de mais preciosa, que é sua pluralidade. Por isso o ódio às humanidades, aos intelectuais, à imprensa. É preciso "matar" esses valores, "eliminá-los" e nos enxergarmos como apenas um. "Um" nada diante de um governo supremo. Pior: como não conseguem sequer articular as ideias, eles oferecem armas. Cuidemos. A cavalaria deve estar se preparando. A munição já foi liberada. 

 

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