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Para entreter? Um desgaste desnecessário
Foto de Daniela Nogueira
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Jornalista (UFC-CE) e licenciada em Letras (Uece), é doutoranda em Linguística (PPGLin-UFC), mestra em Estudos da Tradução (UFC-CE), especialista em Tradução (Uece) e em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais (Estácio). No O POVO, já atuou como ombudsman, editora de Opinião, de Capa e de Economia, além de ter sido repórter de várias editorias. É revisora e tradutora.

Para entreter? Um desgaste desnecessário

Tipo Análise

Era um vídeo para entreter, daqueles que os perfis do O POVO nas redes sociais publicam toda noite, para sugerir que o expediente está se encerrando, (quase) todo mundo já saiu do trabalho e está pronto para se divertir. Aquela sátira desgastada simulando que todo mundo está comemorando o fim do expediente. Mas foi muito além.

O vídeo mostrava um pequeno porco com chapéu similar a um quepe e óculos escuros circulando dentro de uma viatura policial na qual estava escrito "Police". Na legenda: "Atenção, atenção. Passando no feed para se certificar de que todos estão bem e EM CASA. #fimdoexpediente (sic)"

As queixas começaram logo que a publicação foi feita e tomaram uma repercussão tamanha que o vídeo foi apagado no O POVO depois.

Leitores acusaram o jornal de desrespeito, vendo no vídeo uma associação entre os policiais e um porco. Atendi a muitos enfurecidos por causa dessa publicação. Um deles, policial, me disse: "Eu acho que não foi intencional, mas todo mundo sabe que, quando se quer criticar os policiais, chamam desse nome".

Ele se referia à expressão "porcos fardados", usada bastante por criminosos, principalmente por membros de facções criminosas, para mencionar policiais. Há até uma música da década de 1990 com esse nome.

Custa para imaginar que o jornal (qualquer jornal profissional) publicaria propositadamente um vídeo com um insulto aos profissionais da Segurança, mesmo que houvesse uma ofensa implícita. Não há interesse algum para qualquer veículo jornalístico se desgastar assim com toda uma categoria em tempos de relações muito delicadas.

No entanto, a Segurança viu ali uma agressão.

Repúdio

André Costa, secretário da Segurança Pública, se manifestou em nota em suas redes sociais: "Fui surpreendido com uma publicação realizada pelo jornal O POVO, onde um porco pilotava uma viatura. Repudio toda e qualquer publicação que menospreze ou satirize negativamente o trabalho desses guerreiros". A Polícia Militar publicou nota de repúdio em seus canais oficiais. "A Polícia Militar do Ceará (PMCE) repudia, veementemente, a publicação do Jornal O POVO (...). Não sabemos qual a intenção, por parte do renomado veículo de comunicação, em macular e agredir a quase bicentenária Corporação". O Sindicato dos Policiais Civis do Estado do Ceará (Sinpol-CE), também em repúdio, afirmou que os profissionais "sentiram-se ofendidos com a postagem totalmente fora de contexto e desnecessária".

A publicação, feita e apagada no fim de semana passado, teve a resposta do O POVO na noite de segunda, 13. Com o título "'Fim do expediente' e PMCE", foi publicado texto no portal e nas redes sociais ( https://is.gd/wOpfbx ) em que O POVO se posiciona. Alega que foi uma situação lúdica, parte da seção "Fim do expediente". "O POVO respeita a PM e seus integrantes", informa trecho do texto.

Não há retratação a quem quer que tenha se sentido ofendido. Em sentido contrário, O POVO pede explicações ao Governo pela nota da PMCE.

Com a repercussão, O POVO foi inundado não apenas por críticas - às quais estamos acostumados e são habituais ao fazer jornalístico -, mas por ameaças, suspeitas e questionamentos de todo tipo. Evitáveis se discutíssemos mais os limites entre o Jornalismo e o entretenimento.

A seção "Fim do expediente" é publicada à noite e tem milhares de curtidas e, às vezes, centena de comentários. Sempre com um animal ou outra figura fofinha fazendo graça, tem um toque leve em meio ao noticiário. Feita para engajar, estratégia típica das redes sociais para gerar um alcance maior dos usuários.

Essa categoria do entretenimento, no meio do conteúdo jornalístico, é um risco. Diante da informalidade que é imposta à seção, intercalada nas notícias jornalísticas, pode-se dar um tom de leveza e ludicidade ao usuário. Ao mesmo tempo, transmite a ideia de que as notícias interpostas por gracinhas, que passeiam pelo jocoso, não imprimem seriedade. Há um conteúdo relevante a ser sopesado. É preciso repensar.

Além disso, o que pode ser um divertimento inofensivo para uns pode ser considerado uma ofensa para outros, como é este caso. Não acredito que O POVO agiu de má-fé com o vídeo do porco. Pensar assim seria desconsiderar toda uma história de Jornalismo feita ao longo de décadas e reinventada constantemente.

O problema é que esse mesmo Jornalismo passa a ser visto, por um tempo, com desconfiança por algumas classes. Um desgaste desnecessário. Tudo isso a partir de uma publicação equivocada, de um vídeo feito para fazer graça.

Foto do Daniela Nogueira

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