Logo O POVO+
A cobertura da mídia em casos de estupro
Foto de Daniela Nogueira
clique para exibir bio do colunista

Jornalista (UFC-CE) e licenciada em Letras (Uece), é doutoranda em Linguística (PPGLin-UFC), mestra em Estudos da Tradução (UFC-CE), especialista em Tradução (Uece) e em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais (Estácio). No O POVO, já atuou como ombudsman, editora de Opinião, de Capa e de Economia, além de ter sido repórter de várias editorias. É revisora e tradutora.

A cobertura da mídia em casos de estupro

A mídia expôs o quanto pôde - e o quanto não deveria -, nos últimos dias, o caso da criança de 10 anos, do Espírito Santo, vítima de estupro. Com as múltiplas violências em que o episódio está envolvo, o fato foi amplamente noticiado, muitas vezes sem a devida preocupação necessária em ocorrências de violência sexual, principalmente com crianças.

A cobertura midiática de situações desse tipo é relevante para que sejam apresentadas e cobradas políticas públicas de enfrentamento à violência, para que sejam mostrados os serviços para denúncia e acolhimento da vítima e para que seja rompido o ciclo da violência.

Não é o que ocorre na maioria das vezes. O que se deveria ver, em notícias de estupro, é a preservação da identidade da vítima. Quando o caso ocorre com crianças e adolescentes, como o da menina do Espírito Santo, o cuidado deve ser muito maior. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) existe também para nos orientar quanto à conduta nas matérias.

Neste episódio, uma série de dados que levariam à identificação da menina foi divulgada. Moradora de uma cidade de 130 mil habitantes, criada por uma familiar vendedora ambulante, e tendo sua vida remexida por vários dias, após um polêmico aborto, não é difícil que ela seja reconhecida na região onde vive. O vídeo em que o familiar acusado de ter praticado o estupro fala, antes de se entregar à polícia, também é encontrado, sem muito esforço, nas redes sociais. De que forma estamos preservando essa criança?

Exposição

É função do Jornalismo cobrar as responsabilidades do Estado, exigindo proteção integral às crianças, em vez de promover programas policialescos em que se polemizam se as vítimas - adultas ou crianças - provocaram a situação, questionando seu comportamento. Precisamos explicar o que é função do Estado, quais são as políticas asseguradas e preservar a exposição das vítimas.

Preocupante é observar que parte da imprensa mostra imagens das vítimas, corpos ou vozes sem edição. Além disso, em toda plataforma midiática, devemos estar atentos às expressões que são utilizadas. Nós, jornalistas, somos treinados a desconfiar. É próprio da profissão. Isso, no entanto, não significa que tenhamos de questionar se uma vítima de estupro foi realmente agredida daquela matéria. Em uma situação como essa, inabilitar as palavras da vítima não cabe a nós.

Ademais, em quantas matérias de estupro ou de outras violências achamos também informações acerca dos serviços disponíveis para acolhimento das vítimas, para canais de denúncias, para atendimento de saúde, por exemplo? Isso também precisa ser divulgado. O fato gera a notícia. Mas outros casos podem ser reconhecidos ali, e encontrar essa informação é crucial.

A cobertura da mídia em torno dos temas sensíveis precisa de aperfeiçoamento, porque, entre várias razões, há deficiência sobre o conhecimento dos direitos humanos e porque não há a preocupação atenta dos veículos para a produção de um guia ou de outro documento de conduta que possa orientar os profissionais.

A correria dentro de uma Redação e a pressa para publicar uma matéria não podem ser justificativas para um cuidado inapropriado com o que preconiza a legislação e, consequentemente, com a revitimização dos envolvidos, que passam por um processo de constrangimento constante na mídia.

O triste caso da menina do Espírito Santo, que deveria ter sido submetida a um minucioso processo sob a decisão da Justiça e o amparo do Estado, com o respeito à sua vontade, sofreu diversas violações. Teve seu nome escancarado em redes sociais por uma ativista da extrema-direita além de terem sido divulgados o nome do hospital e o estado em que realizou o aborto. Até dados sobre o peso do feto corriam nas matérias.

A curiosidade humana beira o implacável. Se as redes sociais são meio de divulgação ilegal e irresponsável, num frontal atentado aos direitos da menina, a Justiça deve agir e está agindo para minimizar os danos - que já são tantos. O Jornalismo, entretanto, não precisa ser porta-voz dos atos inconsequentes das condutas criminosas.

A menina, que já reviveu o sofrimento tantas vezes e ainda conviverá com o trauma por muito tempo, precisa de paz longe da repercussão que ela não pediu. A ativista da extrema-direita, que incita a violência, também deve ser esquecida pela mídia. É desserviço dar espaço constante para extremistas que pregam o discurso de ódio e a intolerância. Jornalismo é serviço.

ATENDIMENTO AO LEITOR

DE SEGUNDA A SEXTA-FEIRA,

DAS 8H ÀS 14 HORAS

"O Ombudsman tem mandato de 1 ano, podendo ser renovado por até três períodos. Tem status de Editor, busca a mediação entre as diversas partes e, entre suas atribuições, faz a crítica das mídias do O POVO, sob a perspectiva da audiência, recebendo, verificando e encaminhando reclamações, sugestões ou elogios. Tem ainda estabilidade contratual para o exercício da função. Além da crítica semanal publicada, faz avaliação interna para os profissionais do O POVO".

CONTATOS

EMAIL: OMBUDSMAN@OPOVO.COM.BR

WHATSAPP: (85) 98893 9807

TELEFONE: (85) 3255 6181

(Se deixar recado na secretária eletrônica, informe seu telefone)

 

Foto do Daniela Nogueira

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?