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Sobre as meninas do socioeducativo
Opinião

Sobre as meninas do socioeducativo

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Cris Faustino é presidenta do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos
Humanos do Estado do Ceará (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Cris Faustino é presidenta do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Estado do Ceará

Quem são e o que acontece com as adolescentes que estão sob medidas socioeducativas? Tendo como referência o Centro Socioeducativo Aldaci Barbosa Mota, em Fortaleza, destinado às adolescentes mulheres que cometem ato infracional, nota-se uma maioria negra, vindas de territórios periféricos. Algumas são mães, uma delas está grávida, muitas estão ou se sentem adoecidas, e todas experimentaram situações de violências.

Essas são algumas observações que se pode fazer desde o relatório de inspeção, elaborado por organizações de direitos humanos em outubro passado pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, Centro de Defesa da Criança e do Adolescente e o Fórum Cearense de Mulheres.

As medidas socioeducativas se embasam no Estatuto da Criança e do Adolescente, que reconhece os direitos dessa população como pessoas em desenvolvimento, mesmo as que cometem atos infracionais e necessitam de um processo socioeducativo que além da responsabilização represente acolhimento, assistência e educação para seguirem construindo suas vidas e reconstruírem os sentidos.

Contudo, são estarrecedores os relatos das meninas na unidade inspecionada, onde as práticas de violência e tortura são métodos recorrentes. A via crucis dessas meninas se inicia numa história de negação dos direitos das crianças e adolescentes negras das periferias; seguida do envolvimento em atos ilegais e abordagem policial, marcada pela cultura de tortura, requintada, quando os

próprios torturadores as conduzem, sob ameaças, para os exames de corpo e delito. No processo "socioeducativo", a violência se torna cotidiana: desde a negação do acesso a roupas íntimas, uso ilegal de algemas, castigos físicos e psicológicos, como o uso de "trancas", onde as adolescentes são isoladas e humilhadas.

O que esperar de adolescentes que por diversas circunstâncias se encontram em conflito com a lei, cuja resposta é a "animalização" de seus corpos e vidas? E que tipo de instituições e profissionais tomam mão da violência e da tortura contra meninas sob a custódia do Estado?

Que rupturas estamos dispostos a construir para que essas meninas possam transformar seu presente e construir futuros? A resposta a essas questões diz mais sobre nós do que sobre elas. n

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