Plínio Bortolotti: Força armada sem controle

Faz tempo, venho escrevendo sobre o indevido protagonismo político que assumiram as polícias, especialmente a Polícia Militar (PM). Os motins que já ocorreram em diversos estados, incluindo o Ceará, são a manifestação mais aguda dessa perversão.
Há três anos, por exemplo, sob o título "Salário é o verdadeiro motivo da revolta na PM?" (2/3/2017), anotei que o movimento de policiais punha em xeque governadores — com reivindicações aparentemente salariais —, o que poderia dar à PM características semelhantes ao papel pernicioso desempenhado pelo Exército no golpe militar de 1964.
Em "O golpe está a caminho: é preciso detê-lo" (15/6/2020) anotei que um setor da PM vinha prestando obediência ao presidente Jair Bolsonaro "por cima da autoridade dos governadores". Que o presidente tem uma base fiel entre soldados e a baixa oficialidade militar, é de conhecimento público. E ele vem cultivando essa banda, intensificando a participação em solenidades de formação de novos soldados, nas quais faz discursos políticos e incita os militares contra a imprensa.
Como não há nada tão ruim que não possa piorar, dois projetos de lei orgânica tramitando no Congresso Nacional pretendem restringir ainda mais o poder dos governadores sobre as polícias civil e militar. As mudanças são defendidas por aliados do presidente e incluem mandato fixo de dois anos para comandantes-gerais e delegados-gerais, que poderiam ser exonerados somente por "motivo relevante justificado".
O comandante da PM, obrigatoriamente, teria de ser escolhido em uma lista tríplice, organizada pelos oficiais, e o delegado-geral seria indicado diretamente pelo governador, mas teria de ser aprovado nas Assembleias Legislativas por maioria absoluta. Seria também obrigatório um Conselho Nacional da Polícia Civil, vinculado à União.
A aprovação dos projetos criaria uma força armada com tamanha independência que equivaleria a erguer uma espada por uma fina linha, mantendo-a suspensa sobre o pescoço da democracia. Assim, todos os democratas têm a obrigação de rechaçar esses projetos, e o Congresso tem o dever de rejeitá-los.