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Hélio Leitão: Pátria armada?
Opinião

Hélio Leitão: Pátria armada?

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Hélio Leitão, advogado (Foto: Fábio Lima)
Foto: Fábio Lima Hélio Leitão, advogado

Há temas recorrentes na agenda pública brasileira. A flexibilização da legislação sobre porte e posse de armas de fogo pela população civil é um deles. A questão ressurgiu com toda força sob a gestão do presidente Jair Bolsonaro, que abertamente defende o armamento da população civil como solução mágica para atravessarmos indenes a espiral de violência que nos atinge, cuja política de afrouxamento de restrições para aquisição de armas redundou em um aumento em 2020 de 91 por cento em relação ao ano anterior.

O discurso empolga, afinal fala aos medos de uma população acuada e inocente. Tem o apelo incontrastável das soluções fáceis. Carreguemos todos uma arma à cinta e o problema se resolve como que por encanto. Seria simples assim. Uma reflexão desapaixonada sobre o tema, todavia, conduz a conclusão outra.

Estudos levados a cabo pelo professor Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador de estudos da Flacso - Faculdade Latino Americano de Ciências Sociais, autor do Mapa da Violência, aponta que, contrariando o senso comum, o cidadão que sai às ruas armado tem 60 a 70 por cento mais chances de ser morto em situação de conflito - a falta de habilidade no uso da arma e o elemento surpresa com que age o agressor costumam ser fatores que concorrem para a ineficácia do recurso às armas.

A não mencionar situações corriqueiras, de que podem ser exemplos o conflito no ambiente doméstico ou no trânsito, que findam por evoluir para uma tragédia pela tão só existência de uma arma ao alcance da mão…

O economista Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), uma das maiores autoridades na matéria, concluiu que o Estatuto do Desarmamento, tornado lei em 22 de dezembro de 2003 e de cunho restritivo, interrompeu a trajetória crescente de homicídios no País.

A relação, portanto, é a inversa da que se quer fazer crer: uma população armada é fator de mais violência.

De mais a mais, não venha o Estado brasileiro se demitir das suas responsabilidades de prover segurança ao nosso povo. A violência é fenômeno complexo, multicausal, e não será resolvido, mas antes agravado, com a instalação de um faroeste tropical no País. 

 

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