Em seu livro "Breakneck", o pesquisador de Stanford, Dan Wang, apresentou uma explicação curiosa para o fato de a China ter uma infraestrutura mais avançada do que a dos EUA: as lideranças políticas chinesas seriam, em sua maioria, engenheiros, enquanto as elites políticas dos EUA seriam, em sua maioria, advogados. É como se o primeiro país, para governar e organizar a sociedade, confiasse mais no poder da infraestrutura; e o outro, no das leis.
À primeira vista, a tese parece convincente. Em entrevista à Folha de São Paulo, o autor chega a declarar: "Esqueça o comunismo, a China vive sob o Estado dos engenheiros". A busca por uma explicação para o sucesso da governança chinesa permanece em alta entre analistas internacionais.
O sistema político e econômico da China costuma provocar um deslocamento cognitivo nas pessoas que tentam defini-lo. Aquelas que têm certa rejeição ao país por razões ideológicas direcionam sua incontida admiração para um campo semântico mais "seguro". Foi o caso de Bolsonaro, em 2019.
Durante uma visita oficial, declarou: "Estou num país capitalista". Até Sérgio Moro, que meses atrás criticou o ministro Gilmar Mendes por ter elogiado a China, admitiu estar impressionado com o desenvolvimento do país. Ele foi lá para conhecer os avanços da tecnologia aplicada à segurança pública. Se levarmos em conta a tese de Wang, esses avanços devem-se aos engenheiros - para tristeza de Moro, formado em direito.
Mas a formação dos membros do Birô Político do Partido Comunista da China contesta a tese de Dan Wang. Há formados em engenharia mecânica, nuclear e de sistemas, bem como os que se graduaram em economia, medicina, história, literatura, direito e política internacional. O presidente Xi Jinping formou-se em engenharia química, mas possui um doutorado em teoria marxista. O primeiro-ministro Li Qiang formou-se em sociologia. O presidente da Assembleia Popular Nacional, Zhao Leji, graduou-se em filosofia.
Para entender a governança da China, é preciso analisá-la sob múltiplas dimensões. Gostaria de chamar a atenção para duas delas. A primeira consiste na formação política dos quadros dirigentes. Todos estudaram a ideologia do Partido, desde o marxismo-leninismo, passando pelo maoísmo até chegar ao "Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era".
A segunda é o compromisso dos dirigentes com a "República Popular", isto é, põem o bem-estar do povo no centro de todas as decisões governamentais. Esta é a escolha política fundamental do Partido Comunista da China, cujo fundador, Mao Zedong, quando jovem, foi assistente do bibliotecário da Universidade de Pequim, Li Dazhao, que, juntamente com Mao, cofundou o Partido com outro intelectual chinês, Chen Duxiu, então reitor da universidade. Em suma: a China não é só dos engenheiros.