Estamos no 25º ano do século XXI e, ao que parece, mais conscientes do que nunca a respeito da importância de ter saúde mental. A palavra "autocuidado" tem mais de 61 mil posts no Instagram, e sua irmã inglesa, self care, mais de 3 milhões.
O foco do movimento é, primordialmente, olhar para si mesmo. Assim, somos aconselhados a dizer "não" mais vezes, a esquecer a pulsão de agradar, a impor limites entre o pessoal e o coletivo, entre a própria dor e a dor dos outros. Todavia, ao sairmos da superfície, o efeito pode não ser positivo como o esperado.
Seguindo o viés do autocuidado propagado, temos vivido submersos no individualismo. Fazemos o self care bebendo taças do Casal Garcia da promoção enquanto tomamos banhos premium com produtos superfaturados - isso após dizer àquele amigo, que tanto precisava conversar, que estamos sem vontade de sair.
Estamos tão ensimesmados que ignoramos, além do amigo que precisava desabafar, aqueles que nem sequer possuem o básico para viver, o que dirá para comprar um vinho decente ou fazer terapia. Aliás, hoje em dia até mesmo a terapia tem seu lugar ao lado de inúmeros produtos, que vão de cursos a cremes faciais, porque o mercado não perde oportunidades.
Em nome da autopreservação, deixamos de assistir ao jornal, porque chega de notícias ruins! Ninguém quer estragar o próprio dia vendo crianças famintas do outro lado do mundo. Guerra? Nem me fale sobre. Alguma influencer ensinou que devemos desapegar do que não controlamos.
A consequência desse raciocínio é a quase criminalização da empatia, da responsabilidade afetiva e social. Nenhuma pessoa é uma ilha, e a busca por autossuficiência não nos protege da dor. Os problemas existem, o mundo está cheio de tragédias e, às vezes, é necessário também ouvir o desabafo do outro. Nosso castelo de classe média não é imune à crise climática. Fazer terapia ajuda, mas não nos torna impermeáveis aos dramas coletivos.
O meu ponto é: onde está o limite entre saúde mental e alienação? Penso que o verdadeiro autocuidado deveria nos fazer enxergar que podemos ser parte da solução sem sermos destruídos. Como toda anestesia, uma hora o efeito da alienação passa - e aí, o que você vai fazer com essa dor?