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As urnas estão dizendo "não" ao bolsonarismo e ao lulismo, diz Márcio Coimbra
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As urnas estão dizendo "não" ao bolsonarismo e ao lulismo, diz Márcio Coimbra

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Na foto: professor Marcio Coimbra (Foto: DIVULGAÇÃO)
Foto: DIVULGAÇÃO Na foto: professor Marcio Coimbra

Márcio Coimbra é um analista que vive a política por dentro, diretor-executivo que é, atualmente, do Interlegis, que vem a ser um programa vinculado ao Senado Federal cuja proposta central é fazer o Legislativo "produzir conhecimento". De onde está, portanto, acompanha bem os humores do poder e se propõe, na entrevista que segue, a fazer uma análise dos resultados eleitorais de até agora pelo País nas disputas municipais que se espalham, especialmente na perspectiva do que apontam para 2022.

O segundo turno, que será disputado domingo, não deve alterar o que, na avaliação dele, já aparece como característica marcante de 2020: a política de resultados está prevalecendo. Ao mesmo tempo, avança na sua apreciação, em que movimentos de muita força nos últimos anos e eleições, como o bolsonarismo e o petismo saem enfraquecidos e precisando passar por processos amplos de reformas para chegarem competitivos ao próximo ano eleitoral.

Aliás, o professor e cientista político lembra que falava sobre a força da candidatura Bolsonaro lá atrás, ainda quando ela não era percebida como tal. Uma forma de advertir sobre o que diz agora no sentido contrário, inclusive prevendo que o atual presidente poderá ter dificuldade até para ir a um segundo turno.

A conversa do O POVO com Márcio Coimbra, que também é coordenador do programa de Pós-Graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie, aconteceu na manhã da última sexta-feira, por vídeoconferência. Confira os principais trechos:

O POVO: Qual a principal marca da eleição de 2020, até agora? Considerando o que aconteceu já no primeiro turno?

Márcio Coimbra: Eu acho que temos dois caminhos que ficaram muito claros nessa eleição de 2020. Primeira o debacle, né, o derretimento do petismo, isso ficou muito claro com o deslocamento do voto da esquerda para outros partidos tradicionais. Como Psol e PCdoB.... Para usar dois exemplos claros, de Porto Alegre, com o PCdoB, e de São Paulo, com o Psol. Duas cidades petistas, onde o PT sempre venceu, pelo menos sempre chegava ao segundo turno com candidatos competitivos, nas quais o partido perdeu protagonismo. A diminuição no número de prefeituras do PT também foi sensível. A segunda foi o desgaste da onda da nova política, aquela que impulsionou o Jair Bolsonaro, ou seja, com essa perda de impulso da nova política perdeu impulso também o presidente Jair Bolsonaro. O bolsonarismo não se mostrou tão resiliente quanto se imaginava, se mostrou mais frágil que o lulismo e, parece, não era exatamente uma onda. Na verdade, o que parece é que ele surfou numa onda trazida pelo sentimento antipetista, lavajatista, que se instalou na sociedade nos últimos anos.

O POVO: O que parece é que passou aquela avalanche de 2018, na qual a nova política era a grande aposta do eleitor. Até agora, aparentemente, o eleitor está se reconciliando com a política. Agora, com qual política está se dando essa reconciliação?

Márcio Coimbra: Ele está fazendo as pazes com uma política de resultados, não é uma política ideológica. Isso significa que ele vai atrás de nomes que até podem ter denúncias de corrupção contra si no percurso, mas que já entregaram alguma coisa nas suas administrações. O eleitor, diante de tudo que a gente viu, ficou decepcionado, desiludido, com a pouca entrega da tal da nova política e, então, procurou políticos que soubessem entregar mais, que soubessem trabalhar a estratégia política, que soubessem ter um trato na habilidade política para negociação etc. O eleitorado viu que as bravatas e aquela guerra de negativa não entrega resultados tangíveis, resultados reais. A nova política acabou se revelando um instrumento para governar pela retórica e, por isso, a gente está vendo o renascimento de nomes como o de Eduardo Paes, no Rio de Janeiro, que por mais que seja notório que ele foi um aliado do ex-governador Sérgio Cabral, as pessoas resolveram reconduzi-lo, considerando os dois mandatos que já teve. Também é o que acontece com Bruno Covas, em São Paulo. A pandemia, Guálter, teve uma função didática para o eleitor, porque separou, digamos, os adultos das crianças.

O POVO: Pois é, no caso dos Estados Unidos parece que a questão da pandemia teve força decisiva no resultado. No Brasil, que vive uma eleição municipal, onde o local acaba tendo peso maior, ela também está sendo um tema importante?

Márcio Coimbra: Sem dúvida nenhuma. Ela foi um fator preponderante, mas não pela pandemia em si. É que a pandemia escancarou a habilidade dos políticos, dos detentores de cargos eletivos, em lidar com a gestão pública. Eles não puderam mais se esconder atrás dos discursos e tiveram que partir para ação e é por isso que falo na história de separar os adultos das crianças. Quem sabia fazer gestão pública e tinha habilidade política passou incólume pelas urnas, já quem optou pelo negacionismo, por uma postura de enfrentamento da pandemia, no sentido de negar sua existência, gente que não conhecia a política, acabou caindo. Vou te dar exemplos, inclusive, de dois governadores eleitos nessa onda: Wilton Witzel, no Rio de Janeiro, e o de Santa Catarina (Carlos Moisés), os dois enfrentam processos de impeachment. E nós tivemos, também, vários prefeitos que se elegeram na onda da nova política e agora ficaram, inclusive, fora do segundo turno, como foi o caso de Nelson Marchezan Júnior, em Porto Alegre. Agora, aqueles que são herdeiros de uma tradição política consistente, o exemplo que tivemos em Salvador, onde o vice-prefeito (Bruno Reis), indicado pelo ACM Neto, com alta popularidade e uma boa gestão da pandemia, venceu já no primeiro turno. Uma exceção é o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, que era um outsider, entrou na política em 2016 e se mostrou um bom político. Com isso é que conseguiu se provar durante a pandemia e acabou reeleito...

O POVO: Sem absorver a velha política, por outro lado. Mostrou que não precisava!? Parece ser uma situação diferente também nesse sentido.

Márcio Coimbra: Sim, porque ele não é um governante que governe por bravatas, por narrativas, ele tem uma gestão eficiente, se coloca na linha de frente. Por exemplo, quando ele decidiu fechar Belo Horizonte na busca de preservar vidas, assumindo o custo político de sua decisão, que depois foi referendada pelos eleitores nas urnas. Com isso a gente vê que o eleitor estava muito mais preocupado com a vida do que com qualquer outra coisa. Então, a gente percebe que esse tipo de candidato foi o que teve maior sucesso, pessoas ligadas ao presidente Jair Bolsonaro e à sua política negacionista, casos do Celso Russomano, em São Paulo, e do Marcelo Crivela, no Rio de Janeiro, serão os grandes perdedores dessa eleição. O Crivela porque realmente não vai vencer, o eleito no Rio será Eduardo Paes, afirmo isso, com certeza, porque o atual prefeito tem 65% de rejeição e é impossível a alguém, nessas condições, atingir aos 50% dos votos.

O POVO: Seria um fenômeno.

Márcio Coimbra: Seria um caso para o resto da história política, mas acho muito difícil.

O POVO: A questão da ansiedade do eleitor, da impressão que se tem de que, na comparação com 2018 o fenômeno das fake news, aparentemente, estar com menos força na atual campanha. O senhor concorda com isso? E, se concorda, consideradas as características diferentes entre uma eleição municipal, e outra nacional, o que isso pode significar para 2022?

Márcio Coimbra: Acho que elas perderam força agora porque estávamos, e estamos, no campo municipal. Acho que quando formos para a eleição nacional as fake news tendem a crescer, porque as características ajudam. E, com a disseminação rápida que se tem hoje da informação, via whats app e outros aplicativos se consegue divulgar uma notícia falsa com grande facilidade e, às vezes, elas não são tão inverídicas.. Às vezes se usa uma notícia antiga para que elas circulem nos grupos como algo nova, este é um tipo usual de fake news, não se trata de algo falso, literalmente, mas apenas de um outro tempo. Acredito que as fake news deverão ter um papel preponderante no próximo ciclo eleitoral, que é nacional, em 2022.

O POVO: Como inserir o caso Guilherme Boulos, em São Paulo, dentro desse contexto de "briga" entre a velha e a nova política?

Márcio Coimbra: O Boulos é uma produção do bolsonarismo, assim como o bolsonarismo é uma produção do petismo. Isso significa que quando você estica muito a corda para um lado, o pêndulo se move com velocidade igual para um outro extremo. Então, no momento em que o PT demonizava a direita acabou criando a brecha para que surgisse um candidato de direita, contexto no qual surgiu o (Jair) Bolsonaro. Por outro lado, quando Bolsonaro estica a corda, demonizando a esquerda, chamando-a de esquerdalha, fazendo aqueles ataques virulentos, ele, na verdade, dá combustível aos opositores e o pêndulo se desloca para o outro lado. Inclusive, minha tese é de que o Guilherme Boulos não é candidato à prefeitura de São Paulo, está utilizando o momento como plataforma de sua campanha à presidência da República, a partir de uma grande união das esquerdas. Inclusive, caso a lei permita, com a presença do ex-presidente Lula como candidato à vice.

O POVO: A eleição de agora, no aspecto de algumas alianças feitas no primeiro turno, em Porto Alegre e Belém, por exemplo, e também pelos rápidos acordos de recomposição em várias cidades, permite se imaginar que em 2022, como o senhor aponta, poderemos ter uma grande frente das esquerdads para disputar as eleições?

Márcio Coimbra: Acredito que sim. E acredito que essa união das esquerdas é a única forma delas terem alguma relevância em 2022, quando teremos uma eleição basicamente guiada pelo centro, assim como têm sido as de 2020. Geralmente, é verdade, as eleições municipais não balizam os candidatos da disputa presidencial que vem a seguir, mas, nos dão o faro do movimento que vem daqui a dois anos. Assim foi que em 2016 se conseguiu farejar, já, aquele movimento da antipolítica, dos outsiders, do rompimento com o que era tradicional. Agora, em 2020, já se consegue farejar para 2022 que será uma eleição completamente diferente daquela última disputa presidencial, não será favorável aos outsiders, será uma eleição de temas racionais, na qual se discutirá projetos para o País e onde se terá a volta de nomes tradicionais na política. Tudo isso me leva a crer, inclusive, que o presidente Bolsonaro pode não estar no segundo turno nas próximas eleições, em 2022. É uma eleição, acredito, que tem tudo para ser um embate entre a centro-direita e a união das esquerdas. Uma coisa que teria, por exemplo, uma chapa Sergio Moro/Luiz Henrique Mandetta e outra Guilherme Boulos/Lula.

O POVO: E qual papel que jogaria nisso tudo Ciro Gomes, que se coloca como pré-candidato para 2022 e que há dois anos teve 12% dos votos, índice que não é desprezível?

Márcio Coimbra: Acho que o Ciro Gomes não tem muito para onde correr dentro desse cenário, que não lhe é muito favorável. Acontece que o Ciro lembra muito, por sua postura de enfrentamento, o próprio presidente Jair Bolsonaro, então, as pessoas têm um certo receio de depois de terem um Bolsonaro da direita, por mais que o Ciro não seja isso, se depararem com um Bolsonaro da esquerda. A eleição que não vem não parece ser uma eleição para Ciro Gomes, será favorável a candidatos de uma postura mais racional , razão pela qual acredito que uma chapa Boulos/Lula pode ter chance. Da mesma maneira que poderia ter chance, se muito bem costurada, uma chapa Ciro/Lula, apesar de eu considerar este um desenho bastante difícil.

O POVO: E o movimento do Ciro em direção ao centro ou à direita, aproximando-se muito do DEM. Não surge como uma alternativa para ele em relação a um espaço que está em disputa?

Márcio Coimbra: Acho difícil, diante da postura dele como político, o eleitor não entenderia essa guinada ao centro ou à centrodireita. Acredito que centro e direita caminharão juntos e a esquerda do outro lado da disputa, claro, num cenário, para mim, em que o Ciro se manteria como uma candidatura alternativa, de centroesquerda, algo difícil de se viabilizar. Porém, na política, impossível nada é.

O POVO: No campo do centro e da direita o senhor enfatizou o nome do ex-juiz Sergio Moro. Para outras alternativas que se movimentam, como o apresentador de TV Luciano Huck, pode haver espaço?

Márcio Coimbra: Acho que temos como alternativa a uma disputa como candidato a vice-presidente teríamos o ACM Neto, de Salvador, o Mandetta, acho que também o próprio Luciano Huck. Acho que do centro pode vir o (João) Dória, de São Paulo, tem o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que desde o início informou que faria apenas um mandato e é uma pessoa moderada, sem postura agressiva, alguém que conseguiria muito trânsito. Acho que seriam os nomes mais palpáveis para uma discussão no campo da centro-direita.

O POVO: O presidente Bolsonaro, na sua avaliação já é um dos principais derrotados na campanha de 2020. Ele será capaz de entender o recado das urnas e se adequar a uma nova situação para evitar, como senhor prevê, ficar de fora até do segundo turno em 2022?

Márcio Coimbra: Guálter, acho que ele está se reinventando já, mas da maneira errada. Está se reinventando abrindo mão do eleitorado que o apoiou para que chegasse à presidência da República e acabou se virando para o outro lado, se aproximando do Centrão, de políticos clientelistas, se afastando dos ditames liberais na economia, não fazendo nenhuma privatização, furando o teto de gastos durante a pandemia e ameaçando fazê-lo de novo no próximo ano.....O governo Bolsonaro eleito é, para mim, completamente diferente do governo Bolsonaro que temos na prática, a guinada já aconteceu e isso o descredencia com os liberais, com os conservadores, com os antipetistas e com os lavajatistas, grupos que foram essenciais para sua eleição e que ele rifou. Será impossível para ele retomar o apoio desses grupos nos dois anos de governo que ainda faltam, a tendência é que rume cada vez mais para uma política clientelista, centrista, com ausência de responsabilidade fiscal e de projetos de reformas. Acabará, no final das contas, sendo um governo medíocre, que não terá entregue nada do que prometeu, que terá perdido boa parte do apoio que lhe levou até ali e que não terá angariado apoio nenhum dali pra frente. Outra coisa: Bolsonaro conseguiu apoio, especialmente no Norte e no Nordeste, por conta do auxílio emergencial, é impulsionado por esse voto que ele mantém sua popularidade de média para alta. Acontece que este não foi esse voto que o levou à Presidência, é voto dos grotões, que foi para o (Fernando) Haddad em 2018, é de uma base eleitoral petista. Deslocou-se para o Bolsonaro com o auxílio emergencial, que acaba no próximo ano, prevendo-se que a popularidade do presidente na região vai derreter. A tendência é que chegue a um final de governo melancólico, com popularidade baixa e, por isso, sob riscos de ficar de fora de um segundo turno.

O POVO: E o PT, que na avaliação do senhor é outro grande derrotado, terá capacidade de fazer sua interpretação dos resultados e adaptar a estratégia para a próxima eleição?

Márcio Coimbra: O PT precisaria de um processo de renovação, algo que não consegue fazer. O que parece é que o PT entrou em transe diante do escândalo do petrolão e do impeachment, sem que tenha conseguido se recuperar até hoje. O partido não passou por um processo de depuração e autocrítica depois de enfrentar essas situações e, outra coisa, a apatia do ex-presidente Lula depois que ele foi preso é contagiante dentro do PT. Ou seja, no momento em que se torna um preso e mesmo depois que sai da cadeia, ele não tem mais a liderança política de antes. Durante o processo eleitoral de 2020, por exemplo, ele sumiu, não botou o PT organizado nas grandes cidades, não construiu alternativas, o PT segue no mesmo transe ao qual está preso desde 2016.

O POVO: Daria para fazer isso tudo em meio ao quadro de pandemia?

Márcio Coimbra: Daria. A pandemia não deveria ter atrapalhado, porque o PT precisa entender que a votação do Haddad em 2018 foi ainda rescaldo do lulismo, que vai perdendo força aos poucos, como uma onda que vai sendo levada pelo mar. Por isso é que o partido está se mostrando mais débil em 2020 e, daqui a dois anos, sem passar por essa reciclagem e sem ter uma liderança realmente empenhada em fazer o PT novamente grande, acredito que pode se transformar em mais um partido de esquerda. Atribuo isso muito à apatia do Lula depois que deixou a prisão, ele rejeitou seu papel de líder das esquerdas e de líder do PT.

 

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