O presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinou ontem mais uma Medida Provisória (MP) que ataca a imprensa brasileira. A nova medida, a MP 896, desobriga a publicação de aviso de licitação em jornais. Este aviso nas publicações impressas é um dos modos pelo qual empresas tomam conhecimento de um processo licitatório, podendo, portanto, entrar na disputa para oferecer determinado serviço.
Com a alteração, os avisos de licitação passam a ser realizados apenas pela imprensa oficial e pelos sites do órgão responsável pelo edital, resvalando em todos os entes federativos: União, estados e municípios.
A MP se soma a outra, do dia 5 de agosto, de mesma natureza, desobrigando a publicação de balanços de empresas — o que também interfere na obtenção de receitas das empresas de comunicação. "Retribuí parte daquilo que grande parte da mídia me atacou", disse o presidente à época, em demonstração de retaliação à imprensa, se referindo à forma como ele foi supostamente tratado durante as eleições de 2018.
Tão logo publicadas, as medidas passam a vigorar, mas têm quatro meses até serem votadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, até perderem a validade.
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) interpreta que a edição da MP carrega o propósito de enfraquecer a atividade jornalística. A entidade também sustenta que Bolsonaro vai de encontro ao princípio constitucional da "ampla publicidade dos procedimentos licitatórios."
"A ANJ estuda medidas jurídicas contra esse novo retrocesso e confia que o Congresso não endossará mais esse ato que busca fragilizar a atividade jornalística", completa o comunicado. Procurado para que pudesse mensurar o impacto financeiro nos veículos, o diretor-executivo da ANJ, Ricardo Pedreira, afirmou que o associação ainda trabalha neste levantamento.
CONFIRA A NOTA DA ANJ NA ÍNTEGRA SOBRE A MP 896
Diretor da organização independente Transparência Brasil, Manoel Galdino destaca que ao realizar a mudança, o presidente excluiu o inciso três do artigo 21 da Lei de Licitações (8.883). Antes, fosse o caso, a divulgação de uma licitação poderia ser ampliada para, consequentemente, elevar a concorrência.
Além de afetar empresas jornalísticas, o impacto poderá ser visto, segundo ele projeta, em empresas especializadas em monitorar as licitações que interessam a empresa que contrata tal monitoramento. "Já que ele queria atacar mecanismo ineficiente, que é a circulação (dos avisos) em jornais, (a solução) era criar um cadastro nacional de licitações, único, de transparência e cadastro aberto", pontua Galdino.
A observação do cientista político pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Adriano Oliveira, é de que a medida consolida o discurso do ainda candidato Bolsonaro, o da desburocratização advinda do liberalismo econômico. Segundo ele, o problema reside na apresentação das mudanças, no formato de confronto — no caso, com a imprensa.
Mês passado, ao assinar MP, o presidente ironizou a imprensa, afirmando que o setor iria adorar a medida. "Obra de uma caneta BIC ou Compactor", assinalou na ocasião.
MPF
O POVO procurou o Ministério Público Federal (MPF) via e-mail a respeito de previsão de posicionamento do órgão. Não houve retorno até o fechamento desta edição.