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Adiamento da eleição pode abrir espaço para candidatos que estariam inelegíveis em 2020
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Adiamento da eleição pode abrir espaço para candidatos que estariam inelegíveis em 2020

Assessoria técnica do TSE entende de que adiamento não pode impedir candidaturas daqueles que estão enquadrados na Lei da Ficha Limpa somente até outubro
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 Eleições são ambiente fértil à proliferação de conteúdos falsos (Foto: JONNE RORIZ/AE)
Foto: JONNE RORIZ/AE  Eleições são ambiente fértil à proliferação de conteúdos falsos

O adiamento das eleições municipais de 2020, aprovado pelo Congresso em decorrência da pandemia do novo coronavírus, abre espaço para que políticos em situação de inelegibilidade na data originalmente prevista, 4 de outubro, disputem cargos ainda este ano. Com a alteração para 15 de novembro, pessoas condenadas por ilegalidades como abuso de poder econômico e político no pleito de 2012 podem reaver direito de participar da disputa pois já terão cumprido prazo condenatório de oito anos.

Em resposta à consulta sobre a postergação da inelegibilidade feita pelo deputado federal Célio Studart (PV-CE), a assessoria técnica do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontou entendimento de que o adiamento não pode impedir candidaturas daqueles que estão enquadrados na Lei da Ficha Limpa somente até outubro deste ano. De acordo com o parecer, "a contagem dos prazos deve observar o critério dia a dia" e qualquer mudança no dispositivo exigiria aprovação prévia do Legislativo.

"Não tendo o Congresso Nacional optado por postergar o prazo final das inelegibilidades (...) entende-se não haver campo para que tal providência se dê no âmbito desta Corte Superior", diz o parecer técnico. O cenário beneficiaria, por exemplo, condenados por prática de compra de votos, condutas vedadas e irregularidade na arrecadação e gastos.

Os condenados criminalmente também podem ser alcançados, mas nesse caso dependendo da data de decisão em segunda instância, não das eleições. Por ser tema que impõe limitação ao exercício de direito fundamental assegurado na Constituição, as normas demandam "interpretação restritiva", aponta o TSE.

Para Célio Studart, a resposta da Corte eleitoral gera estranhamento e surpresa. "Compreendemos que o parecer está equivocado e que o TSE deve pronunciar-se no colegiado. Vamos apresentar alguns fundamentos acerca do artigo 16 da Constituição e do próprio princípio da moralidade para que o tribunal reveja o entendimento", afirma, salientando participação de Marlon Reis, um dos redatores da Lei da Ficha Limpa, no documento enviado ao tribunal.

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Emmanuel Girão, coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), entende que não caberia ao TSE esticar prazos de inelegibilidade, mas diz que o parecer técnico não é uma decisão. "Embora eu, como membro do Ministério Público, lamente que pessoas que estariam inelegíveis para o pleito deste ano possam acabar se candidatando, como estudioso do Direito sei que as normas têm que ser interpretadas dessa forma", pontua.

Ainda segundo o promotor há casos que não seriam beneficiados. "As inelegibilidades duram um certo prazo e variam. Em casos de renúncia, cassação por processo político, condenação criminal, dentre outros, a contagem é diferente", explica. A questão foi encaminhada ao Ministério Público e aguarda parecer do órgão para posteriormente retornar à Justiça Eleitoral, que deve deliberar sobre a aplicação ou não da inelegibilidade para os que estão nessa situação para o pleito de 2020.

O POVO entrou em contato com o Tribunal de Contas do Estado (TCE) para solicitar informações sobre quantidade de pessoas eventualmente beneficiadas com possibilidade de candidatura devido ao adiamento da eleição. Em resposta, o órgão disse que o prazo para envio da relação de responsáveis com contas julgadas irregulares à Justiça Eleitoral e Ministério Público Eleitoral vai até 15 de agosto e que em breve divulgará os dados.

 

Fernandes Neto, favorável ao entendimento do TSE

Fernandes Neto, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), diz que a consulta prévia foi oportuna para evitar a judicialização da eleição, mas aponta que análises de restrição de direitos fundamentais exigem interpretação restritiva, ou seja não podem ser alteradas em prejuízo do direito.

No entendimento do advogado, o parecer técnico do TSE é correto e a Corte não teria competência constitucional para estender os prazos de inelegibilidade. “Ainda se houvesse extensão de inelegibilidade na PEC que adiou as eleições ao meu ver seria inconstitucional por aumentar uma pena fixada que não pode ser alterada em razão de uma circunstância alheia a vontade da pessoa.”

Sobre o princípio da moralidade Fernandes pontua que “nenhum princípio é absoluto” e o classifica como “subjetivo”. “O princípio também garante os direitos do cidadão. Ele não pode ser levantado só para um lado. A lei não pode estender uma restrição de direitos para além da sentença por questão alheia (pandemia). Isso seria uma prática amoral”, conclui.

Marlon Reis, contrário ao entendimento do TSE

O advogado Marlon Reis, um dos redatores da Lei da Ficha-Limpa, que participou da consulta ao TSE Superior Eleitoral diz não ter dúvidas de que vale o Artigo 16 da Constituição.

“Na PEC não foi aberta uma exceção sobre o tema ao artigo 16, por isso ele deveria se aplicar”, aponta. Sobre declaração do TSE, de que seria papel do Congresso deliberar sobre o tema, o advogado discorda. “Claro que não. O TSE tem o papel de interpretar a Constituição e verificar se aquela mudança (na data da eleição) poderia surpreender a sociedade dessa forma”.

Por fim, ele afirma que fere o princípio da moralidade. “Agora veja bem, pessoas que estariam inelegíveis se a eleição fosse em 4 de outubro podem ser beneficiadas pela pandemia? Isso ofende de forma imediata o princípio”, finaliza, acrescentando que o Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE) seguirá atuando para mudar o entendimento. O Ministério Público deve manifestar-se sobre o tema que posteriormente retorna ao pleno do TSE, a quem caberá decisão neste momento.

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