O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), abriu nessa terça-feira série de depoimentos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. Ao longo de mais de sete horas de inquirição, expôs a senadores como foi o enfrentamento ao vírus travado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Mais longo que o esperado, o tempo da presença do ex-titular da Saúde inviabilizou o depoimento de Nelson Teich, que o sucedeu na pasta.
A alteração na bula da cloroquina, a aposta no "kit covid", a adesão à tese da imunidade de rebanho e o alerta dado a Bolsonaro, ainda no começo da pandemia, sobre o risco de ser alto o número de mortes pela Covid-19 foram tópicos levantados por Mandetta.
Ele leu, inclusive, trecho de carta enviada a Bolsonaro quando ainda geria a Saúde nacional. “Em que pese todo o esforço empreendido por esta pasta para proteção da saúde da população e preservação de vidas no contexto da resposta à pandemia da Covid-19, as orientações e recomendações não receberam apoio deste governo federal", diz uma das partes.
O médico também afirmou aos senadores que um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) vinculada ao Ministério da Saúde alertou que a compra de medicamentos sem comprovação científica para tratar a Covid-19, como a cloroquina, implicaria em improbidade administrativa.
"Esses gastos foram feitos sem passar pela incorporação da comissão técnico-científica, portanto a minha AGU colocou claramente que aquilo não seria correto do ponto de vista da probidade administrativa", disse Mandetta.
Segundo explicou, o Ministério não pode simplesmente decidir comprar um medicamento. Para avaliar a aquisição, disse, existe uma comissão de incorporação técnico-científica (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS-Conitec). “Esse medicamento (cloroquina) não passava no comitê porque o primeiro item do comitê é (a pergunta) 'onde está a evidência científica?'", ele respondeu.
Um deslize governista foi um dos pontos altos da passagem dele por ali. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, enviou a Mandetta questionamento a ser feito no depoimento, quando o destinatário correto era o senador governista Ciro Nogueira (PP-PI).
Quando o líder do PP fez a pergunta, Mandetta afirmou ter recebido ela de Faria um dia antes. O ministro teria apagado a mensagem logo após ter percebido o erro. É outra evidência do envolvimento direto do Executivo - que também tem elaborado requerimentos para convocações - no inquérito parlamentar.
Coordenadora do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC), Monalisa Soares analisa ter sido relevante a trilha aberta por Mandetta para que os trabalhos da CPI alcancem o ministro Paulo Guedes (Economia). Vice-presidente da comissão, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) protocolou requerimento nesse sentido.
Até aqui, segundo a pesquisadora e cientista política, as atenções estavam voltadas para a gestão de saúde pública da pandemia, mas a condução econômica se inseriu no debate com a fala do ex-ministro.
Mandetta disse que Guedes "não ajudou nada". "Pelo contrário, falava que já tinha mandado o dinheiro e que se virem. Vamos tocar a economia. Talvez tenha sido uma das vozes que tenham influenciado o presidente.”
Ainda segundo a docente vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), o situacionismo demonstrou dificuldades ao se deparar com um ministro com uma oratória eficiente e amparada em dados.
Na avaliação do cientista político Cleyton Monte, também do Lepem-UFC, “o fato de o Mandetta estar no jogo político (sucessão presidencial) não anula a gravidade do discurso dele. Nas redes bolsonaristas, colocam muito isso.” Os governistas não conseguiram constranger Mandetta em "nenhum momento", concluiu Monte. (com Agência Estado)