Robert Francis Prevost, aos 69 anos, tornou-se o primeiro papa nascido nos Estados Unidos, apesar de também ter nacionalidade peruana. Nas apostas do conclave, ele era considerado o que tinha mais chances entre os cardeais do país, pela inclinação pastoral aliada ao conhecimento da Cúria Romana.
Foi o perfil moderado que deu sustentação à escolha para se tornar o papa Leão XIV, em 8 de maio de 2025, e é nesse espaço que o sucessor de Francisco tem conduzido a Igreja. Pouco depois da eleição, nas primeiras palavras desde a sacada da Basílica de São Pedro, no Vaticano, o Sumo Pontífice fez um "chamado à paz" para "todos os povos" e instou a "construir pontes" por meio do "diálogo", avançando "sem medo, unidos, dando a mão a Deus e estendendo-a entre nós".
Já nos primeiros meses de governo, os posicionamentos sobre a figura de Maria como corredentora e sobre prudência e equilíbrio ao tratar de misticismo revelam um papa que opera menos pela espontaneidade e mais pela contenção. Especialistas ouvidos pelo O POVO convergem para a percepção de um representante de feitio reservado e cuidadoso com gestos públicos, que acaba por repelir ambiguidades.
A professora Brenda Carranza, pesquisadora do Laboratório de Antropologia da Religião da Universidade Estadual de Campinas (Lar-Unicamp), observa que o Leão XIV é uma pessoa "extremamente tímida" e, assim, mais da linha doutrinal de manter-se em uma postura "altamente ortodoxa".
"O papa tem dado sinais de ir pela linha que foi, de certa maneira, a aposta que se fez na sua escolha. Então, temáticas geopolíticas como as guerras na Faixa de Gaza e na Ucrânia, como tudo que possa representar um alinhamento de esquerda ou direita, ele se mantém praticamente em uma postura discreta", avalia.
Entre os episódios que chamaram a atenção, está o decreto aprovado pelo Vaticano que instruiu os católicos a não se referirem à mãe de Jesus como a “corredentora” do mundo. “Esse título [pode] criar confusão e um desequilíbrio na harmonia das verdades da fé cristã”, diz o texto.
Esse é um exemplo de como o sucessor de Francisco posiciona a Igreja em frentes sensíveis. Nesse contexto, Carranza lembra que "o catolicismo não é mais a única religião" e se move em um ambiente de ecumenismo e diálogo inter-religioso, distinto daquele em que a expressão surgiu.
"Dentro do cristianismo, o diálogo entre católicos e não católicos sempre foi uma pedra de toque a presença, a venerabilidade, o culto à Nossa Senhora. Quando o título vem dois séculos atrás, onde a hegemonia era o catolicismo, não tinha nenhum problema — tanto que chegou a se discutir se seria um dogma —, mas hoje isso não pega bem nas relações ecumênicas. Dessa forma, o Vaticano se vê obrigado a dizer que o termo é mais uma analogia sobre o papel de Maria enquanto progenitivo", desenvolve.
Rodrigo Toniol, professor do Departamento de Antropologia Cultural da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), reforça esse entendimento ao apontar que Leão XIV dá um recado a católicos conservadores que, nos últimos anos, passaram a conferir à mãe de Jesus um lugar quase redentivo. Para ele, o papa “está emitindo um sinal bastante claro sobre o lugar que cada um deve ocupar na fé”.
Com isso, o Sumo Pontífice desagradou parte dos religiosos. Outro episódio em destaque foi quando, no Dicastério das Causas dos Santos, ele pediu prudência e equilíbrio ao tratar do misticismo. Nessa entrada, aponta Toniol, o papa produziu dois cortes importantes para grupos distintos da Igreja.
"O que o Leão XIV está fazendo é disciplinando: os conservadores, por um lado, com relação à Maria; e um certo catolicismo espontâneo em que os fenômenos místicos poderiam ganhar um lugar de muita relevância, sobre os quais a Igreja teria pouco a dizer. Ele está indo direto aos pontos”, elucida.
O professor da UFRJ pondera que essas sinalizações ainda não revelam uma inclinação mais ou menos conservadora ou dogmática, mas indicam que o papa está agindo "um pouco para tirar as ambiguidades" que eventualmente tenham surgido no papado de Francisco, e dar sinais.
"É claro que quando a gente fala de pontificado, todos esses sinais também têm a ver com acenos — que não necessariamente a gente consegue enxergar — para dentro da própria Cúria".
Mudança de forma, não de conteúdo
Um dos discursos mais frequentes entre críticos de Francisco era o de que o pontificado produziu ambiguidades, sobretudo pela espontaneidade nas falas, que muitas vezes eclipsavam a consistência da doutrina católica. A chegada de Leão XIV reacende essa comparação, mas as primeiras evidências sugerem que a mudança está mais no estilo de comunicação do que em ruptura.
Rodrigo Toniol pontua que, em contraste com Francisco, o novo papa “estrutura e prepara muito bem todas as comunicações públicas”. Ao contrário do antecessor, Leão XIV se expõe com cautela, produzindo mensagens mais literais.
"Francisco navegou todo o pontificado dele cheio de frases feitas na hora, o que, claro, aumentou muito a espontaneidade dele e, ao mesmo tempo, a popularidade que as pessoas reconheceram como 'gente como a gente'", analisa o professor da UFRJ.
Essa diferença entre eles, porém, não é uma correção na condução da Igreja Católica. Brenda Carranza enfatiza que “doutrinalmente Francisco nunca foi ambíguo”. O que ele tinha, segundo a pesquisadora do Lar-Unicamp, era um carisma e uma postura pastoral de mais acolhida.
"Um pouco mais de flexibilidade com os recasados, divorciados, LGBTQIAP+, mas nunca foi militante. A Igreja é muito clara: nenhum papa pode se colocar contra a doutrina, por muito colhedor que ele seja", desenvolve ela, projetando que "Leão XIV continuará a linha ortodoxa do Francisco".
Nesse sentido, o sumo pontífice não desfaz nada, apenas comunica de outro modo, focado em não gerar ruídos. "Ele tem outro estilo, uma linha mais equilibrada, mais alinhado com umas posturas conservadoras", analisa Carranza.
É como se a confusão que recaía sobre Francisco esbarrasse mais na performance do que na doutrina, e Leão XIV parece compreender isso. A Igreja, dessa forma, passa a falar com um tom menos improvisado, mas o núcleo doutrinário, por ora, permanece no trilho deixado pelo antecessor.
"A gente vai conseguir identificar o contraste dos perfis entre esses papas a partir do momento em que Leão XIV começar a designar os seus cardeais; e a grande expectativa é de que ele siga um encaminhamento já dado por Francisco, que é de apontar cardeais de congregações religiosas. Isso foi uma inovação dele. O próprio Prevost é um papa de congregação, e isso é raro na modernidade católica", observa Toniol.
Sinais
Por meio da nota doutrinal "Mater Populi Fidelis" (Mãe do Povo Fiel), o Vaticano voltou a rejeitar o título de "correndentora" atribuído à Maria, mãe de Jesus. Com aprovação do papa Leão XIV, o documento foi publicado em 4 de novembro pelo cardeal Víctor Manuel Fernández, prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé.
A nota pede atenção ao título de "medianeira de todas as graças". O texto diz que somente Jesus salvou o mundo. Não se trata de uma mudança em relação à doutrina, mas de tratar a questão de modo mais explícito. Os papas anteriores, Francisco e Bento XVI, já se opunham ao título. João Paulo II, em certo momento, deu apoio ao tratamento de Maria como corredentora, mas deixou de se referir assim publicamente em meio às resistências do Dicastério para a Doutrina da Fé.
Durante audiência em congresso sobre misticismo, organizado pelo Dicastério para as Causas dos Santos, papa Leão XIV afirmou que "os fenômenos extraordinários que podem conotar a experiência mística não são condições indispensáveis para reconhecer a santidade de um fiel".
Segundo ele, o que mais importa e deve ser enfatizado no exame dos candidatos à santidade é a "plena e constante conformidade com a vontade de Deus, revelada nas Escrituras e na Tradição apostólica viva". Por isso, pediu "equilíbrio" e "prudência" para avaliar esses fenômenos.