O governo dos Estados Unidos quer reajustar sua presença global para se concentrar mais na América Latina e no combate à migração, segundo a nova estratégia da administração Donald Trump.
O documento, publicado na sexta-feira, 5, com o título "Estratégia Nacional de Segurança", expõe de modo veemente o objetivo de reforçar a influência dos Estados Unidos na América Latina, onde a administração Trump ataca supostas "narcolanchas", está envolvida em um confronto com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e busca assumir o controle de recursos cruciais como o Canal do Panamá.
Concebida para desenvolver a visão "America First" (Estados Unidos em Primeiro Lugar) de Trump, a nova estratégia americana estabelece uma reorientação de sua política dos últimos anos, que se concentrou na Ásia, embora continue identificando a China como seu principal rival.
A primeira estratégia de segurança nacional do segundo mandato de Trump — cuja divulgação é obrigatória por lei — promove uma ruptura drástica com o curso estabelecido por seu antecessor, o democrata Joe Biden , que buscou revitalizar as alianças depois dos abalos sofridos por muitas delas no primeiro mandato do republicano na Casa Branca, e conter uma Rússia cada vez mais incisiva no cenário internacional.
O documento apresenta Trump como o modernizador da Doutrina Monroe, proclamada há dois séculos, na qual os Estados Unidos declararam a América Latina fora do alcance de potências rivais, na época as nações europeias.
Washington reajustará sua "presença militar global para enfrentar ameaças urgentes em nosso Hemisfério, e se afastar de cenários cuja importância relativa para a segurança nacional dos Estados Unidos diminuiu nas últimas décadas ou anos", afirma o texto.
O governo dos Estados Unidos quer ainda, sob a presidência Trump, acabar com as migrações em massa no mundo e fazer do controle das fronteiras "o elemento principal da segurança" americana, segundo o documento.
"A era das migrações em massa deve chegar ao fim. A segurança das fronteiras é o elemento principal da segurança nacional", destaca a nova estratégia.
"Devemos proteger nosso país contra invasões, não apenas contra as migrações fora de controle, mas também contra as ameaças transfronteiriças como o terrorismo, as drogas, a espionagem e o tráfico de pessoas", acrescenta o texto.
No documento, Washington também critica duramente os aliados europeus e destaca que os Estados Unidos apoiarão aqueles que se opõem aos valores promovidos pela União Europeia, em particular no tema imigração.
"Se as tendências atuais continuarem, o continente (europeu) será irreconhecível em 20 anos ou menos", afirma o texto.
O documento acrescenta que Washington também impediria o domínio de outras potências, mas destaca: "Isso não significa desperdiçar sangue e recursos para limitar a influência de todas as grandes e médias potências do mundo".
O ministro das Relações Exteriores da Alemanha afirmou que o país não precisa de "conselhos externos".
"Acredito que os assuntos sobre liberdade de expressão ou a organização de nossas sociedades livres não têm lugar (na estratégia), em qualquer caso, pelo menos no que diz respeito à Alemanha", declarou o ministro Johann Wadephul.
Adaptar-se ou morrer: respostas da América Latina a Trump
A América Latina atravessa um campo minado de ameaças econômicas e militares desde que o presidente Donald Trump voltou à Casa Branca.
Alguns líderes regionais contra-atacaram, outros cederam e alguns poucos preferiram olhar para o outro lado.
Nenhum país do "nosso hemisfério", como a Casa Branca denomina as Américas, se livrou do que muitos consideram o retorno do intervencionismo dos Estados Unidos.
"Todo país latino-americano tem uma posição de assimetria com os Estados Unidos. Essa é uma posição de base", explica Alejandro Frenkel, professor de Relações Internacionais da Universidade de San Martín, na Argentina.
Confira a seguir uma breve revisão das ameaças dos Estados Unidos e das respostas dos países latino-americanos:
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem tido uma relação atribulada com Donald Trump. Em agosto, os Estados Unidos impuseram a parte importante das exportações brasileiras uma sobretaxa de 50% em represália ao que Trump chamou de "caça às bruxas" contra seu aliado, o ex-presidente Jair Bolsonaro, julgado por tentativa de golpe de Estado.
Apesar de Trump ter imposto as tarifas punitivas ao Brasil por considerar que seu aliado sofria uma perseguição, após um encontro com Lula em outubro na Malásia, suspendeu grande parte das tarifas.
"Acho que o Trump tem que saber que nós somos um país soberano, que a nossa Justiça decide e o que decide aqui tá decidido", afirmou o petista durante uma coletiva de imprensa durante reunião do G20 esta semana na África do Sul.
Para Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, a resposta do Brasil às ameaças de Trump foi "pragmática e firme".
Segundo ele, se isto tivesse ocorrido há 25 anos, quando os Estados Unidos eram seu principal parceiro comercial, "o Brasil teria que ter feito concessões significativas".
Mas agora, "o Brasil exporta mais para a China do que para os Estados Unidos e a Europa juntos".
No sentido inverso, o presidente da Argentina, Javier Milei, "faz o que Trump fizer e o que Trump quiser", explica o analista Michael Shifter, do centro de estudos Diálogo Interamericano, em Washington.
Precisando de um apoio forte que o ajude em seus esforços para resgatar a combalida economia argentina, Milei se tornou um aliado ferrenho de Trump e ofereceu à indústria americana acesso preferencial ao mercado de seu país.
O republicano levantou as restrições às importações de carne argentina em um acordo comercial, cujos detalhes completos ainda não foram revelados, e concedeu ao país uma ajuda de vários bilhões de dólares.
Outro fiel escudeiro de Trump na região é Nayib Bukele, o presidente salvadorenho, famoso por conter a violência das gangues e que não hesitou em transformar seu país no primeiro a receber migrantes expulsos durante o segundo mandato do americano.
Grupos de defesa dos direitos humanos acusam Bukele de torturas e outros excessos ilegais, mas em troca de receber migrantes, 200 mil salvadorenhos obtiveram uma prorrogação temporária para continuar nos Estados Unidos, mantendo, assim, o importante fluxo de remessas para o país.
O presidente do Equador, Daniel Noboa, por sua vez, concordou em receber migrantes deportados dos Estados Unidos e ficou ao lado de Washington frente à mobilização militar no Caribe e aos ataques contra supostos narcotraficantes na região.
Em troca, Noboa obteve uma maior cooperação americana na luta contra as quadrilhas de criminosos.
Por outro lado, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, tem enfrentado abertamente Trump, chegando a chamá-lo de "grosseiro e ignorante" e a compará-lo com Adolf Hitler.
Petro denunciou o tratamento do governo Trump aos imigrantes e tachou de "execuções extrajudiciais" as mais de 80 mortes de supostos narcotraficantes em ataques americanos no Caribe e no Pacífico.
Antes um aliado próximo, Bogotá distanciou-se de Washington e se aproximou de Pequim através da Nova Rota da Seda chinesa.
Como resposta, o governo Trump impôs sanções a Petro e o acusou de traficar drogas.
A Casa Branca retirou a Colômbia de uma lista de aliados no combate ao narcotráfico, à espera das eleições presidenciais no país sul-americano, em 2026.
A presidente do México, Claudia Sheinbaum, tem menos opções. Os Estados Unidos são o destino de mais de 80% de suas exportações.
Sheinbaum respondeu à retórica de Trump sobre os cartéis de drogas mexicanos e a migração com acordos a portas fechadas, no que os analistas chamam de "diplomacia silenciosa".
O México evitou parte da guerra tarifária com um aumento do intercâmbio de inteligência, de apreensões de drogas e de prisões de chefes de cartéis.
Mas manteve sua posição de não "subordinação" quando Trump aventou ataques contra traficantes em território mexicano.
Outro que anda na corda bamba é o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, que retirou seu país da Nova Rota da Seda a pedido de Washington.
Mulino permitiu, ainda, a venda de portos de propriedade de um conglomerado com sede em Hong Kong no Canal do Panamá, depois da ameaça de Trump de retomar o controle desta importante via marítima comercial.
A Venezuela está em uma categoria à parte, que teme que a mobilização naval em larga escala dos Estados Unidos no Caribe tenha como objetivo derrubar o presidente Nicolás Maduro.
O líder chavista, a quem boa parte da comunidade internacional acusa de ter cometido fraude nas últimas eleições presidenciais em 2024 tem poucos aliados ou apoiadores econômicos.
As autoridades venezuelanas concordaram em libertar prisioneiros americanos, enquanto Washington permitiu que a Chevron continuasse operando no país com as maiores reservas conhecidas de petróleo do mundo.
Caracas se prepara para o que considera uma ameaça de Washington, ao mesmo tempo em que "se esforça muito para não provocar os Estados Unidos", disse Guillaume Long, principal cientista do Centro de Pesquisa Econômica e Política, com sede em Washington, e ex-ministro das Relações Exteriores do Equador.
O que é a Doutrina Monroe
A Doutrina Monroe de 1823, formulada pelo presidente americano James Monroe, que visava originalmente se opor a qualquer interferência europeia no Hemisfério Ocidental, acabou sendo usada para justificar as intervenções militares dos Estados Unidos na América Latina.
O documento estratégico de Trump afirma que seu objetivo é combater o narcotráfico e controlar a migração. Os EUA também estão repensando sua presença militar na região.
Isso significa, por exemplo, "desdobramentos direcionados para garantir a segurança da fronteira e derrotar os cartéis, incluindo, quando necessário, o uso de força letal para substituir a estratégia fracassada das últimas décadas de apenas aplicar a lei", diz o documento.
Fonte: DW