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Os planos do Consórcio do Nordeste para a região
Reportagem

Os planos do Consórcio do Nordeste para a região

Os governadores e vices nordestinos evitaram que as expressões pejorativas ditas pelo presidente Bolsonaro para se referir à região ditassem o tom do encontro realizado ontem; a prioridade foi apresentar o planejamento de ações do Consórcio do Nordeste
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Governadores do Nordeste têm divergência de concepção com governo Bolsonaro (Foto: Camila Souza/GOVBA)
Foto: Camila Souza/GOVBA Governadores do Nordeste têm divergência de concepção com governo Bolsonaro

Os governantes nordestinos estiveram reunidos ontem pela primeira vez após crise instaurada pela fala do presidente Jair Bolsonaro, na qual se referiu a governadores da região como "paraíbas". Contudo, os gestores preferiram adotar tom moderado sobre o assunto, caracterizado como "águas passadas", pelo governante da Paraíba, João Azevedo (PSB).

Em vez disso, optaram pela ênfase a outro marco: a reunião realizada em Salvador, na Bahia, foi a primeira após a formalização jurídica do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento do Nordeste, composta pelos nove estados da região, sob a presidência de Rui Costa (PT), governador da Bahia.

O encontro teve apenas duas ausências dentre os governadores: o alagoano Renan Filho (MDB), substituído pelo vice Luciano Barbosa (MDB), e Camilo Santana (PT), que estava doente. Izolda Cela (PDT) compareceu no lugar do petista.

A conversa a portas fechadas durou pouco mais de quatro horas e teve como principal tópico a apresentação do plano de ações imediatas a serem realizadas pelo consórcio, contendo desde medidas concretas a serem realizadas ainda em agosto até a elaboração de estudos para iniciativas futuras. Aprovado, o planejamento foi divulgado em carta assinada pelos governadores.

No documento, chama a atenção o recuo em relação a ação apontada anteriormente como prioritária para os governantes nordestinos: um programa para suprir a carência de médicos após o encerramento do contrato da União com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), no programa Mais Médicos, e, portanto, da saída de profissionais cubanos do País.

O motivo é a proposta anunciada pelo Governo Federal, batizada de Médico Pelo Brasil, que pretende rever o Mais Médicos. "Apesar de não ter sido detalhada, nós antecipadamente já declaramos apoio ao Ministro da Saúde por essa iniciativa e queremos contribuir", afirmou Costa. Para isso, os gestores devem solicitar audiência com o ministro, Luiz Henrique Mandetta.

O recuo, no entanto, "não sepulta a ideia de termos uma ação específica para o Nordeste", continua Costa. O objetivo é apenas não ter "ações redundantes". "Ao invés de disputar quem vai lançar primeiro, nós queremos contribuir para o plano nacional seja o mais abrangente. Os vazios que ficarem, nós vamos complementar com um programa específico."

Governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) considera que, à medida que o Governo Federal anuncia programa semelhante ao Mais Médicos, "a cautela exige que nós coloquemos em primeiro plano a ideia de parceria". Costa completa: "ao invés de concorrer, nós queremos complementar". O conceito de um programa regional nessa linha foi aprovado, segundo ele.

Dentre as medidas que devem começar a ser implementadas, a efetivação de um processo único de compras inicia ainda em agosto. Nesse modelo, o Consórcio do Nordeste realizará licitações para registro de preço e os estados utilizarão esses registros para realizarem as compras de material. A partir daí, o pagamento é feito por cada gestão. "Não há mistura de recurso", explica Costa.

A primeira licitação será para a área de saúde, a ser realizada até o final do mês de agosto. A meta é que, até o fim de 2019, já tenham sido realizadas licitações para todas as áreas da administração pública. Os registros de preço devem ter validade de 12 meses. "A nossa expectativa é que isso reduza significativamente os preços, (porque) eles vão reduzir para poder fornecer a todos os estados do Nordeste", argumenta Costa.

Confira vídeo com a entrevista coletiva dada pelos governadores no encontro

Presente da reunião, a vice-governadora cearense Izolda Cela considera que as "centralização de compras" deve ser a medida que terá impacto mais rápido para o Ceará, pelos "benefício diretos" para a economia. Contudo, ela destaca que outras ações devem ter impacto a médio e longo prazo para a região e para o estado.

João Azevedo ressalta a agenda internacional como outro ponto relevante do planejamento do grupo. "O Consórcio é uma nova forma de interagir com o mundo, (por isso) começa a despertar interesses de outros países como um elemento para criar possibilidades de investimentos", enfatiza. (colaborou Geraldo Bastos do Jornal Correio para a Rede Nordeste)

Governadores escolhem moderação como resposta

No último dia 19, a utilização de termo pejorativo por parte do presidente Jair Bolsonaro para se referir a governantes nordestinos inaugurava mais um episódio na crise entre o pesselista e os governadores da região, na qual sofreu derrota em todos os estados em 2018.

A resposta durante a reunião do Consórcio do Nordeste veio em forma de moderação e tons mais brandos quanto a Bolsonaro, apesar da crítica ao uso do termo "paraíba" e da orientação do presidente ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, a "não dar nada" a Flávio Dino.

"Não interessa esse tipo de disputa. Interessa ter uma relação republicana e de respeito que os estados merecem pelo povo nordestino e é isso que nós vamos buscar", disse João Azevedo, logo após caracterizar a atitude de Bolsonaro como "infeliz". Izolda Cela relata que na reunião entre os governantes nordestinos a expectativa era a de que o "Governo Federal cumpra o seu papel".

"Existe uma compreensão de não reforçar nenhum tipo de visão segregacionista de ficar opondo regiões com preconceitos, fazendo o possível para não reforçar posturas inadequadas e equivocadas", continua Cela. "A gente deseja trabalho, não picuinha", enfatiza a vice-governadora cearense.

O tom mais brando dos governantes nordestinos era previsível, explicam especialistas em entrevista ao O POVO. Para o professor de teoria política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Emanuel Freitas, os governadores "além de políticos, são gestores de orçamento" e, por conta disso, "precisam dos recursos federais". A atitude "de esfriar a temperatura" era esperada.

O cientista político Cleyton Monte concorda. "O discurso tenta amenizar a situação, evitando o confronto, porque os governadores sabem que, por mais que exista uma diferença política, não seria positivo entrar em conflito direto com o presidente", explica. Monte lembra ainda que o "modelo de federação brasileiro é centrado em Brasília", o que torna os estados mais dependentes da União.

Para os pesquisadores, enquanto a postura dos governadores nordestinos tende a ser a de "uma abertura de pontes e de colocar que estão abertos ao diálogo", como afirma Monte, o presidente Bolsonaro deve dar prosseguimento a estratégia de confronto.

"O freio era para mostrar ao mercado que tinha condições de aprovar a Reforma da Previdência. A tendência é o confronto ao Nordeste e a tudo aquilo que se opõe a ele", projeta. "Se redobrar o ataque à região, na próxima reunião (do Consórcio) não vai ter como manter o tom brando", completa Monte.

Reforma

Rui Costa afirmou que a prioridade do consórcio é em pensar "receitas que viabilizem o equilíbrio previdenciário e fiscal e não concentrar eventualmen-te na inclusão de estados e municípios" na Reforma da Previdência.

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