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Madalena "tinha tudo..."
Reportagem

Madalena "tinha tudo..."

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Tipo Notícia
. (Foto: ILUSTRAÇÃO NATALI CARVALHO)
Foto: ILUSTRAÇÃO NATALI CARVALHO .

Madalena é parte da porcentagem de meninas do Centro Socioeducativo Aldaci Barbosa que não nasceu em Fortaleza. A menina foi apreendida em sua casa depois de participar de um assalto sobre o qual relatou não saber do planejamento.

Ela já não morava mais com sua família desde os 14 anos. Madalena viu o pai ser assassinado quando tinha essa idade, ao mesmo tempo que descobria, naquele momento, o envolvimento dele com tráfico de drogas. Ela mesmo conta que "tinha tudo", mas o curso da vida mudaria a partir dali.

Com 16 anos, conheceu seu primeiro parceiro, também envolvido no crime. Como não podia frequentar o bairro de sua mãe, o afastamento foi inevitável. "A minha família me abandonou porque dizem que eu quis ficar com ele". A relação já esgarçada com a família piorou quando Madalena foi apreendida.

Ela ainda passou cinco dias em sua cidade natal antes de ir para o centro socioeducativo. Ao contrário da amiga Rita, Madalena relata não ter sofrido nenhum tipo de violência policial no processo de deslocamento para a Delegacia da Criança e do Adolescente.

A rotina de Madalena no Aldaci Barbosa se repetia. Os corredores onde os dormitórios ficam contam com sons. São três corredores e três caixas de som. As próprias adolescentes fazem uma espécie de divisão interna e independente. "O primeiro corredor era das meninas que tinham o cabelo cortado, que a gente chamava de cabrão. O segundo era das cocotas, que a gente diz que é as mais menininhas. E, no terceiro, eram as meninas que arrumavam brigas na casa [forma como ela chama o Centro]. Era dividido, porque podiam causar brigas se elas saíssem [de seus dormitórios]", relata Madalena.

Essa organização é pensada pelas próprias meninas. É com o passar do tempo e das várias adolescentes pelo Centro que elas se adequam à realidade do espaço. "A gente [meninas do centro] recebe as mais novas como mãe", afirma. A frase da jovem demonstra a força dos laços criados na unidade, ao mesmo tempo que retrata as relações familiares das internas.

Às 7h30min, as socioeducandas têm de estar prontas para as atividades do dia. "A gente acordava e ia todo mundo tomar café na cantina. Aí, as namoradinha tudo se encontrava lá e os instrutor ficava louco separando".

As atividades são diversificadas. No Aldaci Barbosa, Madalena participou de muitos projetos. "Eles sempre incentivam essa questão de filme, teatro. Tem um projeto de arte e cultura. Cheguei a dar aula junta de teatro, interpretação e roteiro", conta.

As meninas no Centro têm liberdade para programar as atividades que querem na semana. Para ela, essa é uma das grandes diferenças dos centros masculinos, que chegou a visitar algumas vezes por conta dos projetos.

Foi lá que Madalena conheceu uma socioeducadora, que a incentivou a ler mais livros. Foi por esse caminho que a jovem seguiu até o final de sua internação. Diz ter lido "uma pilha" de publicações.

Os dormitórios onde ficam as meninas são simples. Um quarto e um banheiro, sendo quatro o número ideal de ocupantes. São elas que fazem a limpeza dos dormitórios, a partir de uma divisão combinada pelos socioeducadores. Madalena contou que já chegaram a dormir oito meninas num mesmo quarto, principalmente em datas como finais de ano e que elas mesmas "dão um jeito" quando isso acontece. "A gente junta uns colchões e dá certo".

Em visita realizada ao Aldaci Barbosa Mota no dia 27 de abril de 2016, representantes do Fórum DCA e da Defensoria Pública detectaram que o centro apresentava aspecto de salubridade e limpeza. À época, a Equipe Técnica da Unidade era composta por uma psicóloga, duas assistentes sociais, duas pedagogas, uma advogada e duas auxiliares de enfermagem - números que permanecem, segundo a diretora.

Madalena nunca recebeu visita da família. Ela evitava o contato, já que acreditava que a mãe "não merecia" vê-la naquela situação. As únicas amizades que fez, além de Rita, foi com a irmã de outra interna.

"Antigamente, eu não tinha perspectiva de nada. Eu dizia muito que não ia passar dos 18 anos".

Atualmente desempregada, Madalena trabalhou com cinema após sair do Centro. Mas, reconhece que a vida do lado de fora dificulta uma completa transformação. "Eu não fui a primeira [a estar no Centro], também não vou ser a última. Eu não vou ser a última dali. O que eu quero pras meninas é que elas mudem. O que as meninas mais precisam é de atenção, serem ouvidas. O meu maior sonho é mostrar que eu vou fazer diferente".

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