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O que está por trás da Eleição para Conselho Tutelar
Reportagem

O que está por trás da Eleição para Conselho Tutelar

Os interesses políticos e religiosos que permeiam o pleito por um lugar em um dos mais importantes órgãos de proteção da criança e do adolescente. Práticas irregulares são monitoradas pelo Ministério Público. Votação ocorre amanhã em todo o País
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Eleições para o Conselho Tutelar 2019 (Foto: Ilustração: Carlus Campos/O POVO)
Foto: Ilustração: Carlus Campos/O POVO Eleições para o Conselho Tutelar 2019

Os Conselhos Tutelares de todo o Brasil terão seus novos membros escolhidos amanhã para cumprir um mandato de quatro anos (2020-2024). Eles vão representar um dos principais órgãos municipais da garantia dos direitos da criança e do adolescentes, atuando em situações de ameaça ou vulnerabilidade.

Eleitos democraticamente, por meio do voto facultativo, esses agentes públicos devem atuar de forma laica e imparcial. Contudo, uma breve pesquisa nas campanhas de rua ou de redes sociais é suficiente para perceber a existência de vários perfis de candidatos ligados a lideranças religiosas ou filiados a partidos políticos, utilizando o Conselho como teste de força para tentar no futuro uma vaga em câmaras municipais.

No último mês de setembro, o Ministério Público do Ceará (MPCE), por meio da 3ª Promotoria de Justiça de Iguatu, recebeu denúncias informando que possíveis candidatos conselheiro tutelar estariam sendo "apoiados" por vereadores e pelo Prefeito de Iguatu, Ednaldo Lavor (PDT). Inclusive com pedido explícito de votos nas redes sociais. O MPCE expediu uma recomendação aos acusados para que não vinculem suas imagens a qualquer candidato ao cargo de conselheiro tutelar no município.

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Em Guaraciaba do Norte, denúncias que apontam supostos casos em que vereadores estavam apoiando candidatos a cargo de conselheiro tutelar também estão sendo apuradas. Para regular o pleito, o MPCE também recomendou que todos os vereadores do município e o prefeito, Antônio Adail Machado (MDB), se abstenham de realizar qualquer tipo de propaganda em favor de candidatos ao cargo de conselheiro tutelar na cidade. As prefeituras não atenderam às ligações do O POVO para explicar o caso.

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Para o ex-vereador de Fortaleza e presidente da Associação dos Conselheiros, ex-Conselheiros Tutelares e Suplentes do Estado do Ceará (Acontesce), a interferência dos partidos é algo inevitável, visto que as questões políticas "estão em todos os segmentos."

"A questão de você ser filiado a partido político é um direito democrático", afirma Eulógio que também representa o Ceará no Fórum Colegiado Nacional de Conselheiros Tutelares (FCNCT).

Apesar de considerar o fenômeno comum, ele admite que a interferência política "tira a oportunidade de quem poderia contribuir e colocar sua experiência em prática".

Presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Primeira Infância, o vereador em Fortaleza Iraguassu Filho (PDT) defendeu que esse fenômeno ocorre por causa do envolvimento mais direto do Conselho Tutelar com a população.

"Essa história de trampolim acontece pois alguns conselheiros já viraram vereadores ou depois de vereadores assumiram o cargo por terem uma relação mais próximo com a comunidade de um modo geral. Dizem que o político mais próximo da população é o vereador, se for fazer quem for escolhido por eleição talvez o conselheiro terá", afirmou Iraguassu no programa Debates do Povo, da Rádio O POVO CBN.

Ele ressaltou ainda que o "rigor é muito grande no processo de escolha, mas na hora da eleição, durante um processo político todos são seres políticos".

Para Iraguassu, atualmente exames e medidas protetivas já garantem a entrada de bons conselheiros. "Não é só querer. O próprio Ministério Público baixou algumas normas e instruções normativas com o Comdica (Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Fortaleza) sobre a participação de agentes políticos".

ASSISTA AO DEBATE DO POVO, DA RÁDIO O POVO CBN, SOBRE A ELEIÇÃO PARA O CONSELHO TUTELAR

Ações contra o desequilíbrio na democracia

Segundo a promotora de Justiça do Ministério Público do Ceará (MPCE) e coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (Caopij), Antônia Lima, o apoio de políticos — do Legislativo e até do Executivo — a candidatos ao Conselho Tutelar além de ser proibido não é um problema recente. Ela aponta que isso causa um “desequilíbrio na democracia do processo de seleção”, tornando o combate indispensável.

“Todos os que se habilitam ao processo de escolha popular estão aptos em termos de conhecimento e experiência. Entretanto, existe sim a influência político-partidária, religiosa e econômica e essa realidade a gente não pode deixar de enxergar. Nesse sentido o Ministério Público recomendou que esses agentes se abstivessem de influenciar no processo de escolha, pois ele desequilibra os candidatos. Quem não é amigo do rei não vai ter votos.” 

Em Fortaleza, prevalece no atual corpo do Conselho Tutelar integrantes com vínculos partidários. “Eu fiz uma pesquisa em relação ao atual colegiado e descobri que 90% dos conselheiros tutelares em Fortaleza são filiados a partidos políticos”, completa a promotora. 

Recentemente, a coordenadora do Caopij encaminhou à Comissão Especial Organizadora do Processo de Escolha dos Conselheiros Tutelares o caso do candidato que aparece em vídeo ao lado do vereador John Monteiro (PDT). 

“Tudo que eu recebo vai para a Comissão que também tem o papel de julgar todas as infrações no processo de escolha. As condutas vedadas não são crime, mas podem provocar a cassação da candidatura e do eleito. O caso do vereador foi encaminhado à Comissão que apura as irregularidades”, explica Antônia.

Informações sobre as eleições para o Conselho Tutelar no Ceará 2019
Informações sobre as eleições para o Conselho Tutelar no Ceará 2019

Análise. Os riscos da interferência religiosa nos conselhos

Grupos católicos e evangélicos também têm intensificado a buscam por espaço nas eleições para o Conselho Tutelar. Segundo o Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (Caopij), em 2015, algumas candidatos em Fortaleza não tomaram posse por abuso do poder religioso. 

O fenômeno não é restrito à Capital cearense. Em todas as regiões do Brasil, postulantes ao cargo se apresentam como pastores evangélicos ou lideranças de outras religiões e citam passagens bíblicas no material de campanha. 

De acordo com Lídia Rodrigues, educadora social e integrante do Fórum Permanente de ONGs de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, isso ocorre pois crianças e adolescentes são sujeitos a “disputas constantes na sociedade por estarem em disputas políticas de futuro”. 

Segundo Lídia, é “preciso defender a laicidade do Estado e permitir inclusive que crianças e adolescentes de credos diferentes sejam tratadas de forma igual.” 

A ofensiva religiosa preocupa entidades de defesa de direitos de crianças e adolescentes em todo o Brasil, que temem a transformação dos órgãos em instâncias religiosas. Entre os temas que mobilizam as entidades está o controle da abordagem de questões de gênero e sexualidade. 

“Quando a gente pensa em direitos básicos, dependendo da perspectiva de quem aplica, essa atuação pode ser LGBTfóbica, pode responsabilizar as vítimas de violência sexual ou considerar as medidas socioeducativas como uma proteção indevida de delinquentes”, comenta a educadora. 

Para Lídia Rodrigues, quando igrejas entram na perspectiva mais comunitária do Conselho Tutelar, a disputa democrática fica desequilibrada. “Então recomenda-se que esses setores, por já estarem presentes em tantos outros espaços, não interfiram no processo de escolha dos conselheiros”, finaliza. 

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