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Edifício Andréa: prédios à revelia da lei e sem fiscalização do poder público municipal
Reportagem

Edifício Andréa: prédios à revelia da lei e sem fiscalização do poder público municipal

A promotora de Justiça Ann Celly Sampaio, da área do meio ambiente e planejamento urbano, cobra a aplicação da Lei de Inspeção Predial em Fortaleza. "Por que não está sendo cumprida?", provoca. O desabamento do edifício Andréa chamou atenção para o problema
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Prédio de 7 andares desaba em Fortaleza (Foto: Fabio Lima)
Foto: Fabio Lima Prédio de 7 andares desaba em Fortaleza

Ann Celly Sampaio é uma das quatro promotoras de Justiça destacadas, na rotina do Ministério Público Estadual (MPCE), para acompanhar casos de construções irregulares em Fortaleza. Ela responde pela 135ª Promotoria. Os procedimentos são conduzidos na área de Meio Ambiente e Planejamento Urbano. O MPCE não é fiscal direto, mas atua justamente para cobrar o papel fiscalizador da administração municipal. Que, segundo ela, não está sendo cumprido como deveria. "A cidade está povoada de construções irregulares e há uma ausência absoluta do poder público na fiscalização". 

A promotora faz referência à Lei de Inspeção Predial sancionada em 2012 e regulamentada em 2015, mas que, de fato, não vem sendo exigida pela gestão municipal.   

À época em que adiou o início da fiscalização de prédios, a gestão municipal argumentou que segmentos da sociedade civil local pediram uma reavaliação de termos da legislação. "Até que ponto vai esse acordo?", acrescenta Ann Celly.

O POVO procurou a Prefeitura de Fortaleza para comentar o teor da entrevista da promotora. A Assessoria de Comunicação informou que, na tarde da próxima segunda-feira, 21, o prefeito Roberto Cláudio participará de uma reunião com o procurador-geral de Justiça, Plácido Rios, ao lado de secretários municipais e membros da comissão do MPCE. Eles deverão definir um cronograma de ações para a cidade, no âmbito administrativo e judiciário, diante da repercussão do desabamento do Edifício Andréa.

A promotora Ann Celly concedeu a entrevista na manhã de quarta-feira, antes da nomeação dos integrantes do MPCE para a comissão que participará da avaliação de prédios públicos e particulares com possível risco a usuários e moradores para adotar medidas preventivas.

O POVO - Como funciona a fiscalização do MPCE para situação de construções irregulares na Capital?

Ann Celly Sampaio - As Promotorias de Justiça do Meio Ambiente e Planejamento Urbano não possuem uma equipe de fiscalização. Quando recebemos alguma denúncia, que normalmente vem da população (vizinhos, pessoas incomodadas com o problema) - nós oficiamos a Agefis (Agência de Fiscalização de Fortaleza), bem como as Regionais, Seuma (Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente), entre outros órgãos municipais, e solicitamos que eles realizem na esfera de suas competências fiscalizações, emitam laudos e nos remetam informação e soluções para a resolução da problemática da denúncia.

OP - O MPCE propriamente não é fiscal disso?

Ann Celly - Não. O MPCE recebe denúncias a respeito de determinado assunto, é distribuído para cada Promotoria de Justiça, no âmbito de sua competência, para que seja analisada atentamente cada caso específico. Inclusive, há uma discussão de que não podemos fazer denúncias individualizadas, de casos únicos, pessoais, só poderíamos fazer de casos que envolvam a coletividade (direitos difusos e coletivos). Esses casos individuais seriam de responsabilidade da Prefeitura Municipal de Fortaleza, no uso de seu Poder de Polícia. 

OP - Como vocês vão acompanhar esse caso específico do Edifício Andréa, que desabou?

Ann Celly - O procurador-geral de Justiça (Plácido Rios) nomeou uma comissão para realização de tratativas sobre o caso em questão. Falei hoje (quarta-feira, 16) com o chefe de gabinete da Procuradoria a respeito dessa comissão. Solicitei que tivesse uma equipe para nos acompanhar, ele informou que providenciará. O MPCE vai acompanhar e fiscalizar e fazer cumprir a legislação que não estava sendo cumprida. O que ficou bem claro para mim é que nosso papel vai ser de obrigar o poder público a cumprir a determinação legal.

OP — A Lei de Inspeção Predial?

Ann Celly - Isso.

OP - Há um acerto para que uma comissão legislativa revise termos da lei. É isso que estaria pendente?

Ann Celly - É, mas se vão rever termos da lei, temos que analisar atentamente o porquê da suspensão da eficácia dessa lei. Se ela não foi suspensa e se há esse acordo tácito. Porque mesmo que uma lei que seja inconstitucional, até ser declarada sua inconstitucionalidade, tem vigência. Até que ponto vai esse acordo? Que acordo é esse? Por que essa lei não está sendo cumprida? Com ordem de quem? A Câmara modificou uma lei por outra? O que se tem de concreto nesse assunto?

OP - Vocês vão oficiar o Município para se pronunciar a respeito da execução dessa lei?

Ann Celly - Com certeza. Eu inclusive liguei hoje (quarta-feira, 16) para o procurador-geral do Município (José Leite Jucá) porque a gente precisa se inteirar melhor sobre esse assunto. (Durante a entrevista, ela recebeu o retorno do procurador. Foi agendada reunião para a próxima semana). Não sei ainda qual o promotor de meio ambiente que vai participar diretamente dessa comissão (Foi nomeada a promotora de Justiça Socorro Brilhante). Mas já me preocupei com o assunto porque vejo que não é pontual, não é só esse caso. A cidade está povoada de construções irregulares e há uma ausência absoluta do poder público na fiscalização dessas construções. 

OP - Como vai ser a responsabilização para o caso do desabamento? Porque há vários setores do MPCE designados.

Ann Celly - Eu não sei te responder. Porque não houve nenhuma reunião ainda (o encontro foi agendado para a próxima segunda-feira, 21). 

OP - Vocês ainda vão acertar detalhes?

Ann Celly - Eu tenho minha opinião. Acredito que embora isso seja responsabilidade da Prefeitura, da fiscalização, era bom que o MPCE também tivesse uma equipe para verificar a fiscalização, que tivéssemos técnicos suficientes. Porque o promotor não é técnico em edificação. Fica muito difícil pra gente. Os órgãos de fiscalização da Prefeitura têm obrigação? Têm. O fato de eles não fazerem, no meu entendimento, configura improbidade. Se você tem obrigação de fazer algo, se existe uma lei que lhe obriga a fazer e você não faz, isso, pra mim, constitui improbidade administrativa.

OP - Vocês sabem, ou a Prefeitura informa, o tamanho do quadro técnico do Município para essa fiscalização?

Ann Celly - Sabemos que o quadro de fiscais é muito pouco. A Agefis alega não ter condições de fazer a fiscalização nem as que são requisitadas pelas promotorias do Meio Ambiente.

OP - Parece ser fácil verificar uma obra irregular, mesmo assim elas não estariam sendo notificadas como deveriam.

Ann Celly - Muito fácil. Mas não é nem só não serem notificadas. O poder público não adota as medidas necessárias, qual seja, uma ação judicial. Se não conseguiu reverter aquilo após os autos de notificações e embargos, por que não entra judicialmente contra aquela construção irregular? Porque ele tem o poder para entrar. Por que é preciso subsidiariamente o MP entrar com uma ação demolitória, quando a própria prefeitura pode entrar? Ou então trabalharmos juntos. A gente precisa se reunir para resolver essa situação, que é muito grave. Temos ofícios aqui para a Regional que não são respondidos com um mês (de atraso), não. É muito mais. 

OP - Muito mais quanto?

Ann Celly - Hoje (quarta-feira, 16) finalizei um processo de 2004, que tratava de segurança em edificações. Era de um condomínio que precisava se adequar às Normas de Segurança Contra Incêndio e Pânico.

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