À medida que os números de óbitos e de casos confirmados de Covid-19 foram crescendo no País, a maneira de o Ministério da Saúde (MS) lidar com as informações sobre a doença também mudou. Depois de atrasar a divulgação do boletim epidemiológico na última semana e de o portal oficial de divulgação dos dados ficar fora do ar, o sistema voltou sem mostrar o total de casos e de mortes no País. No último domingo, o Ministério divulgou que haverá nova plataforma interativa para a publicação das informações, com as datas de ocorrência, e não de registro.
As mudanças levantam discussão sobre a importância dos dados quando se fala em gestão de saúde. É com base em informações como número de pessoas que adoecem e quantas são atendidas ou internadas, assim como o total de óbitos, que são definidas as políticas públicas. "Da mesma forma que fica muito difícil cuidar de um paciente que você não tem informação sobre os sintomas, não tem resultados de exames, o gestor da saúde que vai tomar decisões sem as informações epidemiológicas também fica às cegas", afirma Keny Colares, médico infectologista do Hospital São José (HSJ).
A transparência dos dados sobre saúde pode ser útil para que pesquisadores encontrem evidências epidemiológicas que ajudem na mudança de políticas públicas. "No caso da Zika, quando teve os casos de microcefalia, foi graças a uma médica que estava notando que estava acima da frequência", exemplifica Helder Nakaya, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), membro da Plataforma Científica Pasteur e integrante da Comissão de Ensino da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI).
Integrante do Coletivo Rebento — médicos em defesa da Ética, da Ciência e do SUS, o médico Keny Colares aponta para a possibilidade de descrédito internacional. "A partir do momento que as pessoas começarem a ver que os dados daquele País não são confiáveis, que não existe transparência, perde-se a credibilidade."
As mudanças do Ministério da Saúde levaram o Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) a lançar o Painel Conass Covid-19, que reúne os dados sobre a doença. Além disso, desde 20 de março, dados sobre a pandemia das secretarias estaduais de saúde são disponibilizados na plataforma Brasil.io. Diariamente, mais de 40 voluntários coletam as informações, que são checadas automaticamente e, depois, manualmente antes de serem publicadas.
Para o idealizador da iniciativa, o programador Álvaro Justen, a falta de um local com a consolidação oficial de dados sobre a Covid-19 pode causar desconfiança nas pessoas, favorecendo a desinformação. "Infelizmente, já não é de hoje que temos esses problemas. O Ministério da Saúde, em gestões anteriores, dizia uma coisa, e o presidente dizia outra. Isso já atrapalha. Agora, se temos dúvidas em relação aos dados, abre muita margem para as pessoas criarem teorias conspiratórias." (Gabriela Custódio)