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A força dos padrinhos na eleição em Fortaleza
Reportagem

A força dos padrinhos na eleição em Fortaleza

|História política recente registra casos em que grandes caciques foram, e em outros casos não foram, imprescindíveis para as disputas eleitorais. Em 2020, Fortaleza deve vê-los novamente em ação rivalizando o voto do eleitor
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Perfil personagens (Foto: luciana pimenta)
Foto: luciana pimenta Perfil personagens

O empresário Luiz Eduardo Girão assistia às pretensões de virar senador escaparem entre os dedos quando, quatro dias antes de as urnas determinarem os novos escolhidos pelo voto, publicizou a escolha por Jair Bolsonaro, o então candidato a presidente que se sagraria vencedor no segundo turno de 2018. A comunhão de valores comportamentais conservadores foram o motivo central para justificar a última cartada do neófito na árdua tarefa de deter a reeleição do à época poderoso presidente do Congresso, Eunício Oliveira (MDB). O dedo bolsonarista teve dose de participação nos rumos do capítulo mais emocionante reservado por aquele pleito - Camilo se reelegera com aproximados 80% das urnas, por exemplo. Num estado com mais de nove milhões de pessoas e, àquele ano, 6,3 milhões de eleitores, Girão batera Eunício por uma diferença de 11.993 mil votos.

Quatorze anos antes de 2018, em 2004, Luizianne Lins repetiu o feito de Maria Luiza Fontenele (1985) sem o apoio do então presidente Lula no primeiro turno da campanha à Prefeitura de Fortaleza. Fora preterida pela principal força petista, assim como pela cúpula da legenda, que abraçaram Inácio Arruda (PCdoB). Embora tenha emergido eleitoralmente como resultado de uma perspectiva de inclusão social que se fortaleceu na década passada, ela foi às ruas sem o apoio do principal intérprete do pensamento no Brasil.

O que estes exemplos dizem? Em um dos casos, a força do favorito à Presidência auxiliou numa disputa difícil. Noutro, a ausência de apoio não impediu o sucesso eleitoral. As circunstâncias em que os processos se dão são chaves para compreendê-los. Neste ano em Fortaleza, candidatos medirão forças dentro de um contexto repleto de novidades. Impactos sanitários e econômicos de uma pandemia que se mostra severa a cada dia. Também sob governo Bolsonaro, primeiro ultradireitista a presidir o País desde a redemocratização.

É o oitavo e último ano de gestão pedetista em Fortaleza. Por não haver um postulante natural à sucessão de Roberto Cláudio (PDT), a definição deste nome é das principais interrogações postas. É grande, inclusive, a probabilidade de que não seja um conhecido do grande público, como não é José Sarto, tampouco Samuel Dias, ex-secretário e dos mais cotados para a missão. Capitão Wagner (Pros) cola no bolsonarismo ocasionalmente, mas também não vê problemas em abrir divergências. Receberá apoio de Bolsonaro?

Qual será a capacidade de a trinca pedetista formada por Ciro, Cid e Roberto Cláudio influenciar rumos do eleitorado? Como o senador Tasso Jereissati (PSDB) vai operar nesse jogo? É possível prever participação ativa de Lula na Cidade? Entre PDT e PT, Camilo Santana ficará neutro?

Questionado sobre isso, o presidente do PDT Ceará, André Figueiredo (PDT), responde que a principal força do partido na disputa será a do legado dos anos sob os quais Fortaleza ficou nas mãos dos trabalhistas. "Lula e Bolsonaro não considero que sejam grandes eleitores em Fortaleza. Em 2020, ele (Bolsonaro) será menor ainda", opina.

A fala de Figueiredo também alcança Camilo, a quem atribui importância, embora admita não saber "como vai ficar a situação". O dirigente cita que, se dependesse da vontade exclusiva do governador, a presença no palanque de Roberto Cláudio em 2016 teria acontecido já no primeiro turno, mesmo com Luizianne no páreo. Para ele, porém, a tendência é mesmo de que o petista opte pela neutralidade.

Isso porque uma composição entre petistas e pedetistas ainda se desenha improvável. Figueiredo e Antonio Alves Filho, presidente do PT cearense, concordam neste ponto. "Eu acho a probabilidade muito remota de isso acontecer no primeiro turno", comenta o brizolista. "Nosso sentimento é de candidatura própria", reforça Conin, como é chamado o petista pelos pares.

Indagado, o petista diz que Lula será participante ativo na defesa dos planos do partido. Visitas a Fortaleza já estariam objetivamente sendo articuladas, até mesmo. Com Camilo, a certeza não é a mesma, até porque Luizianne é nome de oposição ao ferreiragomismo do qual ele é aliado. "Vamos dialogar muito, compreendendo a amplitude do governo dele. (...) Não vai ter crise entre o PT e o governador. Vamos ter maturidade e capacidade para discutir o papel dele no processo eleitoral."

Resumidamente, Luizianne avaliou ao O POVO que Lula e Camilo "seriam importantes como reforço para uma campanha chegar ao segundo turno." Ela qualifica Lula como o principal influenciador do País, sobretudo no Nordeste. Apesar das diferenças de perfil com Camilo, ela pontua que "tem enfrentado positivamente seguidas crises."

Leia mais nas páginas 12 e 13

 

Artigo: Os cenários possíveis em meio a uma pandemia

Ano eleitoral é de movimento para vida política. Avaliação interna dos nomes dos partidos, possíveis apoios, pesquisas de opinião de votos, cálculos de ganhos e de perdas. Arrisco-me a traçar algumas palavras sobre o cenário das eleições municipais desse momento. Ressalto, porém, que me falta habilidade para previsões certeiras. Busco, como um convite a quem lê, construir uma tessitura entre os cenários possíveis de apoios políticos com base em alguns elementos.

As eleições em estado democrático propõem-se competitivas, principalmente quando diante de primeiro turno. É o momento de lançar candidaturas que venham compor essa competitividade de projetos e ideias. Em cenário de posicionamentos polarizados nacionalmente, a dinâmica cearense tem suas particularidades, ao passo que não se desvincula do debate nacional.

Em meio a pandemia, Camilo Santana (PT) cresceu. Articulou medidas de isolamento em diálogo com as normas de saúde pública sem deixar de dar atenção aos setores do empresariado e comércio. Tem se colocado como um negociador entre o grupo dos Ferreiras Gomes e ser uma liderança na sigla que o acompanha.

A primeira questão sobre a importância de seu apoio nas eleições municipais de Fortaleza se apresenta: o PT irá lançar candidatura própria? Se responder com base nas referências históricas, sim. O grupo Ferreira Gomes irá lançar candidatura própria? Novamente, se responder com base nos últimos processos eleitorais, sim.

A complexidade inerente à dinâmica interna do Partido dos Trabalhos, aliada ao constante enfrentamento da legenda com o grupo Ferreira Gomes desde as eleições de 2018 sugere que um nome em comum, ainda em primeiro turno, seja inegociável.

Acrescento como elemento o desgaste das lideranças petistas e o crescimento da simpatia pelo nome de Ciro Gomes no âmbito nacional e no âmbito local. Minha tendência é seguir a análise de que os apoios do atual prefeito e do atual governador do estado sejam importantes para conduzir um candidato ao segundo turno.

Porém, e aqui vai uma ressalva importante, se retomamos o histórico das eleições no estado e o histórico de mobilização de Lula, ficamos diante da habilidade do Partido dos Trabalhadores em movimentar e fazer crescer eleitores. Mais uma vez, e assumo minha limitação com previsões certeiras, cabe ponderar se, diante de um cenário nacional tão desfavorável, essa mobilização em torno de um candidato do PT conseguirá levar um possível candidato ao segundo turno.

Uma outra consideração é sobre o apoio de Tasso Jeireissati. Embora não esteja ativamente no foco central das discussões conjunturais, ele continua sendo uma importante referência dada sua contribuição empresarial e de governo no processo de Modernização do Ceará. O apoio de Tasso a um nome competitivo é algo que não pode deixar de ser observado.

Os eleitores apoiadores de Jair Bolsonaro dividem-se entre os que o elegeram por circunstância da conjuntura eleitoral de 2018 e os seus apoiadores fiéis. Estes últimos, acompanham o perfil do projeto ideológico do presidente. Os primeiros, devem direcionar seus votos para outros candidatos em primeiro turno.

Como último elemento de reflexão, deixo aqui nossa experiência eleitoral mais recente de 2018: a eleição de um presidente que se apresentou discursivamente como anti-sistema e desligado de apoios conhecidos na cena política. No âmbito municipal, a repetição desse discurso e vinculação às ideias de Bolsonaro podem não ser declarados, mas há de considerar que representa uma forma de apoio “invisível”.

Por fim, considero que no processo eleitoral sempre há circunstâncias de apoio e possíveis influências em votos. Os eleitores rememoram, mesmo que timidamente, as alianças e não alianças dos candidatos – sejam elas ditas ou não ditas.

Paula Vieira, doutora em Sociologia, pesquisadora do Laboratório de Estudos de Política, Eleições e Mídia (Lepem/UFC), professora da Unichristus

Artigo: Os grandes eleitores e as jogadas políticas

Tornou-se clichê dizer que toda eleição no Brasil é diferente. Fazer comparações com outros pleitos e construir prognósticos revela-se uma tarefa inglória. Em todo caso, a disputa municipal costuma preservar a discussão sobre temas locais, desconectando-se do cenário nacional. Será que a polarização contemporânea permitirá a continuidade desse modelo? A agenda eleitoral englobará temas morais? Novas variáveis tornam o cenário ainda mais complexo: o fim das coligações proporcionais, a decadência do formato tradicional de campanha e uma pandemia com consequências imprevisíveis para eleitores, partidos e justiça eleitoral. Diante desse panorama, os atores se movem para conquistar e/ou preservar espaços políticos. Para os grupos políticos mais fortes, a eleição de Fortaleza sempre é fundamental, além de ser um belo termômetro para 2022. Mesmo reconhecendo que os padrinhos políticos não possuem o mesmo poder de antes, penso que é um exercício produtivo analisar o peso atual de cada liderança.

A influência de Bolsonaro em Fortaleza é reduzida. A rejeição do presidente é especialmente alta na capital cearense, notadamente na periferia. Desde que ganhou a eleição, não se esforçou para melhorar sua imagem na região. Em uma disputa para cargo majoritário, colar a imagem no bolsonarismo torna-se um lance arriscado. Apesar de resguardar capital político considerável, Lula já não tem a mesma força mobilizadora de campanhas anteriores. Seu apoio não é crucial. Ciro e Cid Gomes, que registram boas votações e ostentam aliados importantes, agregam índices consideráveis de rejeição. Tasso não se movimenta para ampliar capital político. A escolha do general Theophilo em 2018 e a decadência do PSDB apontam para um político com pouca relevância no xadrez fortalezense.

Nesse momento, Camilo Santana e Roberto Cláudio, com administrações e perfis avaliados positivamente por diferentes extratos da população e contando com uma rede capilarizada de apoiadores, são as lideranças com maior potencial de influenciar 2020. Contudo, isso não significa que deverão trilhar um caminho fácil. Para derrotar adversários poderosos e conhecidos como Capitão Wagner e Luizianne Lins, terão que enfrentar disputas internas, renovar o projeto político e escolher um nome que realmente possa unificar a extensa base aliada. Na mesma eleição, teremos candidatos que poderão usar o discurso da independência como bandeira, Heitor Férrer, Célio Studart e Renato Roseno seguirão essa linha. Vale a pena acompanhar as próximas jogadas!

Cleyton Monte é sociólogo e membro do membro do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC)

Artigo: Fortaleza ressoará confrontos nacionais

Para a ciência política brasileira, as eleições municipais, ao longo dos anos, têm revelado sua importância por basearem a organização das forças políticas com vistas às eleições regionais e nacionais. Nesse sentido, um tema candente de observação nos contextos das disputas eleitorais refere-se ao peso e influência que o apoio de determinadas lideranças nacionais e regionais exercem na produção do resultado eleitoral local. Fazendo uma breve retrospectiva, cabe lembrar que uma pesquisa realizada pela CNT/Sensus, nas eleições de 2008 – momento em que o Lulismo vivia o seu auge, indicava que o índice de voto potencial em candidatos apoiados pelo ex-presidente Lula chegava a 44,1%.

Se rememorarmos aquele contexto eleitoral, numa perspectiva qualitativa, é possível lembrar de um disseminado uso da imagem de Lula por candidatos não somente do PT, mas de diversos partidos. Esta mobilização da imagem do, à época, Presidente com vistas a adesão eleitoral manteve-se ao longo das disputas, produzindo efeitos diversos nos resultados eleitorais a nível municipal, regional e nacional de candidaturas do PT. Tal fenômeno também foi visto, em 2018, em torno da figura do candidato à Presidência Jair Bolsonaro. Naquele contexto eleitoral, falava-se em “Onda Bolsonaro” e o próprio candidato chegou a afirmar que muitos dos políticos eleitos em meio ao sentimento de renovação deviam-lhe a vitória eleitoral.

Nesse sentido, produziu-se uma expectativa em torno do questionamento se o presidente conseguirá reproduzir sua “onda” e sua lógica eleitoral para os contextos das disputas municipais, historicamente marcadas pelas dinâmicas próprias de cada localidade, em 2020. No caso do Ceará, essa questão se coloca com contornos peculiares, considerando que, de um lado, existem expressivas forças eleitorais opositoras ao atual presidente, e de outro, movimentos de articulação de lideranças políticas alinhadas a Bolsonaro. O pleito eleitoral na capital fortalezense, certamente, constituirá terreno em que este confronto vem a ocorrer.

Cabe observar quais efeitos a pandemia e os desafios sanitários e econômicos que ela traz terão sobre as discussões eleitorais. O governador Camilo Santana foi enfático nas suas discordâncias em relação aos discursos e práticas de Bolsonaro, conquistando com isso visibilidade nacional. Em pesquisa realizada pelo Instituto Opnus, as ações do governo Bolsonaro em face da pandemia eram reprovadas por 59% da população, ao passo que as ações do governo Camilo Santana eram aprovadas por 90%. Por fim, considerando o cenário adverso que o presidente enfrenta entre a população cearense, cabe-nos observar com bastante acuidade quais discursos irão mobilizar os candidatos vinculados a Bolsonaro nas eleições municipais de 2020 no Ceará.

Monalisa Soares é Coordenadora do Curso de Graduação em Ciências Sociais da UFC e membro do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC)

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