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Por que Bolsonaro mudou de postura
Reportagem

Por que Bolsonaro mudou de postura

Abrandamento do discurso presidencial é lido tanto como recuo estratégico quanto como necessidade de aprovar agenda no Congresso
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(Brasília  - DF, 30/06/2020) Cerimônia de Prorrogação do Auxílio Emergencial..Foto: Isac Nóbrega/PR (Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República)
Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República (Brasília - DF, 30/06/2020) Cerimônia de Prorrogação do Auxílio Emergencial..Foto: Isac Nóbrega/PR

Pressionado por investigações e queda de popularidade, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mudou de estratégia. Há cerca de três semanas, o chefe do Executivo tem adotado o silêncio e desestimulado a ala ideológica do Governo, que vem perdendo espaço em postos-chave da Esplanada.

Para especialistas ouvidos pelo O POVO, mesmo antes da prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz, em 18 de junho, a postura do presidente já havia mudado. Evitava o "cercadinho", na entrada do Alvorada, onde reunia grupo de apoiadores para o qual costumava falar e endereçar suas críticas à imprensa e às demais instituições da República, como Supremo e Congresso.

Entenda a mudança de postura de Bolsonaro

Ao fim de junho, Bolsonaro elogiaria publicamente os presidentes da Câmara e do Senado, os demistas Rodrigo Maia (RJ) e Davi Alcolumbre (AP), com quem havia colidido frequentemente nesses mais de um ano e seis meses de gestão. Foi outro sinal de que o chefe do Executivo tinha alterado o tom.

Mas o que explica esse cavalo de pau na condução do Planalto? "É o que restava para o presidente fazer neste momento", responde o professor de Teoria Política Emanuel Freitas, da Universidade Estadual do Ceará (Uece).

"Houve uma série de eventos que produziram essa baixa e o recuo de Bolsonaro", avalia o pesquisador. "Da queda na popularidade nos setores que o ajudaram a eleger-se, sobretudo os setores mais escolarizados e mais elevados nas classes sociais", continua, até "denúncia e prisão de Queiroz, que causaram abalo no entorno presidencial".

Docente na Faculdade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, Rodrigo Prando interpreta esse discreto aceno de bandeira branca por Bolsonaro como um modo de disfarçar para as bases a aliança com os partidos do "centrão".

"Ele está recuado porque se aproximou do centrão e especialmente do Gilberto Kassab, que tem ajudado na costura política", aponta. Mas também porque "está encalacrado no STF", onde transcorrem três inquéritos com grande potencial de desgaste para ele: o das fake news, o de suposta interferência na Polícia Federal e o que apura financiamento de atos antidemocráticos.

Além disso, lembra o analista, "tem a prisão do Queiroz, que fez ele tirar o pé do acelerador".

Prando pondera, no entanto, que é "preciso mais do que apenas duas semanas em silêncio para a gente ver se ele superou um ano e meio de confrontos cotidianos em relação a outros poderes, governadores, prefeitos e instituições".

A ressalva é feita por outros observadores do cenário atual. Professor e pesquisador, o cientista político Cleyton Monte reconhece que houve uma "pressão forte do agronegócio e de parceiros comerciais sobre o Governo para reduzir" o grau de tensionamento institucional, mas que se trata de "uma mudança mais pragmática".

Monte projeta que esse Bolsonaro "paz e amor" tem hora para acabar. "Isso não pode durar porque vai de encontro ao que a raiz do bolsonarismo é. A visão que eles (apoiadores) têm é a do presidente da reunião de 22 de abril", diz, em referência ao encontro ministerial no qual o presidente xingou governadores e o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, defendeu a prisão de magistrados.

"Bolsonaro está apenas ganhando tempo. Vai esperar para que a equipe econômica e outros assessores trabalhem, inclusive no arranjo do auxílio emergencial", cita. "Outro motivo é que ele precisa de silenciamento por causa da aproximação de um esquema clássico da política."

"Foi um recuo, mas não uma mudança", acrescenta Prando. Sobre a possibilidade de que Bolsonaro esteja apostando de fato numa redução de conflitos, o pesquisador reflete: "Pode ser que seja, mas isso leva mais tempo e ele tem que fazer alguns acenos que ainda não fez".

E então menciona a transmissão ao vivo pelas redes na qual Bolsonaro receitou hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19 - o medicamento não tem eficácia comprovada cientificamente. "É uma atitude distante daquilo que se espera de um presidente comprometido com a saúde", conclui.

 

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