Os pais são a primeira relação social que os filhos constroem, virando referência e simbolizando conforto e confiança para a criança. E é essa sensação de porto seguro que leva crianças e adolescentes a confiarem nos pais para denunciar casos de assédio sexual. No entanto, manter esse relacionamento de confiança depende da presença ativa dos pais na vida dos jovens.
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Para isso, a psicopedagoga Ticiana de Sá reforça a importância dos responsáveis conversarem sobre "o corpo, a vida e as relações do filho no mundo" desde a infância. Isso envolve abrir espaços para o diálogo sem julgamentos: "A criança poder dizer tudo o que está vivendo sem nenhum julgamento de valor. Essa responsabilidade é o que forma a autoestima, autonomia e personalidade da criança", afirma.
São esses pais presentes os que mais conhecem os filhos e conseguem identificar alterações comportamentais estranhas, que podem ser sinais de envolvimento em casos de assédio sexual. Muitas vezes, os sentimentos de culpa e vergonha da vítima podem impedi-la de falar sobre a violência, apesar de confiar nos pais, reforçando a necessidade de atenção constante aos modos dos jovens.
Em situações do tipo, o alerta para a escola pode partir dos responsáveis. "Os pais que identificam (sinais de assédio) podem incentivar a escola a debater sobre o tema de assédio. Fazer reuniões com os pais de modo geral e com as crianças e adolescentes, para que eles também possam identificar e denunciar casos", sugere a psicóloga Rebeca Fontgalland.
Inclusive, esse contato com a instituição precisa vir de uma lógica de parceria, em vez de rivalidade. "Ninguém quer que casos de assédio aconteçam", lembra a psicóloga Thaisa Nobrega. "As brigas entre as partes nesse momento podem fazer com que a vítima sinta-se (mais) culpada pelo ocorrido. Além disso, são pouco produtivas e se perde a comunicação e o foco para a resolução do problema", ressalta.
Outra responsabilidade dos pais é conhecer com quem os filhos convivem. "Uma coisa boa de ter proximidade com o filho é você conhecer os amigos dele. Assim, você acaba auxiliando o próprio jovem a filtrar o que os amigos fazem e falam", explica a psicóloga Jéssica Rosa. Afinal, existem casos em que os adolescentes se sentem na necessidade de cometer ou apoiar assédios sexuais pela pressão social do grupo de colegas.
Na compreensão das especialistas, os pais e responsáveis devem criar uma rede de apoio que se demonstre disposta a ouvir, acreditar e proteger as crianças e adolescentes. "A família é lugar do sentimento de proteção. Quando esses vínculos são rompidos ou deturpados, há um impacto muito significativo na formação da personalidade, além de casos muito severos de depressão", comenta Ticiana.
"Esses vínculos são poderosos. A criança e o adolescente precisam acessá-los de alguma forma para conseguir ressignificar aquela dor, para ter uma rede de proteção e para entender que não é culpa deles", reforça a psicopedagoga. Os responsáveis precisam estabelecer um espaço de diálogo amoroso e empático capaz de demonstrar ao jovem que, apesar de tudo, ele não está sozinho e pode ter alguém em quem confiar.
Sinais de que seu filho está envolvido em situações de assédio
Nem sempre as crianças e adolescentes falam oralmente sobre estarem envolvidos em casos de assédio, mas sempre demonstram por meio de alterações comportamentais.
Crianças
Crianças que foram assediadas ou abusadas sexualmente podem apresentar:
- Enurese (perder o controle da urina);
- Dificuldade em dormir;
- Pesadelos;
- Insegurança;
- Irritação, com algumas explosões emocionais;
- Distúrbio alimentar, como comer demais ou perder o apetite;
- Choros excessivos;
- Regredir no desenvolvimento, como perder a autonomia em algumas tarefas;
- Retração, tendência a se isolar;
- Começar a falar sobre sexo mais recorrentemente, com termos ou palavras que ela não costumava utilizar.
Adolescentes
Adolescentes que foram assediadas ou abusadas sexualmente podem apresentar:
- Transtornos alimentares;
- Hipersexualização do corpo;
- Autoestima muito negativa;
- Uso extremo das redes sociais;
- Aparência de preocupação;
- Tendência a se isolar;
- Agressividade;
- Não querer ir à escola ou matar aula;
- Queda no rendimento escolar;
- Estado constante de alerta, como se assustar exageradamente com toques;
- Ansiedade ou depressão;
- Automutilação.
E quando o adolescente é o agressor?
Identificar adolescentes que são os agressores é mais complexo. As psicólogas explicam que muitas vezes os abusadores têm um contexto familiar com histórico de violência (física, psicológica ou sexual) ou abandono. Além disso, muitos têm a autoestima comprometida, entendendo que poderão “ter algo do outro por meio da força ou da coerção”. É importante prestar atenção nos seguintes comportamentos:
- Tendência a objetificar o corpo feminino;
- Dificuldade de lidar com regras;
- Noção de empatia comprometida, como achar graça de situações que causam sofrimento a outros.
Fonte: psicólogas Jéssica Rosa, Rebeca Fontgalland, Thaisa Nobrega e Ticiana de Sá
Indicações de leituras sobre o papel das famílias na prevenção ao assédio e outras violências
Especialistas dão indicações de leituras para pais e responsáveis se aprofundarem no universo de uma parentalidade mais presente e confiável.
A auto-estima do seu filho, por Dorothy Corkille Briggs
Editora Martins Fontes
A partir da experiência profissional e materna da autora, A Autoestima do seu filho propõe soluções práticas para uma educação familiar melhor, que promova um modelo de autoconfiança entre filhos e pais.
Abuso sexual em crianças: fortalecendo pais e professores na proteção a criança contra abusos sexuais e pedofilia, por Christiane Sanderson
Editora M. Books
Em Abuso sexual em crianças, a autora apresenta estratégias para a proteção das crianças e capacita pais e professores a distinguir o desenvolvimento sexual normal do desenvolvimento atípico, além de reconhecer os sinais de advertência do abuso
sexual infantil.
Pais presentes, pais ausentes: regras e limites, por Paula Inez Cunha Comide
Editora Vozes
No livro Pais presentes, pais ausentes, a autora demonstra as consequências negativas de algumas práticas educativas, reforçando as formas mais adequadas de relacionamento entre pais e filhos.
Eduque com carinho: equilíbrio entre amor e limites, por Lídia Weber
Editora Juruá
Eduque com carinho objetiva tornar os pais e responsáveis mais conscientes do papel que têm como educadores. Para isso, a autora promove os Doze Princípios da Educação Positiva, que apontam o ato de ensinar como uma parceria saudável com os filhos.
Aprendendo a prevenir: orientações para o combate ao abuso sexual contra crianças e adolescentes, por Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude
A cartilha desenvolvida pelo Ministério Público (MP) é um manual sobre o abuso sexual contra crianças e adolescentes. O texto explica os pormenores relacionados ao tema e instrui como identificar e denunciar os abusos, além de como apoiar as vítimas.
Fontes: Psicólogas Jéssica Rosa, Thaisa Nobrega e Ticiana de Sá
Foi vítima de violência sexual na escola? Saiba o que fazer para denunciar
Passo 1 - Conte para um adulto confiável, como pais e responsáveis
Quando as vítimas são menores de idade, o apoio de adultos é muito importante. Eles são uma ponte entre a vítima e as instituições. Perante a lei, menores de idade ainda não têm capacidade plena para lidar com algumas burocracias da denúncia.
Mas se a vítima não tiver um adulto de confiança, é possível realizar a denúncia sozinha.
Passo 2 - Denuncie formalmente na Delegacia e para a Direção escolar
Na Delegacia, é preciso registrar um Boletim de Ocorrência (BO), que pode ser preenchido eletronicamente: https://www.delegaciaeletronica.ce.gov.br/beo/.
Outros meios de denúncia são o Disque-Denúncia, pelo número 181, Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca), telefone 85 3101.2044, e Ministério Público do Ceará, pelo email: dignidadesexual@mpce.mp.br
Passo 3 - Apresente todas as provas e informações possíveis
Capturas de tela (prints) de conversas do celular, informações sobre o agressor, dia da violência e circunstâncias serão de grande ajuda para os investigadores do caso.
Não é preciso ter medo: as autoridades policiais garantem o sigilo das denunciantes.
Passo 4 - A autoridade policial irá instaurar um procedimento. Como responsável, apoie a vítima!
O processo da denúncia acabou, mas é preciso manter atenção! O responsável deve apoiar a vítima e pode acompanhar o andar das investigações.
Também é essencial estar informado se a escola tomou ações coerentes: Os profissionais denunciados foram afastados? A escola está apurando internamente os casos?
Lembre-se: a vítima é sempre a prioridade.
Qualquer adulto pode acompanhar a vítima para registrar a denúncia, sejam pais de amigas ou parentes distantes. Também é possível realizar a denúncia sozinha. Não se cale!
Fonte: Sarah Suzye, advogada criminalista e professora de Direito Penal