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Apesar da perspectiva de retorno, greve de jogadores da NBA cria movimento único contra o racismo
Reportagem

Apesar da perspectiva de retorno, greve de jogadores da NBA cria movimento único contra o racismo

Atitude de atletas da maior liga de basquete do mundo inicia onda de apoio de esportistas nos EUA
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Bandeira dos Estados Unidos ao contrário em quadra vazia de jogo adiado (Foto: AFP)
Foto: AFP Bandeira dos Estados Unidos ao contrário em quadra vazia de jogo adiado

Em 5 de abril de 1968, os então jogadores Bill Russell e Wilt Chamberlain, da NBA, tentaram boicotar o primeiro jogo das finais de conferência entre Boston Celtics e Philadelphia 76ers como protesto pelo assassinato de Martin Luther King Jr. Não obtiveram o consenso dos companheiros e a empreitada foi cancelada. Ou adiada.

Pouco mais de 52 anos depois, o exemplo seria seguido e, finalmente, a NBA, principal liga de basquete do mundo, viu jogos de playoffs serem boicotados como forma de forçar na sociedade a reflexão sobre injustiça racial.

Nessa quarta-feira, 26, o Milwaukee Bucks decidiu não entrar em quadra no mata-mata. O adversário da série, Orlando Magic, seguiu o exemplo. A onda ganhou força e os jogos da liga desde então não aconteceram, com cinco cancelamentos até ontem. A tenista negra (e asiática) Naomi Osaka se retirou de semifinal do WTA de Cincinatti, que acabou adiada em favor da decisão da japonesa. Jogos das ligas de beisebol, hóquei no gelo e futebol foram postergados.

O estopim para o clamor por justiça é o caso Jacob Blake, homem negro baleado sete vezes nas costas por policial em Kenosha, Wisconsin — estado dos Bucks. A ideia dos jogadores é pressionar o debate e forçar ação do sistema jurídico dos Estados Unidos, segundo a nota lançada pelos atletas do time.

"Nos últimos dias no nosso estado de Wisconsin nós vimos o vídeo horroroso de Jacob Blake sendo alvejado sete vezes nas costas pela polícia na cidade de Kenosha, além de tiros em manifestantes. Apesar do nosso exaustivo pedido de mudança, não tem havido nenhuma ação, portanto o nosso foco hoje não é o basquete. Estamos exigindo justiça por Jacob Blake e que os policiais envolvidos no caso sejam julgados. Também encorajamos todos os cidadãos para se educarem (sobre injustiça racial) e tomarem ações pacíficas e responsáveis", falaram os dois porta-vozes.

A atitude histórica dos jogadores dos atletas demarca um novo ponto de inflexão no debate racial e sobre desobediência civil. No Brasil, o diretor-executivo do Observatório de Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Carvalho, enfatizou a importância do movimento.

"É muito importante para a luta antirracista essa manifestação dos jogadores e dos clubes porque demonstra a força que os atletas engajados estão conseguindo mostrar na NBA e nos Estados Unidos. Num país onde a questão comercial está sempre à frente, você não ter um jogo por uma reivindicação num protesto antirracista é importante demais, tem muito significado para toda a população negra norte-americana e mundial", destaca.

Em um primeiro momento, a NBA também apoiou os protestos antirracistas, adiando jogos de ontem. Contudo, nestes dois últimos dias, foi discutida internamente a possibilidade do cancelamento de toda a temporada da principal liga, algo que assusta os investidores. Jogadores da dupla de Los Angeles, Lakers e os Clippers, votaram pelo boicote — algo que seria veementemente defendido por Lebron James, maior astro do basquete mundial. Lideranças das demais franquias, porém, votaram pelo reinício após o hiato indefinido na temporada.

"A gente está vendo o primeiro embate (boicote dos jogos), que a NBA acabou apoiando, adiando até jogos da rodada. Mas é preciso prestar muita atenção se a NBA vai acatar a decisão dos atletas se eles decidirem não jogar mais. Aí veremos se a liga estará mesmo ao lado dos jogadores na luta antirracista", cobra Marcelo Carvalho.

Segundo o repórter da ESPN e especialista na NBA, Adrian Wojnarowski, na tarde de ontem ficou definido que os jogos vão ser retomados, restando apenas definir se ainda nesta sexta-feira ou no sábado.

Com o objetivo de amparar a população que protesta nas ruas enquanto eles estão "presos" na bolha segura montada pela liga para impedir contaminação pelo novo coronavírus, os atletas da NBA criaram eco no debate racial. Bill Russell, aos 86 anos, disse estar orgulhoso. Wilt Chamberlain, que morreu em 1999, também deve estar. O novo patamar da luta antirracista no esporte foi atingido. "Problema bom", definiu o ex-pivô do Boston Celtics.

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