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Territórios continuam proibidos em Fortaleza
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Territórios continuam proibidos em Fortaleza

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Pichações de facção demarcam território (Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Pichações de facção demarcam território

Em janeiro de 2016, quando O POVO levantou a informação de que uma pacificação entre facções criminosas era urdida nos bairros onde o Governo do Ceará e a Prefeitura de Fortaleza eram menos, a cobertura jornalística foi alvo de críticas de gestores públicos. Não havia alegria na divulgação de uma "paz às avessas" costurada pelo crime organizado para favorecer negócios do tráfico.

No começo daquele ano havia uma desconfiança de que os criminosos de Fortaleza estavam firmando um pacto porque teriam entendido que o inimigo comum era o Estado político policial. Em vez de se matarem, seria melhor unir forças numa trégua sem misturar os negócios.

Cartas apócrifas, assinadas pelo "crime do Estado do Ceará", também induziam que a união entre bandidos rivais teria sido impulsionada pela Chacina do Curió (12/11/2015). Uma carnificina resultante na execução de 11 pessoas e que as investigações da Controladoria Geral de Disciplina e do Ministério Público apontaram 45 PMs como acusados da autoria do crime. Desses, 34 foram pronunciados. O processo, até hoje, está emperrado no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).

A Chacina do Curió era apenas uma desculpa na narrativa das facções na quietação. O que estaria em jogo, na verdade, era o lucro oriundo dos negócios do crime dentro e fora do sistema penitenciário. Matando-se, "o prejuízo" era maior.

Notícias sobre a "paz" correram nos zaps e Face. Uma matéria do O POVO, de janeiro de 2016, dava conta de que na zona leste de Fortaleza, alguém comemorava. "Tamo junto, bairro Vicente Pinzon e comunidades Piniquim, Favelinha, Buraco, Marrocos, Conjunto, Pé do Morro, Beco do 12. Todo o Castelo Encantado lutando pela paz. Parar com esse derramamento de sangue que não leva ninguém a nada. Só destruição (...). Concordância geral, comunidade".

Assim foi, e, como consequência, até uma queda no índice de homicídio apareceu nas estatísticas do Ceará. Porém, não durou muito, e os conflitos pela disputa dos territórios revelaram contornos mais brutais ainda nos bairros.

Um código de conduta previa desde regras de deslocamentos para moradores e forasteiros - como tirar capacete ou andar de vidro baixo em carros com fumê - a tribunais do crime. Julgamentos que decidiam por esquartejamentos, decapitações, incinerações e outras sentenças para rivais e desafetos.

Justiçamentos, muitas vezes, filmados e compartilhados sem cortes. Expulsões de moradores de imóveis, conjuntos habitacionais inteiros marcados com as iniciais das facções. Estava delimitado quem mandava naquela quebrada. Medo e terror na periferia de Fortaleza.

Em 2019, com a chegada de Mauro Albuquerque à Secretaria da Administração Penitenciária, o cenário mudou um pouco nos bairros porque se mexeu no presídio. Albuquerque, com mão de ferro e acusado de exageros, desfez o esquema das facções no sistema carcerário.

Vieram duas grandes ondas de ataques públicos. E o Estado foi obrigado a declarar "guerra" contra chefes faccionados e um exército de jovens e adolescentes miseráveis recrutados para tocar o terror. O Governo envergou, mas não cedeu. Conseguiu fazer centenas de prisões e transferir cabeções para presídios federais.

Houve um refresco. A Segurança Pública de André Costa respirou, baixou índices de homicídios, comemorou bases em territórios antes dominados pelas facções. Mas veio o motim partidário de PMs e uma cruzada de braços nos quartéis do Ceará.

As facções se reanimaram. Viram oportunidade para a retomada de territórios sem policiamento e acéfalas de chefes presos durante a segunda onda de ataques. O papocado de fogos passou a ser sinal de reconquista.

Infelizmente, os vários territórios continuam sitiados pelo domínio do medo. Onde o Estado é mínimo. Nas zonas eleitorais miseráveis, onde candidatos a prefeito só chegam forte em época de eleições, há ruas, becos e quarteirões proibidos.

 

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