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Proteção a adolescentes ameaçados por facções teve interrupção no Ceará
Reportagem

Proteção a adolescentes ameaçados por facções teve interrupção no Ceará

Levantamento do Comitê Cearense de Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA) revela que assassinatos com vítimas entre dez e 19 anos no primeiro semestre de 2020 já é maior do que em todo o ano de 2019
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Moradores são ameaçados e postos para fora de casa por facções (Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Moradores são ameaçados e postos para fora de casa por facções

O contexto de violência que cerca adolescentes em situação de vulnerabilidade no Ceará se acentuou em 2020. Entre abril e setembro deste ano, o Programa de Proteção de Crianças e Adolescentes ameaçados de Morte (PPCAAM) foi interrompido no âmbito local. Isso porque o convênio que permite o atendimento encerrou e não foi recomposto de imediato. A ameaça, em sua maior parte, está relacionada à violência de facções criminosas.

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Levantamento do Comitê Cearense de Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA) revela que 409 homicídios na faixa etária de dez a 19 anos foram registrados no primeiro semestre de 2020. Isso representa 150% a mais do que no mesmo período de 2019. Ao longo de todo o ano passado, foram 355 casos. Daniele Negreiros, assessora técnica do comitê, destaca que o PPCAAM é o único programa do Estado que tem "condições de fazer deslocamentos e dar assistência" a crianças e adolescentes ameaçadas de morte. Ela afirma que entre os meses de abril a setembro, as famílias que participavam do programa foram desligadas.

O cenário de pandemia agravou ainda mais a condição de vulnerabilidade das vítimas. "Foi muito grave a gente ter passado por esse período sem a atuação desse programa", analisa. Um núcleo federal dá suporte nos casos em que o Estado não têm o programa ou quando há interrupção. "Mas obviamente não se compara com a própria equipe do Estado trabalhando e atendendo os casos. É um paliativo", compara. Ela frisa que já houve outros lapsos de continuidade no programa. "A gente ainda precisa avançar muito para agilizar esse trâmite para que não tenham esses lapsos conveniais", completa.

No Brasil, o homicídio é a principal causa de óbitos entre meninos de 15 a 19 anos, correspondendo a 55,6% dos casos. O Ceará foi o estado com a terceira maior taxa de homicídios (118,4) de jovens por 100 mil habitantes, segundo dados do Atlas da Violência 2020, que utilizou dados de 2018.

O PPCAAM é um dos três programas que compõem o Sistema Estadual de Proteção a Pessoas, da Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS), que trabalha em convênio com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O programa, no entanto, é executado por Organizações Não Governamentais.

Segundo Renan Santos Pinheiro, assessor jurídico do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Ceará (Cedeca), desde o encerramento do convênio no dia 30 de abril deste ano, o programa se encontra "extremamente fragilizado". Com isso, dos nove meses deste ano, cinco foram sem a prestação do que ele considera ser o principal serviço de proteção a crianças e a adolescentes ameaçados de morte, "de maneira a comprometer substancialmente seu funcionamento".

"Com efeito, é possível considerar que, quanto aos aspectos estruturais, as condições são suficientes", avalia o assessor jurídico, sobre a equipe de profissionais que atua no programa. "Não obstante, existem fragilidades e entraves no âmbito da política de proteção social e no sistema de garantias de direitos da infância que acabam limitando o atendimento realizado", pondera.

Conforme a procuradora de Justiça Elizabeth Almeida, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (Caopij), do Ministério Público do Estado do Ceará, o programa é muito procurado. Dependendo dos casos, a vítima e a família podem ser deslocadas para outro município ou estado. "É um programa muito bom. Tenho ouvido reclamações em relação à celeridade da inclusão. Vamos começar um período novo e vamos poder avaliar melhor", explica.

Conforme Rachel Saraiva Leão, supervisora do Núcleo de Apoio aos Programas de Proteção da SPS, o termo de colaboração com a Terre des Hommes, ONG que executará o programa, já está vigente. Neste mês, será feito repasse da parcela para início da execução. "Não tem como negar que é diferente você ter uma equipe aqui no Estado que consegue, talvez, com maior agilidade atender às demandas. Mas fato é que todas as demandas que recebemos foram acolhidas e encaminhadas para o núcleo técnico federal. E até pelo momento que a gente tem vivido, eles conseguiram rapidamente realizar atendimentos pessoais, nós transferimos casos nesse período. Tivemos inclusões no programa", diz.

 

Cerca de 53% dos meninos assassinados no Ceará já haviam sofrido ameaças de morte

A morte de jovens em situação de vulnerabilidade por grupos criminosos segue um padrão. Levantamentos do Comitê Cearense de Prevenção de Homicídios na Adolescência revelam que a ameaça precede os assassinatos em mais da metade dos casos. Nesse contexto de violência que afeta diretamente os jovens, o Programa de Proteção de Crianças e Adolescentes ameaçados de Morte (PPCAAM) é essencial para resguardar a vida e os demais direitos dessa parcela da população. Cerca de 53% dos meninos assassinados no Ceará já haviam sofrido ameaças de morte. 

"A gente tem cada vez mais visto o quanto que a morte é previsível. Existem sinais de alerta e a ameaça é um deles. São dados a partir de familiares, do que eles ouviram. O número deve ser maior. Todo um ambiente cerceado e que gira em torno da ameaça que precede um homicídio. A história de cão que ladra não morde não é verdade", explica Daniele Negreiros, assessora técnica do comitê.

Das meninas vítimas de homicídio, 57% sofreram ameaça antes da morte. Destas, 50% foram ameaçadas por redes sociais, de acordo com seus familiares. As ameaças à vida das adolescentes ocorrem tanto por WhatsApp quanto em páginas abertas no Facebook. Documento do comitê aponta ainda que 42,62% eram impedidas de frequentar algum território e 35,06% tinham medo de ir a algum lugar.

Renan Santos Pinheiro, assessor jurídico do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Ceará (Cedeca), frisa que a maioria das crianças e adolescentes que precisa acessar o serviço prestado pelo PPCAAM encontra-se em condições de extrema vulnerabilidade social. "Diante do contexto de violência urbana de Fortaleza, adolescentes acabam sendo ameaçados pela dinâmica criminal da própria cidade", destaca. (Ana Rute Ramires)

 

Para ter acesso à proteção

— O ingresso no PPCAAM se dá através de quatro portas: Defensoria Pública, Conselho Tutelar, Ministério Público e Poder Judiciário.

— Após preenchimento de ficha de pré-avaliação, ficha de pré-avaliação, descrevendo a situação, o caso é caminhado à equipe técnica do programa, que marca atendimento e analisa se a situação se enquadra no perfil do PPCAAM.

— São levados em conta cinco fatores na avaliação: urgência e a gravidade da ameaça; situação de vulnerabilidade do ameaçado; interesse do ameaçado; outras formas de intervenção mais adequadas; e preservação e o fortalecimento do vínculo familiar.

— A equipe do PPCAAM tem 15 dias para dar retorno à solicitação.

— O ingresso no PPCAAM/CE não é condicionado à colaboração em processo judicial ou inquérito policial.

— Além do jovem, a proteção pode ser estendida aos responsáveis, companheiros, ascendentes, descendentes, dependentes, colaterais e quaisquer outros que tenham, comprovadamente, convivência habitual com o ameaçado.

— O Programa poderá ser estendido ao jovem de até 21 anos.

— O desligamento do programa pode se dar a qualquer momento, por solicitação do protegido ou decisão do Conselho Gestor, em consequência de cessação dos motivos que ensejaram a proteção, consolidação da inserção social segura do protegido ou descumprimento de regras de proteção.

Fonte: Fonte: Decreto nº 31.190/2013, SPS e Defensoria Pública

Como entrar em contato com as instituições para ingresso no PPCAAM:

Defensoria Pública: Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública da Infância e da Juventude (NADIJ) — (85) 3275 7662 / 98895 5716 (WhatsApp). Das 8 às 17 horas. 

Conselho Tutelar: (85) 3238 1828 / (85) 98970 5479. De segunda a sexta-feira, das 17h às 8h; sábados, domingos e feriados, 24 horas.

 

Perfil das pessoas protegidas pelo PPCAAM no Brasil

Sexo masculino (76%)
Raça negra (75%)
Faixa etária entre 15-17 anos (59%)
Ensino fundamental incompleto (95%)
Morador da capital (63%)
Tem a genitora como principal referência familiar (75%)
Renda familiar é de até 1 SM (57%)
Ameaça se deve ao envolvimento com o tráfico (60%)
Porta de entrada principal é o Conselho Tutelar ou o Poder Judiciário (70%)
Protegido é acolhido na modalidade familiar (42%) e institucional (34%)
Tempo de permanência no PPCAAM é de cerca de 6 meses (53%)
Desligamento ocorre por consolidação da inserção social e cessação da ameaça (50%)

Fonte: Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos

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