Quase 40 dias após a eleição nos Estados Unidos, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido), reconheceu a vitória do presidente eleito dos EUA, o democrata Joe Biden. Alinhado ideologicamente com o atual presidente, Donald Trump, Bolsonaro chegou a dizer que apoiava a reeleição de Trump e que viajaria a Washington para a cerimônia de posse. Ele recusava-se a reconhecer a vitória de Biden antes do Colégio Eleitoral definir o vencedor.
O chefe de Estado brasileiro foi um dos últimos a cumprimentar Biden. “Saudações ao presidente Joe Biden, com meus melhores votos e a esperança de que os EUA sigam sendo ‘a terra dos livres e o lar dos corajosos’”, escreveu no Twitter, na tarde desta terça-feira, 15, acrescentando que está pronto para “dar continuidade à construção de uma aliança Brasil-EUA, na defesa da soberania, da democracia e da liberdade em todo o mundo”.
- Saudações ao Presidente @JoeBiden , com meus melhores votos e a esperança de que os EUA sigam sendo “a terra dos livres e o lar dos corajosos".
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) December 15, 2020
A postura de Bolsonaro quebra a boa prática diplomática, que aponta o reconhecimento da vitória de um líder, mesmo opositor, como parte do jogo democrático. O gesto é importante pelo entendimento comum de que os governos são passageiros, mas as relações entre as nações devem permanecer. O viés ideológico e a identificação pessoal de Bolsonaro com Trump fizeram com que presidente e aliados assumissem postura não tradicional.
Geralmente o Brasil reconhece e felicita o presidente eleito dos EUA pelo menos até o dia seguinte à confirmação do resultado pela imprensa. O próprio Bolsonaro, antes de ser presidente, parabenizou Trump após vitória em 2016, antes mesmo do Colégio Eleitoral sacramentar o resultado. Nesta semana, os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e do México, Andrés Manuel López Obrador, também se manifestaram sobre o resultado. Agora, somente o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, segue sem congratular Biden.
Cleyton Monte, professor vinculado ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem-UFC), aponta que a demora do governo brasileiro sinaliza “alinhamento com o trumpismo”. “Há uma leitura de que Trump não saiu totalmente enfraquecido da disputa. Um dos filhos de Bolsonaro, Eduardo, trabalha muito com a ideia de um movimento conservador mundial. E dentro dessa ideia de onda conservadora, Trump ainda é um fator significativo”, pontua
Monte projeta que o governo brasileiro não será prioridade para o país ao Norte e projeta, do ponto de vista da política internacional, que o Brasil pode, inclusive, sofrer pressões dos americanos. Sobretudo a respeito do desmatamento na Amazônia e em outras regiões.
“O governo Biden já sinalizou pressão ao governo brasileiro nesse tema. No sentido de aplicar sanções ao Brasil por conta da Amazônia. Não lembro de um candidato a presidente (agora eleito) falar com o Brasil nesse tom e intensidade. É algo novo”, explica o pesquisador.
Do ponto de vista econômico, Monte ressalta que a relação entre Brasil e EUA não deve sofrer alterações significativas. “A balança comercial deve ser mantida até porque a agenda de Biden é pró-globalização. Os maiores impactos ocorrerão na agenda internacional. Não consigo ver Bolsonaro e Biden costurando acordos e apoios. Devem figurar de lados opostos no debate e nas organizações internacionais multilaterais”, projeta.