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Por que Bolsonaro aposta no Telegram
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Por que Bolsonaro aposta no Telegram

| Eleições | Presidente tenta repetir no Telegram desempenho que lhe garantiu vitória em 2018 através da propagação de mensagens em massa
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Presidente Jair Bolsonaro deverá se filiar ao PL na próxima terça-feira 
Foto: Alan Santos/Presidência da República (Foto: Alan Santos/Presidência da República)
Foto: Alan Santos/Presidência da República Presidente Jair Bolsonaro deverá se filiar ao PL na próxima terça-feira Foto: Alan Santos/Presidência da República

Dias depois da queda que paralisou a rede social Whatsapp no início de outubro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) comemorou no Twitter: "Ultrapassamos 1 milhão de seguidores no Telegram. Seja bem-vindo a mais este novo canal com muito mais informações diárias".

Horas antes, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) já havia se manifestado. Deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) também festejou o crescimento no mensageiro rival da rede de Mark Zuckerberg.

O comportamento do clã não é casual: criado em 2013, o Telegram se tornou aposta do bolsonarismo para as eleições do ano que vem. E, a crer nos números do aplicativo, concorrente do Whatsapp e sem as suas limitações, Bolsonaro larga na frente na tentativa de fazer de 2022 uma repetição de 2018.

Divulgada em setembro último, a pesquisa "Panorama Mobile Time/Opinion Box - Mensageria no Brasil" mostra que o Telegram está hoje em mais da metade dos smartphones brasileiros - 53%. Apenas um ano antes, em agosto de 2020, esse índice era de 35%.

Somente no dia do apagão do Whatsapp, em 4/10, Bolsonaro ganhou 20 mil seguidores em seu canal na plataforma. Para efeito de comparação, o ex-presidente Lula (PT) tem, ao todo, 35 mil inscritos - Ciro Gomes (PDT) possui 19 mil.

Embora o Whatsapp ainda domine os telefones, com 99% de presença nos aparelhos, o Telegram detinha fatia de apenas 15% três anos atrás, segundo dados da pesquisa. O avanço do "aviãozinho de papel", ícone da plataforma, é exponencial, avaliam pesquisadores ouvidos pelo O POVO.

Isso explica parte do interesse de Bolsonaro pelo Telegram, analisa o antropólogo e professor do Departamento de Estudos de Mídia na Universidade da Virgínia (EUA), David Nemer.

Para o pesquisador, "diversos fatores têm motivado Bolsonaro e os personagens conhecidos do bolsonarismo a irem para o Telegram". Um deles é a quase absoluta falta de moderação e de limites para propagação de conteúdos.

"Tem os fatores de plataforma, já que os grupos permitem até 200 mil usuários lá dentro e não há limite de compartilhamento de mensagens, logo não há limite de compartilhamento de desinformação", aponta Nemer, para quem essa uma variável decisiva na escolha do presidente, mas não a única.

"A plataforma tem diversas outras funcionalidades, como fazer pesquisa e questionário. E os canais trazem uma questão que é bem diferente dos grupos de WhatsApp", continua o professor.

Como exemplo, ele cita que, nos grupos do Telegram, "existe uma noção unidirecional de compartilhamento de informação, ou seja, só os administradores ou as pessoas autorizadas conseguem compartilhar informação nesses canais".

"É muito mais fácil radicalizar as pessoas num canal em que só há informação que você controla (o 'gatekeeper') do que se abrir espaço para as pessoas questionarem esse tipo de conteúdo", adverte.

Alvo de investidas do Supremo Tribunal Federal (STF) e de redes como Twitter e Facebook, Bolsonaro e aliados procuram então um novo Éden para se movimentar sem os impedimentos legais que esses grupos lhes impõem, legal e financeiramente.

E parecem ter encontrado, afirma Serge Katembera, doutor em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Para o pesquisador, "que o Telegram vai assumir um papel importante nas próximas eleições já não há dúvidas".

De acordo com ele, há dois motivos para isso: "O controle cada vez maior no sentido das restrições que as redes de extrema-direita encontram no Whatsapp e Twitter e a capacidade de mobilização que a arquitetura do Telegram possibilita, sobretudo essa faculdade de abrigar milhões de seguidores num único canal".

Enquanto o Whatsapp limita os grupos a 256 membros, o Telegram fixa o teto de 200 mil - para canais, simplesmente não há limites. Outra diferença está na estrutura. O Whatsapp permite envio de vídeo, fotos e áudios com até 16 MB. No Telegram, esse patamar é de 2 GB.

Fora isso, há os mecanismos de busca, que facilitam encontrar conteúdo de todos os tipos, de nazistas a pedofilia, passando por comércio ilegal de armas e outros. Nesse ponto, a rede criada por dois irmãos russos funciona como uma espécie de "8chan" - o fórum habitado por alt-right, channers trumpistas e supremacistas.

Katembera reflete, no entanto, que ainda é cedo para avaliar eventuais ganhos de Bolsonaro, principalmente eleitorais. "Está claro que ele cresce no aplicativo", ele diz, "mas me parece ser um efeito de migração".

Conforme o estudioso, "não podemos esquecer que, com o cerco do inquérito do Supremo, as redes de mobilização e os outros canais de propaganda do presidente foram cortados ou silenciados" e "é normal que tentem reagrupar".

"O que também está claro", conclui o professor, "é que o Telegram funciona como uma via de escape, ou seja, as eleições de 2022 terão as mesmas circulações de fake news, talvez mais, porém devem circular entre membros já convertidos".

Pesquisadora do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social/Mackenzie, Carolina Botelho concorda. Para ela, a estratégia de deslocamento para o Telegram "é fugir da limitação imposta pelo STF na figura do Alexandre de Moraes".

"As instituições demoraram", indica Botelho, "mas enfim perceberam o movimento organizado de distribuir fake news e atiçar a base eleitoral através de redes como Whatsapp e YouTube. Eles estão se antecipando ao cerceamento que será cada vez maior e migram para aquelas que têm menor controle, por enquanto".

 

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