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O que vem depois do relatório da CPI
Reportagem

O que vem depois do relatório da CPI

| Senado | Relatório da CPI deve ser aprovado com folga, mas analistas projetam caminho acidentado para o documento na PGR e na Câmara
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Com 1.179 páginas, 15 capítulos, 66 pedidos de indiciamento e 23 tipos penais apontados, o relatório da CPI da Covid apresentado na última semana tem destino certo: a aprovação.

À exceção de uma ou outra alteração no texto, como o acréscimo de mais sete nomes entre possíveis indiciados, o documento preparado pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) não terá dificuldade para assegurar mínimo de votos entre os 11 membros da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). O problema começa depois.

Para analistas ouvidos pelo O POVO, o impacto das revelações trazidas pela CPI depende, em parte, de que o relatório seja levado adiante pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pela presidência da Câmara dos Deputados. Ou seja, de que tenha consequência jurídica, uma etapa que escapa ao controle dos parlamentares do colegiado.

Compete aos dois órgãos (Legislativo e MPF) processar acusação contra Jair Bolsonaro (sem partido), chefe do Executivo, seja por crime comum ou crime de responsabilidade - ambos, se acolhidos e chancelados pelo Supremo, resultariam no virtual afastamento do presidente, condição para que as suspeitas sejam finalmente apuradas.

"O relatório comprova diversas das acusações de crimes cometidos por esses agentes públicos, mas, para que a CPI de fato tenha esse impacto direto nos planos de Bolsonaro para 2022, por exemplo, teria que ser recebida e as acusações serem investigadas e encaminhadas tanto pela PGR quanto pela presidência da Câmara", analisa Lucas Resende, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Segundo ele, porém, Bolsonaro já percebeu onde precisa tentar mover suas peças e neutralizar os efeitos do relatório. Para tanto, antes mesmo do desfecho da comissão, já havia garantido aliados em postos-chave.

"Como ele conseguiu criar essa blindagem institucional com aliados de primeira linha, tanto Aras (chefe da PGR) quanto Lira (presidente da Câmara)", continua o pesquisador, "lamentavelmente isso não vai dar em nada, não enquanto o presidente estiver ocupando o cargo".

Professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), Gabriella Bezerra considera que os desdobramentos do relatório final estão condicionados a uma "outra dinâmica institucional".

"Vai depender de como atores centrais fora do Legislativo vão conseguir levar à frente, permitindo o caminhar dos processos e possível aplicação de sanções ou punições. Essa dinâmica pode não ser suficientemente coincidente com o tempo da disputa eleitoral", aponta.

Nessa hipótese, ainda que as acusações sejam processadas, o tempo da Justiça, como também afirma o cientista político Rodrigo Prando (Mackenzie), difere do da política, sobretudo numa corrida pela sucessão presidencial.

Bolsonaro, assim, pode se beneficiar tanto da distância - as eleições só se realizam dentro de pouco menos de um ano - quanto da morosidade dos procedimentos - implicados no caso do "Mensalão", por exemplo, só foram julgados muitos anos depois de estourado o escândalo.

"O tempo da política é imediato", explica Prando, "e o tempo da Justiça é outro. O desgaste pode chegar a 2022 e os resultados jurídicos apenas depois de 2022". Conforme o analista, porém, tanto num caso quanto no outro, "o relatório é extremamente desfavorável a Bolsonaro e seus familiares, com a gravidade dos fatos imputados".

Responsável pela elaboração do documento que encerra os trabalhos da CPI - o texto será votado na próxima terça-feira, 26 -, Renan Calheiros atribuiu nove tipos penais a Bolsonaro por sua condução na pandemia que matou 600 mil pessoas no Brasil.

Da prevaricação ao charlatanismo, passando por epidemia com resultado morte, infração a medidas sanitárias preventivas, emprego irregular de verba pública e incitação ao crime, o relatório elenca rol de crimes pelos quais Bolsonaro é responsável, no entendimento do relator.

Constam ainda falsificação de documentos particulares, crimes de responsabilidade e crimes contra a humanidade (extermínio, perseguição e outros atos desumanos). Mas qual o custo eleitoral dessas acusações caso não sejam recebidas?

De acordo com Gabriella Bezerra, "não sabemos ainda se o eleitor considerará a ausência de punições como responsabilidade dos atores políticos ou se de fato compreenderá como algo que foge da alçada e competência de uma CPI".

Cientista político na FGV/EAESP e doutor pela USP, Cláudio Couto diverge dessa avaliação. O pesquisador advoga que a CPI e seu relatório já produziram estragos na imagem de Bolsonaro.

"Primeiro por ser capaz de gerar quase que diariamente uma narrativa sobre os fatos que desmonta aquela feita pelo presidente da República, mostrando em detalhes a responsabilidade dele pelo assombroso número de mortos", argumenta o docente.

Couto acrescenta ainda que o trabalho da comissão de senadores resultou em "evidências que poderão ser utilizadas em tribunais nacionais e internacionais contra o presidente, seus filhos e seus aliados, gerando-lhes risco real de condenações pesadas".

"Tudo isso somado", conclui, "abala a candidatura de Bolsonaro à reeleição, fragilizando-o ainda mais, pois o desgasta perante o eleitorado, imediatamente, e dá munição para seus adversários, daqui até o dia da eleição".

 

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