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Guerra faz ressurgir temor de ameaça nuclear
Reportagem

Guerra faz ressurgir temor de ameaça nuclear

| TENSÃO | Apesar dos acontecimentos da última semana, é improvável que o conflito entre Rússia e Ucrânia envolva armas nucleares, mas o perigo ressurgiu no horizonte
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Nuclear bomb or asteroid impact creates a nuke mushroom (Foto: gettyimages/ celafon)
Foto: gettyimages/ celafon Nuclear bomb or asteroid impact creates a nuke mushroom

Os primeiros meses de 2022 ficarão marcados na história como a época em que a guerra retornou à Europa. A invasão russa na Ucrânia trouxe de volta um conflito armado de larga escala no continente pela primeira vez desde a 2ª Guerra Mundial. Enquanto as bombas russas caem entre soldados e civis ucranianos, a comunidade internacional acompanha assustada e incerta os desdobramentos.

11 dias após o início do conflito russo-ucraniano, neste domingo, 6, a volatilidade demonstrada pelo presidente russo Vladimir Putin, fez o mundo questionar o quão real seria uma ameaça nuclear. Sobretudo após ele ordenar que as armas nucleares russas fossem colocadas em posição de "alerta grave" e após a ofensiva nas portas da usina nuclear de Zaporizhzhia, a maior da Europa, tomada pelos russos na última sexta-feira, 4.

Considerada a herdeira natural da União da Soviética (URSS), a Rússia é, hoje, a detentora do maior arsenal nuclear do planeta. De acordo com dados do periódico Boletim de Cientistas Atômicos, de fevereiro deste ano, os russos têm um inventário de 5.977 ogivas nucleares. Somado ao arsenal dos Estados Unidos (5.550 ogivas), os países detêm cerca de 90% das armas nucleares existentes no planeta atualmente (ver gráfico).

Iago Caubi, pesquisador ligado ao Núcleo de Estudos sobre Geopolítica, Integração Regional e Sistema Mundial (GIS-UFRJ), considera a ameaça sobretudo simbólica. "Colocar as armas em alerta é uma mensagem para a Ucrânia, de que o país já perdeu a guerra e precisa aceitar as demandas. E, para o Ocidente, um recado no sentido de frear a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)."

Na guerra russo-ucraniana, a ameaça nuclear é improvável já que o uso desse armamento próximo à fronteira prejudicaria a própria Rússia e porque o objetivo, até então, parece ser mais incorporar território ucraniano do que aniquilá-lo. Demetrius Pereira, professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Publicidade e Marketing (ESPM), descarta uma guerra nuclear a partir do conflito, já que os ucranianos não têm armas do gênero e as potências ocidentais aliadas nem sequer interferiram diretamente.

Pereira analisa ser "loucura pensar que duas potências nucleares possam se atacar". A questão nuclear, segundo ele, acaba aparecendo como "maneira de se chegar a paz ou uma paz armada". Até hoje, só os EUA usaram arsenal atômico em conflito, contra o Japão, na 2ª Guerra.

Desde que outra nação conseguiu produzir armas nucleares, elas não foram usadas em guerras. Entrou em cena o conceito de Destruição Mútua Assegurada (MAD na sigla em inglês), pelo qual o uso de arsenal nuclear em uma guerra entre potências detentoras da tecnologia resultaria na destruição de ambos os lados.

A única vez que a humanidade chegou perto de um conflito nuclear foi em 1962, na crise dos mísseis em Cuba. O risco de destruição mútua fez com que as potências recuassem. Embora ainda existam diversas ogivas no mundo, o número vem caindo, das mais de 70 mil na década de 1980 para as cerca de 13 mil atuais segundo o Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (Sipri).

Outras nações com arsenais nucleares são: China, França, Reino Unido, Paquistão, Índia, Israel e Coreia do Norte. Países como Alemanha, Bélgica, Holanda, Itália, e Turquia abrigam bombas americanas, embora sem controle operacional.

O Tratado de Não Proliferação (TNP), assinado em 1968 e em vigor desde 1970, é o principal acordo para frear a expansão. "Nos termos do tratado, só países que tivessem armas nucleares até uma determinada data, poderiam continuar a tê-las. São eles: EUA, URSS (atual Rússia), China, Reino Unido e França", comenta Demetrius. As outras nações detentoras de armas não são signatárias.

Sobre a possibilidade de países abrirem mão dos arsenais nucleares, os especialistas consideram improvável, mas possível a longo prazo. Eles apontam que um cenário ideal seria fazer com que o TNP fosse um tratado, de fato, universal e com participação de todas as nações, ao passo em que aquelas que já possuem a tecnologia reduzam seus arsenais gradativamente até extingui-los.

No entanto, o embate na Europa reacende o interesse nuclear e segundo Iago Caubi pode trazer à tona discussões internas em algumas potências regionais. "Então alguns países podem querer ter acesso, não necessariamente produzir, mas ter acesso. Isso explica ainda o interesse de participação na Otan que coloca seus membros sob um amplo guarda-chuva nuclear".

O especialista avalia que o "desmantelamento da unipolaridade" representada desde o fim da Guerra Fria pelos EUA pode gerar uma tendência de que acordos como o TNP sejam "questionados por potências médias" e de aumento do interesse nuclear mundial.

 

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