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Decisões judiciais teriam beneficiado grandes devedores da União
Reportagem

Decisões judiciais teriam beneficiado grandes devedores da União

Dois juízes federais cearenses estão entre os investigados da operação Skiagraphia, da Polícia Federal. A acusação é de um suposto esquema de corrupção, com advogados, empresas e servidores, para fraudar dívidas fiscais
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Delegados da Polícia Federal concederam entrevista coletiva ontem (Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Delegados da Polícia Federal concederam entrevista coletiva ontem

Num mapeamento feito ao longo de cinco anos, decisões da Justiça Federal no Ceará passaram a causar estranhamento a procuradores da Fazenda Nacional que atuavam na cobrança da Dívida Ativa da União. Foram sendo listadas como "irregulares", ou no mínimo sob suspeita. Principalmente em processos que envolviam os chamados "grandes devedores". Os fatos foram de 2012 a 2016. Os procuradores chegaram a descrever "preocupante temeridade" com valores que deixaram de ser pagos, que passaram de R$ 1 bilhão. E todos esses processos questionados estavam vinculados à 20ª Vara Federal.

Este foi o mote investigado na operação Skiagraphia, deflagrada ontem pela Polícia Federal em Fortaleza, de um suposto esquema de corrupção para reduzir ou desfazer débitos fiscais vultosos no Ceará junto à União. Entre os investigados aparecem dois juízes federais: Augustino Lima Chaves, que estava até ontem como assessor da presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ); e José Parente Pinheiro, aposentado há cerca de 10 anos, que atualmente mantém um escritório de advocacia. Augustino sucedeu Parente na 20ª Vara Federal.

Os agentes da PF também cumpriram os mandados em endereços residenciais e comerciais em São Paulo, Recife, Brasília e em Dourados (MS). Ao todo, foram 19 ordens judiciais, expedidas pelo Tribunal Regional Federal da 5ª região (TRF-5), todas de busca e apreensão e 15 delas na Capital cearense. Num dos escritórios de advocacia em São Paulo, a PF apreendeu R$ 930 mil em dinheiro.

A investigação foi aberta cinco anos atrás pela Polícia Federal, a partir da notícia-crime apresentada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Segundo Relatório de Investigação Fiscal e Análise Estratégica da PGFN, no período de 2012 a 2014, usado na denúncia do Ministério Público Federal, "identificou-se que foram emitidas 197 Certidões Positivas com Efeito de Negativas, das quais 145 foram emitidas por força de Decisão judicial".

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), foram apontados "padrões nas decisões que determinavam penhora no faturamento" e que as ordens judiciais de Parente teriam sido seguidas "com a mesma dinâmica" por Augustino. A investigação detectou a "participação concentrada" de um mesmo escritório de advocacia na representação dos grandes devedores envolvidos nas irregularidades.

No decorrer do caso, a PGFN e os agentes da Polícia Federal teriam encontrados diversos "vínculos extraprocessuais" dos advogados com os dois juízes então titulares da 20ª Vara. Alguns atuaram como assessores diretos dos juízes antes de abrirem seus escritórios de advocacia, com processos que eram decididos pelos dois magistrados. Foi apontada "forte suspeita de distribuição de processos dirigida à 20ª vara", de casos em que atuavam como representantes legais.

Nas empresas investigadas os nomes dos advogados, empresários e outros personagens também se cruzam no quadro societário ou nos serviços prestados. Pelo menos seis empresas e sete advogados aparecem entre as ordens de busca e apreensão. O POVO tentou contato com os nomes apontados nos mandados. O TRF-5 determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal dos investigados no período de janeiro/2011 a outubro/2021 e sigilo telemático (emails e mensagens).

"Tenho absoluta certeza que isso vai acabar em nada. O objetivo de uma operação dessa é desmoralizar, não é encontrar prova", afirmou Augustino ao O POVO. Ainda ontem a presidência do STJ anunciou que aceitou o pedido do juiz cearense para deixar o cargo onde estava havia dois anos. O juiz José Parente Pinheiro não foi localizado.

O POVO tentou contato com o juiz José Parente Pinheiro na tarde de ontem, por telefone, em seu escritório, mas as ligações não foram atendidas. Também não conseguiu conversar com os advogados mencionados na investigação como tendo intermediado as supostas decisões ilegais. (Colaborou Lucas Barbosa)

PF apreende R$ 930 mil em espécie

Ações de investigação da Polícia Federal (PF) na manhã desta sexta-feira, 20, resultaram na apreensão de R$ 930 mil em espécie. O valor foi encontrado em escritório de advocacia em São Paulo. Diante das suspeitas de origem ilícita, foi "providenciado depósito bancário à disposição do Tribunal Regional Federal da 5ª Região", informa a PF.

"A investigação continua para apurar a procedência desses valores apreendidos e vínculo com os fatos investigados", continua a nota divulgada por Alan Robson Alexandrino Ramos, delegado Regional de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF no Ceará.

No Ceará, dois juízes federais são alvo da investigação. Advogados, empresários e servidores públicos estão entre os alvos. Dos 19 mandados de busca e apreensão cumpridos ontem, 15 foram em Fortaleza. Um aconteceu em Brasília, um em Recife, um em São Paulo e outro em Dourados, município do Mato Grosso do Sul. Os mandados foram expedidos pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região. (Marcela Tosi)

Juntos

Segundo o delegado Joécio Holanda, o operador financeiro e os advogados têm "comunhão de interesses articulados" 

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 20.05.2022: Sede da Policia Federal. Coletiva na sede da policia Federal sobre a operação Shadow Painting.   (fotos: Fabio Lima/ O POVO)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 20.05.2022: Sede da Policia Federal. Coletiva na sede da policia Federal sobre a operação Shadow Painting. (fotos: Fabio Lima/ O POVO)

"O que existe é vontade de quebrar a pessoa"

"Tenho absoluta certeza que isso vai acabar em nada. Um inquérito que tem cinco anos e meio de fatos de dez anos atrás? O que existe é a vontade de quebrar a pessoa", disse o juiz federal Augustino Lima Chaves, em entrevista ao O POVO. Ele é um dos 19 alvos da operação Skiagraphia, realizada pela Polícia Federal ontem. Com sigilo decretado, a investigação da PF apura esquema de corrupção, com cifras bilionárias, envolvendo decisões de dívidas fiscais cobradas pela União.

O POVO apurou que uma das empresas cobradas teria conseguido, dentro de um processo fiscal, substituir imóveis penhorados de maior valor por outros menos valiosos.

Teria sido uma das manobras para reduzir débitos milionários — que acumulados chegariam à casa do bilhão de reais. Na entrevista coletiva à imprensa sobre a operação, a PF descreveu que a empresa cearense é da área de mineração, mas não divulgou nenhum dos nomes dentro do caso.

Chaves acusou a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) de "negligenciar" processos que teriam permanecido sem andamento por vários anos, e que ele teria reaberto quando assumiu a 20ª Vara. Isso teria causado "uma reação", nas palavras dele. "Estão invertendo as coisas.". A PF confirmou que foi uma notícia gerada pela PGFN que deu início às investigações. A seguir a entrevista com o juiz Augustino Lima Chaves:

O POVO - O que o senhor tem a dizer sobre essa operação da Polícia Federal?

Augustino Lima Chaves - Queria dizer duas coisas. Eles dizem que são fatos de 2012 a 2016. Então são fatos extemporâneos, jamais iriam autorizar busca e apreensão sobre 2012 a 2016. Esse inquérito tem mais de cinco anos, eu nunca fui ouvido. É uma narrativa unilateral, eu nunca fui ouvido nesse inquérito. Nenhuma decisão minha foi reformada pelo Tribunal, foram todas confirmadas. É um processo muito antigo. Dois processos desses (alvos da investigação) tinham mais de 20 anos. Estavam parados por irresponsabilidade e negligência da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Quando fui mexer nesses processos comecei a ouvir reação. Mas esses processos, pelo contrário, que causou prejuízo à Fazenda Nacional foi quem atuava como procurador da Fazenda Nacional, não eu. Fui reagir a uma situação quando cheguei na Vara (20ª Federal). Estão invertendo as coisas. Eles estão se defendendo, invertendo e transferindo a culpa pra mim. Mas se forem examinar os autos, a negligência é da Procuradoria da Fazenda Nacional.

OP - Os processos são de quais empresas?

Augustino - Eu não lembro o nome das empresas. Eu sei quais são os processos, mas não lembro o nome das empresas.

OP - São quantos?

Augustino - Três, quatro ou cinco, realmente não sei. Porque não fui intimado. E não atribuem só a mim. Atribuem a mim e ao colega anterior a mim.

OP - O senhor confirmaria o nome do outro juiz?

Augustino - Eu não [vou] citar nomes. (Ele inicialmente não quis confirmar o nome do juiz que o antecedia na 20ª Vara Federal) Eu quero que eles apontem fato, da apelação, do recurso que o Tribunal (TRF-5) tenha contra mim. Minimamente contra mim. Não tem isso. Não existe, não existe. É um processo que qualquer escritório de advocacia do interior do Ceará teria tido melhores resultados que a Procuradoria da Fazenda Nacional. Eu não tô sugerindo envolvimento de corrupção na Procuradoria da Fazenda Nacional. Quero dizer objetivamente que foi um processo mal conduzido pela PGFN. Quando eu fui mexer neles tive a reação.

OP - O senhor sabia que essa investigação estava em andamento?

Augustino - Nunca fui intimado dessa investigação.

OP - Mas o senhor sabia que ele estava em andamento?

Augustino - Depois de cinco anos nunca fui intimado. Depois de cinco anos vem uma decisão extemporânea. Uma busca e apreensão depois de seis a dez anos? Tá entendendo? Recentemente o TRF-5 anulou a busca e apreensão do Ciro (Gomes, pré-candidato à Presidência) por considerar extemporânea. Depois de dois meses, vem uma busca e apreensão. Foi só um desembargador do Tribunal, uma pessoa.

OP - O senhor atribui o quê a essa operação?

Augustino - Eu não vou dizer, não vou dizer. Mas está um clima no Brasil em que qualquer um, qualquer pessoa, está exposta. Você, eu, qualquer um. Se tiver posições firmes, está exposta. Como aconteceu com o Ciro, com o Cid (Gomes, ex-governador), presidente Lula, (ex-presidente Michel) Temer, André Esteves (banqueiro), Wesley e Joesley Batista (empresários).

OP - O senhor considera que o caso pode respingar dentro do gabinete da presidência do STJ?

Augustino - Não, acho que não respinga. Mas foi realizado num momento em que a presidência está acabando (o período da gestão no STJ). Esse inquérito tem cinco anos e meio por fatos que são de seis a dez anos. Por que agora?

OP - O que recolheram do senhor nas apreensões?

Augustino - De mim, nada. Estou no Rio de Janeiro, vim participar de um encontro nacional, não recolheram nada.

OP - Mas da sua casa e no seu escritório, o que levaram?

Augustino - Não tenho escritório, meu computador fica no STJ. Está lá.

OP - Mas recolheram de lá?

Augustino - Não, não recolheram. E meu celular estou aqui falando com ele.

OP - Mas não levaram nada seu, material, papel, nada?

Augustino - Parece que levaram meia dúzia de papel lá, não sei nem qual é.

OP - Da sua casa em Brasília?

Augustino - Eles começaram a olhar os livros, mas como tenho muito livro aí mudaram o tema, se eu tinha algum documento.

OP - Foi na sua casa em Brasília ou no Ceará?

Augustino - Olha, Cláudio, o objetivo de uma operação dessa é desmoralizar, não é encontrar prova. Encontrar prova depois de dez anos? O objetivo é desmoralizar. É tentar acabar com a reputação da pessoa. Eu sempre fui uma pessoa forte e um juiz forte, sempre dei minhas opiniões. E é a questão da democracia no Brasil.

OP - Mas o material apreendido foi na sua casa em Brasília ou no Ceará?

Augustino - Foi em Brasília. Eu hoje moro em Brasília.

OP - Como o senhor vai tentar reverter essa situação?

Augustino - Tenho absoluta certeza que isso vai acabar em nada. Um inquérito que tem cinco anos e meio de fatos de dez anos atrás? Não existe, porque não foi encontrado nada, não existe nada. O que existe é a vontade de quebrar a pessoa.

OP - O outro juiz investigado seria o juiz federal aposentado José Parente Pinheiro?

Augustino - Sim.

OP - O senhor chegou a falar com ele hoje (ontem)?

Augustino - Não, não cheguei a falar com ele hoje (ontem). Ele é aposentado há muito tempo (cerca de dez anos). Ou seja, falta segurança jurídica no Brasil. Isso reflete nas pessoas, na economia, nos investimentos. Eu me dou bem com ele, mas não tenho relação com ele. (Cláudio Ribeiro)

Sedes

Segundo a PF, o escritório mencionado na operação tem sede em Fortaleza, em Recife e em São Paulo 

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