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A herança que a Petrobras deixa para o Ceará após a venda da Lubnor
Reportagem

A herança que a Petrobras deixa para o Ceará após a venda da Lubnor

| Desinvestimento | Com a venda, a Petrobras encerra oficialmente as aplicações de grande porte no Estado e entrega o mercado de combustíveis e derivados de petróleo no Estado à iniciativa privada
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A LUBNOR é hoje uma das principais fornecedoras de asfalto do Norte e Nordeste
 (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE A LUBNOR é hoje uma das principais fornecedoras de asfalto do Norte e Nordeste

Ao dar continuidade à política de desinvestimento, a Petrobras encerrou, nesta semana, a atividade de todos seus empreendimentos de grande porte no Ceará com o anúncio da assinatura do contrato de venda da Refinaria Lubrificantes e Derivados do Nordeste (Lubnor), em Fortaleza. A operação é apenas a segunda a ser efetivada ao mesmo tempo que uma usina e plataformas marítimas seguem inativas no Estado.

O contrato, assinado na noite da quarta-feira, 25 de maio, garante o pagamento de US$ 34 milhões para a Petrobras e entrega nas mãos da Grepar Participações LTDA a administração da refinaria. A unidade produz 8 mil barris de derivados de petróleo por dia, com foco em cimento asfáltico e lubrificantes naftênicos, sendo a única no Brasil a produzir esse tipo de óleo.

Definida como estratégica por analistas de mercado, a refinaria foi vendida pelo equivalente a pouco mais da metade (55%) de seu real valor, conforme avaliação do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep). Os termos da negociação ainda precisam ser validados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), porém, o mesmo já havia autorizado a venda da refinaria no Ceará.

O preço, bem como as condições de pagamento, com US$ 3,4 milhões repassados no ato de assinatura do contrato, outros R$ 9,6 milhões a serem pagos no fechamento da transação e US$ 21 milhões previstos em pagamentos diferidos, têm gerado comoção entre associações sindicais e surpresa em analistas de mercado.

A Lubnor abastece a demanda de estados do Norte e Nordeste por asfalto e lubrificantes naftênicos, além de gerar para o Ceará uma arrecadação de R$ 1 bilhão em Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) ao ano. Sozinha, a empresa corresponde a cerca de 10% de todo o ICMS arrecadado no Ceará, o que aumenta a pressão sobre o valor de venda, considerado "irrisório".

O POVO questionou a Petrobras sobre o valor da venda da refinaria, bem como sobre as condições e pagamento e a iniciativa de ceder todo escopo de funcionários concursados para a Grepar Participações LTDA operar a planta até que consiga capacitar seus próprios petroleiros. A estatal, porém, não respondeu nenhum dos questionamentos.

Operação acumula críticas

“Mais uma iniciativa da gestão da Petrobrás de venda de ativos, a preço aviltado, sem debate com a sociedade brasileira. Um desmonte de patrimônio público anunciado em meio a mais uma troca no comando da companhia em apenas 40 dias. Uma decisão equivocada, com possíveis efeitos perversos para a economia e o emprego nordestinos”, critica o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar.

Em complemento às críticas, o presidente da Associação Nacional dos Petroleiros Acionistas Minoritários da Petrobrás (Anapetro), Mário Dal Zot, define a venda da Lubnor como uma doação e pontua ser "a caracterização de monopólio privado do mercado de asfalto da região Nordeste e Norte." "É mais uma vez a União abrindo mão de seu dever e entregando para iniciativa privada explorar e lucrar com algo essencial e necessário à sociedade”, acrescenta.

Estado teme pela arrecadação

Além do temor do monopólio e de uma eventual escalada de preços dos insumos produzidos pela Lubnor, a privatização abre debate para eventuais perdas na arrecadação do Ceará. "A empresa tem uma tributação diferenciada para atuar no Estado, muita coisa é cobrada só no destino, então o Estado continuará tendo arrecadação, mas talvez não consiga mais comprar desse parceiro estadual e precise recorrer as condições do mercado interestadual", pontua a titular da Secretaria da Fazenda do Estado, Fernanda Pacobahyba

A gestora destaca ainda outros itens produzidos pela refinaria em que a política de incentivo fiscal definida anteriormente com a Petrobras deverá resultar em perdas arrecadatórias para o Ceará, mas que os dados referentes a esse processo ainda precisaram ser revistos antes da estimativa do prejuízo fiscal para o Ceará com a privatização. 

Desmantelo dos equipamentos no Ceará

Na última década a Petrobras tem dado sequência a uma série de ações com intuito de abrir mão do mercado de derivados de petróleo no Norte e Nordeste do Brasil e se concentrar nas operações do Sudeste, relacionadas ao pré-sal com foco em combustíveis fósseis.

Em 2021, seguindo diretrizes do Ministério de Minas e Energia, a Petrobras deslocou o navio com terminal de regaseificação de gás natural liquefeito (GNL) Golar Winter do Pecém para a Bahia. Em meio à crise energética gerada pela escassez hídrica, o Ceará ficou sem o combustível para geração de energia elétrica nas térmicas do Estado. Após uma série de negociações e diálogos polêmicos entre Estado e União, o navio voltou ao posto original.

No Ceará, ainda em 2016, a Petrobras anunciou o fechamento definitivo das operações da usina de biodiesel em Quixadá. Construída com investimento de R$ 76 milhões, o equipamento foi desativado e ficou sem perspectiva de utilização até 2020, quando a Petrobras revelou intenções de vender a unidade, que ainda não foram concretizadas. A planta chegou a empregar mais de 9 mil cearenses e teve capacidade de produzir 108,6 milhões de litros de biodiesel por ano.

Na sequência, o campo Fazenda de Belém, entre Aracati e Icapuí, que chegou a produzir 5 mil barris de óleo por dia em 1991, sendo o mais antigo campo petroleiro terrestre do Brasil. Foi o segundo grande equipamento da estatal a ser suspenso no Ceará. A unidade teve processo de venda finalizado em 2020 no valor de US$ 35,2 milhões pagos pela 3R Petróleo e Participações S.A.

No mesmo ano, em 27 de março, a Petrobras paralisou a extração em nove plataformas de exploração marítima na costa cearense. A estimativa é de que R$ 2,23 bilhões tenham deixado de ser produzidos com a suspensão das atividades das plataformas construídas ainda em 1997.

Além das desistências, a Petrobras chegou a prometer a instalação de uma refinaria no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, a Premium II. Um investimento estimado em US$ 11,1 bilhões, com a geração de cerca de 90 mil postos de trabalho, que, porém, nunca chegou a se concretizar.

Rio de Janeiro - Edifício sede da Petrobras no Centro do Rio. (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Rio de Janeiro - Edifício sede da Petrobras no Centro do Rio. (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Equipamentos já vendidos e à venda

A Lubnor é a quarta refinaria da Petrobrás colocada à venda. A primeira foi a Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, privatizada no final do ano passado com valor 30% abaixo do mercado e que passou a vender combustíveis até 27,4% mais caros do que antes da privatização. 

A segunda posta à venda foi a Refinaria Isaac Sabbá (Reman), no Amazonas, por 70% de seu valor, e ainda acumula processos que questionam os termos da privatização. A SIX (Unidade de Industrialização de Xisto), no Paraná, foi vendida em novembro de 2021 pelo valor de US$ 33 milhões, também abaixo do estimado pelo mercado.

Além delas, outras quatro refinarias da Petrobras aguardam compradores e o andamento das negociações com a Petrobras para serem privatizadas. Todas, porém, incluindo a do Ceará, integram acordo firmado pela estatal com o Cade em 2019 para redução da participação da Petrobras no mercado de refino no Brasil.

Gargalo

Construção pesada aponta aumento de preços e falta de negociação do poder público, que contrata as obras, como problema. Setor enxerga na venda da Lubnor mais garantias de fornecimento para os projetos.

Protesto

O Sindipetro do Ceará e Piauí realiza protesto na sede da Lubnor na manhã desta sexta-feira, 27 de maio.

Negociação

A Prefeitura de Fortaleza diz aguardar um contato da compradora da Lubnor para negociar a venda do terreno. Uma nova avaliação deve ser feita e, caso as partes não entrem em acordo, a gestão municipal já considera resolver o caso na Justiça.

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