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Confira entrevista inédita com Chico Science, publicada depois de 24 anos
Vida & Arte

Confira entrevista inédita com Chico Science, publicada depois de 24 anos

| INÉDITO | Guardada por 24 anos nos arquivos da jornalista Thaís Aragão, entrevista com Chico Science feita para um fanzine editado à época e nunca publicada, chega agora aos leitores do V&A
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Chico Science morreu em 1997, em acidente de carro
 (Foto: agencia brasil)
Foto: agencia brasil Chico Science morreu em 1997, em acidente de carro

Em 1996, Chico Science e Nação Zumbi vieram a Fortaleza para fazer o show em que apresentariam seu novo álbum, o Afrociberdelia. Na manhã do dia daquela apresentação, acabei sabendo que a banda estaria em um hotel na Beira Mar e fui até lá, conversar com o líder da banda, figura maior do Manguebeat, movimentação cultural de Recife que sacudiu a cultura brasileira naquela década. Encontrei um Francisco de Assis França super paciente e atencioso com uma estudante de jornalismo. E também encontrei um Chico Science com a cabeça fervilhante de ideias, buscando pensar o maracatu e o samba a partir das possibilidades mostradas pelos brilhantes DJs de música eletrônica dos anos 1990.

Hoje, é bem mais claro perceber que, nesta entrevista, o artista desenha o arco criativo que liga os dois álbuns de CSNZ ao primeiro álbum da Nação Zumbi sem Chico Science, Rádio S.Amb.A.: Serviço Ambulante de Afrociberdelia. A conversa não foi lançada no fanzine que editava na época porque Chico Science morreu poucos meses depois, em um acidente de carro. Guardei luto. Só agora, que o álbum de estreia da banda, Da Lama Ao Caos, completou 25 anos, decidi divulgá-la. A gravação foi ao ar no último domingo, 5, em edição especial do programa Zumbi - O Rap na Universitária FM. Hoje ela chega aos leitores, a convite do Vida & Arte.

(Thaís Aragão é jornalista e produtora cultural da Universidade Federal do Ceará)

Thaís Aragão - Por que esse nome Chico Science?

Chico Science - Chico Science veio do amigo. A gente estava fazendo uma festa de final de ano, que era o 4º Pior Reveillon do Mundo, né? Por causa daquela história de Recife ser a quarta pior cidade do mundo, e tudo mais. Aí, Renato [Lins, ministro da informação do Manguebeat] chegou com esse nome de Chico Science. Isso foi de 1990 para 1991, e eu estava fazendo essa história dos ritmos, a história do mangue. Estava misturando não-sei-o- quê, também gostava de ficção científica, não-sei-o-quê. E ele achou um apelido pra me dar: foi o Science. Aí ficou Chico Science. Todo mundo começou a falar, então ficou.

Thaís Aragão - Então, você...

Chico Science - ...mas eu prefiro Charles Zambohead.

Thaís Aragão -  O que significa?

Chico Science - É outro pseudônimo.

Thaís Aragão - Agora que está pegando esse fio de regionalismo, tem muita banda que está (nisso) para acabar aparecendo na MTV. Mas tem umas que são só...

Chico Science - Só fachada.

Thaís Aragão - É... E tem outras que não. Dessas que estão aparecendo, em quais você bota fé?

Chico Science - Tirando esse lado do regionalismo, eu gosto do Eddie, que é uma banda lá de Recife. Tem uma banda de Sergipe... Não, de Alagoas! Lacertae. E outras coisas muito legais. Eu acho que aquele segmento Raimundos, e falar de mulher pelada e não sei o quê... Não é desmerecendo o Raimundos, porque eles têm um som super original. O filão que vai aí atrás é que, às vezes, você precisa estar ligado pra saber se é realmente uma galera que está fazendo uma coisa séria ou não.

Thaís Aragão - Como surgiu a palavra Afrociberdelia, com toda essa mistura de parâmetros?

Chico Science - A gente recebeu esse nome de um amigo, um artista gráfico lá de Recife, Paulo Santos, cunhado de um amigo nosso, Mabuse. Sempre conversava com esse meu amigo a respeito de música. A gente sempre também gostava dessa coisa de tecnologia. Tinha uma banda chamada Bom Tom Rádio, que era uma bateria eletrônica pequena, baixo e scratch [técnica de tirar som arranhando disco de vinil com a agulha do toca-disco]. Só isso. Era eu, Jorge (Du Peixe, atual vocalista da Nação Zumbi) e esse amigo, Doktor Mabuse. Aí, o cunhado dele sabia o que eu estava fazendo também com o (grupo de samba reggae) Lamento Negro, que foi bem no início. Sabia das minhas ideias de botar barulhos no maracatu, trabalhar com mais noise, botar batida virtual com batida real, com o ritmo mesmo. Ele começou a viajar em toda essa história que a gente sempre comentava nos ensaios do Bom Tom Rádio. Porque o Bom Tom Rádio tinha essas coisas também. A gente trazia alguns instrumentos de percussão para tocar junto. Aí ele chegou e falou: 'Ah, rapaz! Esse som de vocês é afrociberdélico (risos). Isso é afrociberdelia'. Parece até com Scremadelica, né?

Thaís Aragão - É, o álbum do Primal Scream.

Chico Science - Aí, a gente fez uma música na banda [Chico Science e Nação Zumbi], que é Coco Dub, no primeiro disco [Da Lama Ao Caos]. Coco Dub tinha muito esse lado, do ritmo de um coco repetido. O Afrociberdelia entrou ali, de ser um subtítulo [para a música Coco Dub].

Thaís Aragão - Como foi a receptividade do público na Europa, onde vocês acabaram de passar um tempo tocando?

Chico Science - Muito legal. No ano passado, a gente fez uns shows em Berlim. Foi um dos mais legais, que teve bons resultados. Do pessoal ficar perguntando: "Que banda é essa? É do Brasil? Tem CD?". Até donas de casa estavam lá na frente, vendo o show. Todo mundo: "Macô!!", sem (a canção) Macô ter nenhum registro fonográfico. É um pessoal que está bem ligado nessas coisas, no que é novo, nos sons africanos, nos festivais que tem pela Europa, e que o pessoal vai - e os americanos também. Hoje em dia já foi percebida essa universalidade musical, essa troca, de estar paquistanês com londrino, estar americano com asiático não sei de onde. A música ethno, a world music, ela se conectou mais com esse mercado pop. Então, a gente agora já entrou em festivais diferentes. Fizemos treze shows, seis deles com o Paralamas do Sucesso. Foi legal pra caramba tocar com a banda, dividir o palco. Eles, que têm também já uma bagagem de música brasileira, que já trazem dos anos 1980. A gente fez esse festival na Bélgica e um segundo na Áustria, em que tinha o Nick Cave e The Pogues. Engraçado que, quando a gente começou a tocar, estava todo mundo parado, olhando. E o som comendo: "Eu vim com a Nação Zumbi!". E o pessoal olhando, porque ninguém entende porra nenhum de português. E a gente detonando e o som e o show pegando pique. Eu acho que é uma necessidade mundial, hoje em dia: mais respeito com tudo, com todos. Então, esse público está crescendo lá fora. A gente está subindo, sei lá! Conquistando. Fizemos um mês lá (na Europa). Não dava para ficar mais tempo. A gente correu e voltou. Fez o Sul do País e está voltando para fazer Fortaleza, onde já faz um ano que a gente tocou, e que tem muito mais a ver.

Thaís Aragão - É a quarta vez que vocês vêm?

Chico Science - É, a quarta vez. E depois a gente vai fazer Campina Grande, Rio de Janeiro na segunda-feira, no Canecão, e volta no domingo para Recife. A gente volta para casa e vai ficar dois meses aí, descansando, montando estúdio. Tem que ter um estúdio pra fazer as coisas. Eu viajo muito nessa coisa de escutar som, tudo que rola no mundo, vamos dizer assim. Tudo que desperta minha curiosidade eu quero escutar. Hoje em dia, estou escutando mais Aphex Twin, os DJs... Estou bem curioso com essa coisa do samba. Estou querendo ver mais, pesquisar essa coisa do samba. Tem outros caminhos do samba. O maracatu, principalmente. Que, creio eu, é o berço desse samba. Não sou antropólogo, mas sou curioso. E acho legal pra caramba essa coisa acontecendo lá fora, com os DJs, como esse Aphex Twin e outros mais. Uma das coisas que me deixam curioso é justamente isso: a bossa nova foi uma das coisas que divulgou, espalhou mais o samba pelo mundo. Está havendo um revival disso aí, mas eu estou sentindo uma necessidade que as pessoas estão tendo de cada vez mais se aprofundar no samba. Eu acho que é a música do próximo milênio.

Ouça a entrevista

A reprise do especial "Zumbi #50 - Entrevista com Chico Science e 25 anos de Da Lama Ao Caos" será reprisada no próximo domingo, 12, das 18h às 20 horas, na Rádio Universitária FM 107,9.

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