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Senhor dos ritmos, Moraes Moreira fez da vida um Carnaval
Vida & Arte

Senhor dos ritmos, Moraes Moreira fez da vida um Carnaval

Aos 72 anos, Moraes Moreira faleceu na madrugada de ontem. Dos Novos Baianos ao trio elétrico, ele deixa uma história de carnavais, sambas, repentes e poesias inesquecíveis
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Em 1980, quando lançou o disco Bazar Brasileiro, Moraes Moreira já revelava sua preocupação com o que deixaria de legado para as futuras gerações. Na letra de Meninos do Brasil, parceria com Abel Silva em que cita seu filho Davi Moraes e outros filhos que viriam a ser famosos, como Moreno Veloso e Pedro Baby, ele já assumia que levava fé nessa turma, mesmo que pra ele não desse mais pé. “Lá pelo ano 2000, eu quero estar na pele, nos olhos e nos sonhos dos meninos do Brasil”, explodia a voz no refrão daquele blues.

Moraes faleceu na manhã de ontem, aos 72 anos, tendo seu desejo realizado. Segundo a assessoria, o compositor sofreu um infarto agudo no miocárdio enquanto dormia no apartamento em que vivia sozinho, no Rio de Janeiro. Autor de hinos como Pombo Correio, Chão da Praça e Bloco do Prazer, ele pode ver meninos e meninas do Brasil inteiro cantando muitas das canções que fez em 50 anos de carreira. Baiano nascido na pequena Ituaçu, em 8 de julho de 1947, Antônio Carlos Moraes Pires sintetizou o melhor da música popular brasileira em uma obra que gerou dezenas de discos e incontáveis hits.

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Na pequena Ituaçu, interior da Bahia, onde nasceu, ele já sacou a força da cultura popular quando tocava sua sanfona nas festas de São João. Um seus professores nesse instrumento foi Fidelis, que tanto tocava como bebia e brigava. Preso por ter matado um homem, de dentro da cadeia, Fidelis dava dicas a Moraes de como tocar seus oito baixos. Das festas juninas para a folia de fevereiro, ele descobriu no carnaval outra força de música, união e brasilidade. Para a festa de momo ele dedicou verdadeiros hinos, como Pombo Correio, Bloco do Prazer, Chão da Praça e tantas outras. A primeira é uma letra sua escrita em 1976 sobre melodia de Dodô e Osmar feita 24 anos antes. “Fui praticamente adotado pelos criadores dos trios (elétricos), iniciando uma nova história na minha vida. Graças a essa e outras parcerias, pude desenvolver um trabalho ligado ao carnaval, que enriquece sobremaneira a minha atuação dentro da música popular”, confessa Moraes Moreira em seu livro Sonhos Elétricos (2010).

Moraes Moreira cruzou os anos 1980 como um hitmaker carnavalesco, chegando a levar sua Festa do Interior para o palco do Rock in Rio em 1985. Na década anterior, ele fez história como integrante dos Novos Baianos. Ainda hoje é difícil explicar o que foi aquela tribo de malucos, que misturava samba com rock and roll, e viveu uma liberdade única de ser e compor. O sonho hippie, que chamava a atenção de João Gilberto, curioso pelo som, e da polícia, interessada em saber o que eles estavam consumindo, ficou eternizado em canções que falavam de futebol, natureza e poesia.

A saída dos Novos Baianos não foi bem aceita e uma mágoa ficou entre os colegas de banda. Na busca por novos rumos, ele encontrou parceiros como o letrista Fausto Nilo e o guitarrista Armandinho. As lições aprendidas desde a praça de Ituaçu deram a Moraes Moreira estofo para se tornar um compositor de muitos estilos, que sabia fazer uma festa, mas também era sabedor de melodias refinadas como Acordei, Lenda do Pégaso e Meninas do Brasil. Despretensiosamente, ele ajudou a criar uma linguagem pop que olhava o exterior sem esquecer as raízes brasileiras. Com muito orgulho, ele cantava o blues Pedaço de canção e gravava um disco dedicado à literatura de cordel. E ainda assumia a dificuldade de gravar um disco só de sambas por que outros ritmos teimavam em aparecer. É que todos eles queriam passar pelo violão de Moraes Moreira.

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