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Vídeo-performance constrói poética trans a partir da estética transterrorista
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Vídeo-performance constrói poética trans a partir da estética transterrorista

Intérpretes-criadoras Jupyra Carvalho, Devon Zoal e Georgia Vitrilis lançam vídeo-performance Contranatura, dramaturgia transterrorista sobre gênero
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Contranatura é um trabalho que pretende protagonizar a construção de uma poética trans, na tentativa de apontar as diversas formas de violência sofridas pela comunidade LGBTQIA+ (Foto: Toni Benvenuti/ Divulgação)
Foto: Toni Benvenuti/ Divulgação Contranatura é um trabalho que pretende protagonizar a construção de uma poética trans, na tentativa de apontar as diversas formas de violência sofridas pela comunidade LGBTQIA+

"Quando reconhecemos que o nosso corpo — o corpo trans — gera uma cisão só por sermos quem somos, conseguimos usar essa potência para destruir e recompor o que está estabelecido enquanto norma. Não há diálogo possível com essa norma extremamente fascista que proíbe a existência de outras possibilidades de corpos. Quando percebemos que somos as inimigas dessa norma, reivindicamos esse lugar. Reivindicar é se armar, é falar, é montar uma força violenta", posiciona-se Jupyra Carvalho. O portal está aberto: as intérpretes-criadoras Jupyra Carvalho, Devon Zoal e Georgia Vitrilis lançam neste domingo, 17, a vídeo-performance Contranatura, uma dramaturgia que protagoniza a construção de uma poética trans. Composto por um elenco de mulheres trans e travestis, o trabalho tensiona a cisnormatividade que ameaça a existência de corpos dissidentes.

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No País que lidera o ranking mundial de assassinatos de pessoas transexuais, a cisgeneridade — condição da pessoa que se identifica alinhada ao gênero binário que lhe foi socialmente atribuído ao nascer — marginaliza vivências que fogem à norma. O projeto Contranatura profana as armas do opressor: as intérpretes-criadoras assumem as margens e seus corpos motins transformam violência em arte. Durante o processo de criação da obra, assassinos em série e figuras públicas como Aileen Wuornos, Divine, Estamira e Charles Manson surgem na composição cênica do espetáculo como referência desses traços imagéticos que causam repulsa.

Vídeo-performance Contranatura é um trabalho que pretende protagonizar a construção de uma poética trans
Foto: Toni Benvenuti/ Divulgação
Vídeo-performance Contranatura é um trabalho que pretende protagonizar a construção de uma poética trans

Contranatura compõe-se com as feridas que flagelam os corpos trans — os sobreviventes, os assassinados e os que ainda não nasceram. O transterrorismo como estética é grito e rasga-mortalha. "Este trabalho foi iniciado por mim e pela Noá Bonoba, outra artista trans de Fortaleza. O projeto é movediço, tem um código muito aberto e se reinventa a partir do contexto que se encontra", explica Jupyra Carvalho. "Nós vivemos cotidianamente um cenário de muita violência transfóbica, então o Contranatura surge banhado numa estética transterrorista como modo de enfrentamento. Essa violência não é algo espontâneo, ela é síntese do que vivemos. A gente organiza e transforma em susto, transforma em luta, transforma em expressividade", complementa.

Para Devon Zoal, Contranatura costura uma frente de resistência às violências continuamente impostas aos corpos trans. "Todos os dias a gente sofre desde abuso psicológico dentro de casa até xingamentos na rua. Como a gente cria forças? Como essas três travestis que estão em cena se mobilizam contra essa transfobia nua e crua que põe a vida delas em risco?". O transterrorismo, segundo a artista, é compreendido assim como um "movimento de repulsa a partir do corpo trans. Ele como corpo político, por si só, já é visto pelo senso comum como algo repugnante, como algo abominável perante Deus. Quando a gente fala em transterrorismo, é sobre o corpo político trans causar essa espécie de estranhamento para o olhar das pessoas cis".

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Fruto de pesquisas e experimentações ao longo de seis meses de isolamento em virtude da pandemia de Covid-19, o projeto de vídeo-performance propõe a criação de uma república cyberpunk retrô, queer e transterrorista. "Essa república é um tecido que a gente vai construindo e fortalecendo juntas. Inclusive no ano passado, na pandemia, algumas de nós sofremos transfobia dentro de casa e precisamos de outros locais de acolhimento. Quando a gente pensa na casa para gravar a performance — que é a casa em que a Jupyra e a Vitrilis moram juntas —, a gente vê esse espaço como acolhimento, mas que também pode se transmutar em repulsa além das nossas forças. Essa casa também está dentro do trabalho como personagem, como composição dramatúrgica", pontua Devon Zoal.

Georgia Vitrilis adiciona que essa república cyberpunk retrô, queer e transterrorista é de acolhimento das vivências dissidentes em suas singularidades. "Esse acolhimento é necessário pra que a viva, pra que a gente tenha força, pra que a gente gere essa força de vida e entenda que não está sozinho — apesar de ter muita coisa contra a gente, unindo a gente ganha corpo. Esse acolhimento não é no sentido de universalizar as experiências, mas no sentindo de entender as subjetividades de cada uma e como elas podem ir se enredando, sabe? Uma sabe Kung Fu, outra sabe costurar, outra sabe cantar... Esses saberes e subjetividades podem podem fazer com que a gente aprenda uma com a outra a continuar viva".

A arte, em suas múltiplas linguagens, também integra a relação das três artistas com o território sensível do gênero. "Pra mim, a arte é uma possibilidade de um canal para que a vida possa encontrar meios de existir; para gerar novas maneiras de estar, novas maneiras de ser. A arte pode ajudar nessa invenção de como a gente pode se colocar no mundo, de como a vida das pessoas trans pode ser possível nesse mundo. A arte pode ajudar a gente a se afirmar, a ter visibilidade, a criar redes de apoio. A arte constrói a possibilidade de a gente se comunicar entre as nossas", encerra Georgia Vitrilis.

Video-performance Contranatura

Estreia neste domingo, 17, às 19h, no canal do YouTube do Projeto Contranatura. Link disponível nos perfis @devonzoal, @jupyraa e @xandararu no Instagram. Vídeo disponível até 31/1.

 

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