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Reduzir para ter mais
Vida & Arte

Reduzir para ter mais

Eles descobriram numa vida desapegada de objetos desnecessários e com menos consumo, a fórmula de uma existência mais serena, livre e feliz. Conheça o minimalismo e o adeptos da filosofia
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Josefa Feitosa, aos 61 anos, viaja o mundo apenas com uma mochila nas costas. A cearense já conheceu quase 50 países como mochileira praticante do minimalismo 
 (Foto: Barbara Moira)
Foto: Barbara Moira Josefa Feitosa, aos 61 anos, viaja o mundo apenas com uma mochila nas costas. A cearense já conheceu quase 50 países como mochileira praticante do minimalismo

A cada bem-vindo ano, entre meados de cansados dezembros e esperançosos janeiros, uma promessa se renova para muitos: reduzir para ter mais. Destralhar armários, doar roupas e calçados não mais utilizados, organizar documentos outrora espalhados entre agendas e boletos, manter somente o essencial para ter mais espaço, mais tempo, mais qualidade. O minimalismo — expressão que designava, inicialmente, movimentos estéticos, científicos e culturais surgidos nos Estados Unidos no fim dos anos de 1950 e início da década de 1960 — influencia áreas como moda, design, artes visuais, literatura, música e arquitetura. A tendência, entretanto, é muito além de estética: o minimalismo pode ser também um estilo de vida atento ao consumo desenfreado e comprometido socioambientalmente com o planeta.

Suy Melo, maranhense radicada no Ceará desde os 18 anos, aprendeu com as estradas a carregar consigo tão somente o essencial. Em 2013, durante um mochilão na Argentina, conheceu dois rapazes que percorriam o mundo de bicicleta. Inspirada pela possibilidade, iniciou viagens também de bicicleta pelo interior do Estado acompanhada por dois amigos. "Em 2016, quando cheguei em Pipa (RN), conheci o Miller, um cara que morava há seis anos em uma kombi. Eu me apaixonei, voltei para Fortaleza com vontade de ter uma kombi e viajar pela América Latina. Fiquei mais de um ano trabalhando, juntando grana, e em março faz dois anos que comprei minha kombi, minha casa", partilha Suy.

A kombi Gracinha — batizada em homenagem à mãe de Suy, que fez crescer na filha o desejo pelo movimento — hoje constrói-se como casa da graduada em Teatro de 32 anos e de Ingridy, sua namorada. Na parede do veículo, uma ilustração com a frase "eu sou o meu próprio lar" simboliza a relação estabelecida com o consumo. "Comecei a me tornar minimalista mesmo com as viagens de bicicleta, onde guardava tudo numa mochila. Hoje eu tenho uma chinela, uma sapatilha e um tênis", exemplifica. Roupas compartilhadas, que combinam entre si, também diminuem a necessidade de compras. "Eu acho que a pergunta que me faço é essa: isso aqui vai ser necessário pra mim? Eu vou usar mesmo?", complementa Suy.

"O documentário 'Minimalismo Já' (com Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus, disponível na Netflix) é muito massa ao falar sobre minimalismo, mas parece que é um estilo de vida pra quem tem muita grana — a galera conseguiu adotar o minimalismo porque teve como investir em poucas coisas de muita qualidade. A dica que eu dou é começar a olhar para pequenas coisas e se perguntar: 'Eu uso? Ou poderia doar pra alguém que está precisando mais?", sugere Suy. "Diminuir me parece um bom caminho".

Aos 61 anos, a cearense Josefa Feitosa "vive e mora onde a mala está". Aposentada após uma vida dedicada à assistência social no sistema prisional do Ceará, Jô — como é mais conhecida — define-se como uma "mulher preta, vidóloga, cidadã do mundo". Em 2016, a avó e mãe de três filhos deu o primeiro passo para realizar um sonho antigo, forjado ainda na infância: viajar por inúmeros países, conhecer cidades que outrora contornava com os dedos sobre o mapa. "O meu desejo de viajar existe desde que eu me entendo por gente, quando meu pai me levava para ver o trem chegando na estação e eu observava aquele movimento, as pessoas subindo e descendo do trem. Eu achava muito bonito ver as pessoas que vinham fazer a romaria em Juazeiro e chegavam num pau de arara cantando, amontoadas, cheias de malas e sacos", relembra. Hoje, mochileira, Jô conhece 47 países entre América, África, Ásia e Europa.

"Quando eu comecei a viajar, eu não tinha muita experiência como mochileira, eu carregava uma mala. Então eu comecei a ver que não era vantagem nenhuma ter mala, larguei e comecei a usar uma mochila. Esse movimento minimalista na minha vida foi um processo, né? Você vai se dando conta de que precisa de poucas coisas pra viver... No meu caso, principalmente, porque a idade vai dando essa consciência de que você não precisa carregar muitas coisas, que é melhor carregar o que realmente for estritamente necessário — e essa necessidade vai depender do seu estilo de vida. Eu sou totalmente desprendida, gosto de roupinhas bem leves, eu posso perder toda a minha mochila e não vai fazer falta. Tudo o que eu tenho hoje cabe dentro da minha mochila. Se eu vou embora amanhã, jogo tudo dentro da mochila e parto", pontua Jô.

A decisão de adotar o minimalismo como prática, compartilha a viajante, não é apenas pelo peso da mochila que carrega entre tantos países. "É também uma questão da mente, da consciência, da preocupação de estar carregando coisas que você não vai usar, coisas que não são necessárias pra você. O que é essencial? Viver. O medo de que vão te levar, vão te subtrair algo, esse medo de perder as coisas é um grande peso que você carrega. Quando você é minimalista, você não tem medo de nada", defende Jô. Com filhos já adultos e responsáveis pelas próprias vidas, Jô optou por fazer da estrada o seu lar.

"O minimalismo repercute no planeta todo", retoma Jô. "Em relação à produção de lixo, por exemplo. A produção de muita coisa que a gente não precisa traz malefícios e prejuízos para a natureza. Minimalismo tem tudo a ver com a preocupação com o planeta — vai da alimentação ao vestuário, ao cuidado com o uso do plástico… A partir do momento que você toma essa decisão de melhorar a sua vida, acaba também trazendo uma melhoria pro planeta", encerra.

Dicas para adotar o minimalismo no cotidiano

1. Desentralhe. Organização e minimalismo caminham de mãos dadas.

2. Pergunte-se "eu realmente preciso disso?". O questionamento auxilia na hora do desapego e também das compras.

3. Não desista. Adotar o minimalismo é um processo diário.

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