Logo O POVO+
Faxina: Prática ganha novas abordagens nas redes sociais
Vida & Arte

Faxina: Prática ganha novas abordagens nas redes sociais

No mundo digital, a prática da faxina ganha novas discussões. Influenciadores utilizam as redes sociais para dar dicas e profissionais compartilham suas experiências
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Marie Kondo é considerada a
Foto: Divulgação/Netflix Marie Kondo é considerada a "guru" da organização e tem mais de 4 milhões de seguidores nas redes sociais. Ela também tem as próprias séries na Netflix

o início de março, a modelo, apresentadora e influenciadora Ellen Milgrau viralizou de uma maneira diferente. Ao invés dos looks glamourosos e das poses para as fotos nas redes sociais, ela alcançou mais de 30 milhões de visualizações na plataforma de vídeo TikTok vestindo blusas antigas e luvas. O motivo? A jovem de 29 anos iniciou o projeto "Faxina Milgrau": o objetivo é limpar residências de pessoas que sofrem com depressão, a fim de melhorar a qualidade de vida dos habitantes.

Desde então, a série - que já conta com seis episódios - mostra a influenciadora varrendo restos de comida, lavando roupas sujas, revirando lixos e até mesmo retirando baratas e larvas dos cômodos. "Estou ajudando as pessoas que não conseguem se organizar e acredito que ter uma visão do seu lar limpo vai te ajudar a seguir em frente, dá uma alegria e uma perspectiva melhor", explicou Ellen no primeiro vídeo publicado. "Eu não estou aqui para julgar ninguém, eu sei como é essa doença, eu já estive lá, e acredito que é uma troca que a gente pode fazer. Quando a gente está triste, a primeira coisa que a gente faz é se abandonar e abandonar onde a gente vive", complementou em outra publicação.

Com a ajuda de colegas voluntários que auxiliam o processo, a modelo faz uma intervenção que dura um dia. Tudo começou quando um amigo, o ator Raonni, pediu ajuda na organização do lar. Ele dividiu o resultado da iniciativa na rede social: "Estou conseguindo manter a casa limpa e tem melhorado o meu rendimento no trabalho". Os vídeos foram inspirados nas ações da filandesa Auri Katariina, que se tornou um fenômeno ao gravar os momentos em que ia fazer faxinas na casa de pessoas que enfrentavam problemas de saúde mental ou demais dificuldades que impossibilitavam a atividade. O movimento tem até uma hasthag, a #depressioncleaning, traduzido para algo similar a #limpezadadepressão no português.

Segundo a psicóloga Farah Busgaib, doenças como a depressão podem causar a "diminuição de muitos comportamentos" ou a abulia, que consiste na incapacidade de iniciar atividades que a pessoa deseja. "Também tem a anedonia, que é a falta de prazer. O interessante seria acompanhamento psicológico e psicofármaco", explica a profissional. Ela ainda complementa que a organização interior e exterior funcionam em diálogo: "Muitas vezes quando a gente organiza o externo, é uma forma de começar a se organizar internamente. A bagunça pode causar uma confusão visual, auditiva e também mental. Já a ordem gera uma certa previsibilidade e, assim, uma redução de ansiedade".

Farah informa que o acúmulo rouba o foco e causa sobrecarga. A remoção, portanto, é necessária para "poupar o cérebro de estímulos desnecessários". A situação ainda foi agravada pela pandemia e evidenciou a importância do cuidado com o cotidiano para o bem-estar coletivo. "A gente precisa entender de onde vem a bagunça para tentar diminuir e, assim, ter hábitos de manutenção. É importante ter hábitos de manutenção e ter uma organização sem rigidez, com flexibilidade", finaliza a psicóloga.

Harmonia

A organizadora pessoal Ana Carla Filgueiras trabalha há quatro anos com organização de ambientes. Natural de Fortaleza, ela atualmente trabalha presencialmente em Juazeiro do Norte, mas utiliza as redes sociais (@organizeranacarla no Instagram) para dar dicas aos seguidores. Em um atendimento corriqueiro, ela faz uma visita técnica que consiste na análise do espaço e no planejamento de melhorias.

"A maioria das queixas dos clientes é com relação a não saber aproveitar melhor o espaço. Outros não sabem como inserir a organização na casa para todos os moradores, por causa da rotina corrida", conta. Ela enumera as razões para a prática constante da faxina: "Diminui a propensão para problemas respiratórios, alérgicos e de pele; melhora a concentração, reduz ansiedade e estresse; o ambiente fica visualmente mais bonito".

A organizadora indica o uso das caixas organizadoras em diferentes áreas, como dispensas e banheiros. Ela afirma que o item facilita a localização e padronização de objetos
A organizadora indica o uso das caixas organizadoras em diferentes áreas, como dispensas e banheiros. Ela afirma que o item facilita a localização e padronização de objetos

Dicas para uma faxina eficiente

01) Segundo Ana Carla, é importante começar a limpeza de cima para baixo, ou seja, primeiro o teto, depois as paredes e, por último, o chão.

02) Faça o uso do aspirador de pó ao invés da vassoura, utilizando o utensílio somente nas áreas externas, pois ela tende a deixar a poeira em suspensão.

03) Limpe com produtos sanitizantes, a fim de eliminar germes e bactérias. É recomendável trocar a roupa de cama pelo menos uma vez na semana e toalhas de banho e rosto duas vezes na semana.

04) Para a manutenção da casa, Ana Carla sugere arrumar a cama, não acumular louça suja na pia, recolher o lixo, aspirar o piso e fazer a limpeza do banheiro (pia e vaso sanitário) diariamente.

No Instagram

Durante a quarentena imposta pela pandemia da covid-19, temas relacionados à limpeza e organização viraram tendência, como indica a hashtag #cleaningobssessed (ou #obcecadaporlimpeza, em tradução livre para o português). O termo é utilizado pelos internautas para compartilharem dicas sobre os assuntos. Aproveitando a onda, influenciadores digitais fazem sucesso ao dividir suas técnicas.

MARIE KONDO
(@mariekondo)

Considerada a "guru" de organização e limpeza, a japonesa conta com mais de 4 milhões de seguidores e desenvolveu suas próprias estratégias para obter um ambiente em ordem. O êxito rendeu as séries "Ordem na Casa" e "A Magia no Dia a Dia". Nos episódios, ela seleciona participantes que desejam aprimorar a relação com os espaços.

MRS HINCH
(@mrshinchhome)

Com milhões de seguidores nas redes sociais, a jovem Sophia Hinchliffe divulga fotos e vídeos de atividades cotidianas, como a limpeza dos armários e dos pisos da casa. Ela ainda divulga os produtos ideias para as atividades e compartilha passo a passo na ferramenta Stories. Outros assuntos, como gastronomia e maternidade, também fazem parte das suas publicações.

DONA DE CASA OFICIAL
(@donade_casaoficial)

Dentre as dicas compartilhadas pela dona de casa Karla, está o jeito apropriado de preparar um café ou a maneira certa de limpar o fogão. "Vocês também limpam e ficam admirando?", indaga aos internautas. Ela também compartilha receita e itens de decoração, como roupa de cama.

MATHEUS ILT
(@matheusilt)

O influenciador ficou conhecido por compartilhar dicas de reformas simples, sem muitas intervenções e com objetos já presentes em casa. Ele também compartilha instruções de organização e manutenção dos espaços reformados.

Na mídia: FAXINA Podcast

A temática também ganha outras abordagens no meio digital. Com o intuito de dar visibilidade a imigrantes que trabalham como faxineiros no Estados Unidos (EUA), a professora, pesquisadora e áudio-documentarista Heloiza Barbosa, 55, criou o FAXINA Podcast. O projeto recebeu o  prêmio internacional de podcast narrativo "Third Coast Audio Festival", como o melhor áudio-documentário em língua estrangeira com o episódio "Entre Quatro Paredes". Em entrevista, ela explica o propósito da iniciativa: 

O POVO: Quando e como começou o projeto do FAXINA Podcast?

Heloiza Barbosa: O FAXINA Podcast começou do sentimento quase opressor de invisibilidade que sofrem os imigrantes não documentados nos EUA. Algo precisava ser feito para que essas vozes fossem escutadas. O projeto começou em 2019, quando foi selecionado pelo "Google Podcast Creators Program", promovido pelo Gooogle e PRX (Public Radio Exchange), no meio de mais de seis propostas. A partir daí, eu desenvolvi o conceito do projeto para ser uma série de áudio-documentários que conta as histórias de vida de imigrantes brasileiros nos EUA, em sua grande maioria imigrantes não documentados, cuja a mais disponível opção de emprego é o trabalho de faxina domiciliar e escritório.

OP: Qual é a proposta do podcast? Como vocês realizam, por exemplo, a produção de cada episódio?

Heloiza: Nós já produzimos 15 episódios e estamos agora produzindo a terceira temporada. Como um projeto de áudio-documentário, nós intencionamos levar o ouvinte para um espaço de escuta íntima, para que ele possa se conectar com o que nos faz humanos. Com as histórias, nós queremos levar o ouvinte a alargar sua imaginação para que ele possa se colocar no lugar do outro e experimentar uma escuta empática. O FAXINA também busca fazer com que as pessoas que compartilham suas histórias tenham o poder sobre sua narrativa. Dessa forma, a edição de cada episódio é feita em colaboração com os participantes, um movimento de empoderamento pela narrativa. Outro aspecto importante para nós é a música que acompanha cada episódio. A música é originalmente composta a partir das memórias musicais de cada imigrante, pois nós queremos conectar as paisagens do passado de cada pessoa. É um trabalho documental com muitos componentes. Para a terceira temporada, a partir do apoio da Prefeitura de Boston e outras cidades dos EUA, nós contamos com jornalistas brasileiros trabalhando remotamente.

OP: O FAXINA é, também, inspirado pela sua própria história. Como foi a experiência como faxineira nos Estados Unidos? O que te motivou a compartilhar sua trajetória?

Heloiza: Sim, o FAXINA Podcast foi muito inspirado na invisibilidade de minha própria história. Eu fui faxineira quando cheguei aqui nos EUA em 1994. Eu vivia de perto o desgaste físico, emocional e psicológico do trabalho de faxineira e da condição de ser imigrante e tentar sobreviver em outro país, fazendo um trabalho que não recebe benefícios sociais e de baixa remuneração. Pessoas continuam fazendo essa trajetória de migração. Nos últimos 3 anos, com o aumento da pobreza e do desemprego no Brasil, o número de imigrantes brasileiros arriscando a vida para entrar nos EUA pelo México saltou 1.100% O que motivou fazer o FAXINA foi compartilhar histórias que documentem os fatores que levam às migrações e a realidade da vida dos imigrantes.

OP: Parte dos imigrantes brasileiros acabam trabalhando como faxineiros no exterior. Quais fatores influenciam essa posição? Como os entrevistados no podcast relatam essa realidade?

Heloiza: Sem documentos de permanência e sem documentos que autorizem o imigrante a trabalhar empregado por alguma empresa, a única opção que sobra é o trabalho de faxina, jardinagem, pintura de casas, trabalhos cuja remuneração se dá entre clientes e prestadores de serviço. Trabalhos que os americanos brancos de nascimento não fazem, porque são trabalhos de baixa remuneração e de grande desgaste físico.

O POVO:  A partir da sua atuação, como você avalia os direitos trabalhistas dos faxineiros brasileiros no EUA? Quais medidas são necessárias para oferecer condições adequadas de trabalho?

Heloiza: Não há direitos trabalhistas para faxineiros nos EUA. Se você fez o trabalho e sua cliente não te pagar, você pode processar a pessoa e buscar o recebimento do pagamento devido no tribunal. Mas fora isso, você não tem direito a dias de doença, a atendimento de saúde gratuito, a aposentadoria, dias de folga, férias, nada. 

Podcast Vida&Arte

O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui

O que você achou desse conteúdo?