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Jornalista propõe "mergulho profundo" na história da música brasileira
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Jornalista propõe "mergulho profundo" na história da música brasileira

Com mais de 25 anos de carreira, o jornalista musical Ricardo Alexandre fala sobre a importância de ouvir música de forma mais atenta nos dias atuais
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Jornalista musical Ricardo Alexandre mantém desde 2020 o podcast Discoteca Básica (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Jornalista musical Ricardo Alexandre mantém desde 2020 o podcast Discoteca Básica

Imagine que, hoje, você deseje ouvir uma canção que conheceu há pouco tempo. Você descobriu a faixa por causa de uma publicação compartilhada em uma rede social. Ao escutá-la pela primeira vez, teve sua atenção despertada pela sonoridade, e resolveu ouvi-la mais vezes. Para isso, acessou o YouTube ou um streaming de música.

Depois de ter contato com a canção enquanto fazia outras atividades, passou para uma outra faixa de um outro artista. Saiu, assim, sem escutar as outras músicas do álbum ou pesquisar mais sobre quem produziu a primeira faixa - pode até saber quem a interpreta, mas os detalhes que preenchem seu entorno ficarão desconhecidos.

Essa é uma prática corriqueira atualmente, principalmente com a popularização de streamings de música, serviços que disponibilizam trabalhos musicais a poucos cliques e com a possibilidade de navegar facilmente entre diferentes artistas sem a necessidade de transitar pela obra completa. Uma ação, porém, contrária à proposta pelo jornalista musical Ricardo Alexandre no podcast Discoteca Básica.


“Em tempos de música via streaming e ansiedade, o programa é um convite à relação imersiva, intencional, com profundidade estética e histórica, com os álbuns”, é descrito o programa em seu site oficial. A partir de pesquisas, contextualizações históricas e dados em profundidade, o Discoteca Básica busca, desde setembro de 2020, engajar o ouvinte a apreciar discos históricos com calma e atenção, fugindo da pressa do dia a dia.

Leia também | Confira mais histórias e opiniões sobre música na coluna Discografia, com Marcos Sampaio

Ex-diretor de redação da Bizz, revista brasileira de música e cultura pop, Ricardo também tem experiência com publicação de documentários e livros sobre música, como a obra “Dias de Luta: O Rock e o Brasil dos Anos 80”. Atualmente, está realizando uma campanha de financiamento coletivo no Catarse para a publicação do livro “500 Maiores Álbuns Brasileiros de Todos os Tempos”, um guia com os melhores discos nacionais eleitos por especialistas em música.

Em entrevista exclusiva ao Vida&Arte, Ricardo discutiu sobre o atual cenário da música diante da intensificação do uso de algoritmos em plataformas e do uso massivo de serviços de streaming e as configurações do jornalismo musical. “O projeto Discoteca Básico surgiu como uma espécie de refresco e de bálsamo nessa cultura da histeria da algoritmização e da superficialidade”, explica.

Quanto a algoritmos, é possível citar o TikTok. A rede social possui ferramentas de identificação de hábitos de seus usuários muito precisas e, com isso, consegue traçar os seus gostos musicais de modo a constantemente oferecer seleção de vídeos adaptada a eles. Para muitos, porém, isso pode representar uma uniformidade musical na plataforma, com pouca variedade de estilos.

Na visão de Ricardo, atualmente existe “uma cultura da ansiedade muito característica das redes sociais”. “Os usuários estão muito ansiosos. O ritmo é muito ansioso, tudo é muito rápido e frenético”, acrescenta. Isso, então, teria influência na forma como as pessoas estão consumindo músicas - e até produzindo-as.

O TikTok, por exemplo, tem sido uma plataforma bastante utilizada como estratégia de divulgação de músicas a partir da capacidade de viralização de conteúdos encontrada na rede social. Isso, entretanto, também tem afetado a indústria musical. Um exemplo das consequências negativas desse cenário foi exposto pela cantora estadunidense Halsey, que foi impedida por sua gravadora de lançar uma música caso não fosse possível “criar um momento viral”.

Diante dessa relação de consumo mais acelerada e de uma dependência da indústria musical aos mundo da viralização, Ricardo busca ficar “no equilíbrio entre a esperança e o pessimismo”, não sendo, assim, “fatalista” quanto ao cenário da música no Brasil nos próximos anos.

O jornalista aponta etapas que não vêm de hoje como contribuições para o “desequilíbrio” de processos comunicacionais, como a massificação dos smartphones, e realiza analogias com o universo dos streamings e da música. Olhando para o futuro, ele busca ter uma visão que resulte em um quadro positivo.

“Quando você precisava escolher os discos que levaria para a praia, você tinha um processo de ‘seleção natural’. É muito diferente de você ter todos os discos do mundo disponíveis o tempo todo. Há um barateamento absurdo, barateamento do tempo também. Onde está nosso tempo? Então, acho que é muito difícil fazer previsões. Quero crer que um dia olharemos para o tempo que gastamos nas redes sociais com o mesmo pavor que olhamos para o cigarro ou para o consumo de açúcar pelas crianças”, destaca.

Com a experiência de mais de 25 anos de carreira no jornalismo musical e de quase dois anos à frente do Discoteca Básica, Ricardo Alexandre indica aos que desejam praticar o “mergulho profundo na arte de ouvir música” a busca por informações sobre os trabalhos e, principalmente, exercer a audição. O podcast seria um caminho para o ingresso nesse mundo.

“Sempre dizemos para o ouvinte que ele pode ouvir o álbum todo em seu sistema de streaming, mas que ouça até o fim. Tem uma história sendo contada ali. Saiba de algumas coisas desse disco, sobre o jeito que ele foi gravado, por quê ele está encadeado desse jeito, como estava a cabeça do artista e como estava o entorno dele naquele momento… Não é simplesmente ‘descubra qual a música que está tocando pelo Shazam (aplicativo de identificação de músicas)’, adicione à sua playlist pessoal e ouça pela metade depois”.

Ainda sobre a pressa em se escutar música atualmente, Ricardo Alexandre acrescenta: “A tecla mais clicada no Spotify é o ‘skip’ (passar para a próxima). As pessoas não param para ouvir a música até o fim, o que dirá o álbum. Só que isso impõe duas questões: Por que nós assistimos a séries de oito horas ininterruptamente e não gastamos 40 minutos para ouvir um disco do começo ao fim, do jeito que ele foi criado? E será que um disco lançado em 2022 tem alguma chance de ser ouvido da mesma maneira que ouvimos o ‘Dois’, da Legião Urbana? Ele tem alguma chance de fixar raízes no nosso coração e na nossa mente se ouvimos pedacinhos das canções enquanto lavamos louça?”.

Nesse sentido, o Discoteca Básica assume um papel de apoio a esse ouvinte: “Apesar de ser um projeto baseado em discos históricos, a nossa proposta é para hoje, para o mundo de 2022. Pelo amor de deus, pare o que você está fazendo e ouça esse disco do começo ao fim. Não é porque o disco é incrível. É porque você precisa quebrar essa rotina de ansiedade à qual você se impõe”.

Ao analisar o panorama de artistas nacionais contemporâneos, Ricardo pontua que “a música pop brasileira vive sua melhor fase, tanto em termos de qualidade como em quantidade”. O problema, entretanto, é “a crise de oportunidade muito grande” na divulgação de novos talentos. Nesse sentido, o Discoteca Básica indica, na parte final de seus episódios, grupos e artistas brasileiros da atualidade que têm sonoridade relacionada aos compositores contemplados nos respectivos programas. “Tem muita gente fazendo muita coisa boa”, enfatiza.

Diante da forte presença da “algoritmização” no consumo de música atualmente, qual será, afinal, o espaço do jornalismo musical nos próximos anos enquanto área de curadoria e recomendação? Para Ricardo Alexandre, os caminhos se apresentarão de acordo com as ações de quem o consome - podendo rumar tanto para a manutenção da “previsibilidade” quanto para a inovação.

“O jornalismo musical será aquilo que fizermos dele. Eu acho que sim, há espaço para prospecção, para o aprofundamento, para a qualidade e também para a opinião. Há espaço para esse tipo de coisa, mas depende do que fizermos tanto com a música quanto com o jornalismo musical”, projeta.

Campanha de Financiamento

Disponível em catarse.me/500albuns

Podcast Discoteca Básica, do jornalista Ricardo Alexandre, foi criado em 2020
Podcast Discoteca Básica, do jornalista Ricardo Alexandre, foi criado em 2020

Discoteca Básica

O Discoteca Básica busca assumir um papel de apoio ao ouvinte. "Apesar de ser um projeto baseado em discos históricos, a nossa proposta é para hoje, para o mundo de 2022. Pelo amor de deus, pare o que você está fazendo e ouça esse disco do começo ao fim. Não é porque o disco é incrível. É porque você precisa quebrar essa rotina de ansiedade à qual você se impõe", convoca o jornalista Ricardo Alexandre.

Ao analisar o panorama de artistas nacionais contemporâneos, Ricardo pontua que "a música pop brasileira vive sua melhor fase, tanto em termos de qualidade como em quantidade". O problema, entretanto, é "a crise de oportunidade muito grande" na divulgação de novos talentos. Nesse sentido, o Discoteca Básica indica, na parte final de seus episódios, grupos e artistas brasileiros da atualidade que têm sonoridade relacionada aos compositores contemplados nos respectivos programas. "Tem muita gente fazendo muita coisa boa", enfatiza.

Onde escutar: agregadores de podcast

Podcast Vida&Arte

A conversa na íntegra com Ricardo Alexandre sairá como episódio do Podcast Vida&Arte. Além de comentar sobre o consumo de música atualmente, ele fala sobre o processo de construção do livro e detalhes sobre a lista dos maiores álbuns nacionais de todos os tempos.

Podcast Vida&Arte

O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui

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